MARCO ANTONIO CAMPANELLA (*)
A cruzada de Bolsonaro contra as medidas de isolamento social no período em que o país soma cerca de 1000 mortes por dia é a demonstração mais cabal de que sua permanência na Presidência da República constitui grave risco para a saúde e a vida de milhões de brasileiros.
Se alguém alimentava alguma ilusão, esgotaram-se, inapelavelmente, as possibilidades de convencê-lo do contrário.
As orientações técnicas e científicas da Organização Mundial da Saúde não foram suficientes.
As normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e das organizações médicas e científicas do país em apoio ao distanciamento social como instrumento fundamental na prevenção do contágio, enquanto recupera-se o SUS e viabiliza-se testagens em massa, também não.
A postura da quase unanimidade dos países pelo isolamento social e apoio decidido ao funcionamento de suas economias não o convenceram.
A saída de dois ministros da Saúde em razão de discordâncias quanto à política de enfrentamento da pandemia também não foi suficiente.
As medidas dos governadores de Estado foram, da mesma forma, consideradas uma afronta à orientação presidencial.
A manifestação explícita da maioria dos brasileiros em defesa das medidas de distanciamento social, da mesma forma, não convenceu o presidente.
As políticas dos países latino-americanos de combate à pandemia foram tratadas com rechaço e escárnio.
As decisões por ampla maioria no Congresso Nacional e por unanimidade no Supremo Tribunal Federal em contraposição à postura presidencial foram em grande parte boicotadas.
Conclusivamente, estamos diante de um quadro psicopatológico que necessita de uma investigação mais acurada por parte de especialistas, objeto de outro artigo.
Enquanto isso, recorremos aos recursos da análise política.
Bolsonaro não pensa como político.
Muito menos como detentor de um mandato popular e menos ainda como titular da magistratura mais alta do país.
Seu raciocínio, como alguns incautos pensam, não é de militar que foi um dia e, não por acaso, humilha sempre que pode os ex-parceiros de armas por ter sido forçado a deixar o Exército após comprovada afronta à disciplina inerente à instituição.
Sua formação é de miliciano e, como tal, age e pensa.
No Brasil, infelizmente, alguns dotados dessas características conseguem, ainda, com os recursos da dissimulação, alcançar e, até, repetir, mandatos parlamentares.
Mas, na Presidência da República, o buraco é mais embaixo e o resultado não poderia ser outro.
Miliciano tem nojo da democracia e repulsa às instituições democráticas.
Extasia-se pelo fascismo em todas as suas modalidades.
Não suporta o contraditório e os diferentes. Para ele, como diz o insuspeito José Simão, “arquivo bom é arquivo morto”.
Se pudesse, por decreto, fecharia numa penada o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal, e indicaria ministros apenas à sua imagem e semelhança.
A milícia e a família se confundem. Todos seus integrantes são fiéis escudeiros sintonizados e submetidos religiosamente ao pensamento fundamentalista do chefe.
Disfarça sua condição venal, corrupta e criminosa com simulacros de adoração a Deus.
Não por outro motivo chegou à Presidência pelo caminho do disfarce à sua real natureza, apoiado por parcela da população contaminada à época por incontornável polarização política.
Aos poucos, seu caráter foi se revelando…
Ignorou os avanços do Brasil no terreno social e praticou as políticas mais excludentes dos últimos tempos.
Desprezou as conquistas dos trabalhadores e suas organizações e vitaminou o desmonte iniciado por Temer dos direitos e conquistas.
Fez vistas grossas ao desenvolvimento industrial acelerando o processo de desmonte do parque nacional.
Desdenhou o patrimônio e as riquezas nacionais, escalando Guedes, homem dos bancos e do “mercado”, para impulsionar sua alienação e subordinar a economia real aos cartéis e à lógica financista.
Menosprezou as conquistas do Brasil como país soberano e engatou marcha-a-ré cega no alinhamento a Trump e à sua política imperial, contrariando interesses políticos e comerciais do país com outros parceiros históricos e estratégicos.
Vilipendiou os avanços democráticos desde que os brasileiros sepultaram a ditadura com a qual busca sempre se identificar, bem como com os seus torturadores que atuaram à socapa nos subterrâneos do regime.
A essa altura do campeonato pensar numa solução com Bolsonaro é o mesmo que pedir ao escorpião para não atacar a quem lhe socorreu na travessia do rio.
Impossível!
Daí, a inevitável conclusão de que, com o aprofundamento das investigações sobre suas práticas criminosas e a dos mais próximos – e o inelutável isolamento social, estaremos diante de um presidente cada vez mais agressivo em seus ataques aos adversários e à democracia.
Renúncia, pouco provável, pelos traços psicopáticos de sua personalidade que o diferencia das pessoas normais nutridas de bom-senso.
Seu núcleo de apoiadores está se restringindo, vertiginosamente, a um grupo que não pertence a essa categoria e expõe, com extrema facilidade e despudor, o ódio visceral a todas as conquistas da democracia, da soberania e da justiça no país. Um sentimento que os torna naturalmente hostis e contrários aos humanos.
Conviver com essa situação durante algum tempo é possível, mas impensável durante um longo tempo.
Somente uma mente fugaz como a de Bolsonaro, defrontada com as difíceis e impensáveis, para ele, adversidades, proferiria tamanha blasfêmia ao afirmar que sairá da Presidência da República somente no dia 1º de janeiro de 2027!
O Brasil não cabe, hoje, muito menos ao longo de um largo tempo, no esquadro doentio do bolsonarismo – e provará essa assertiva o quanto antes, pois o sacrifício do povo e do país, definitivamente, atingiu seu limite!
(*) Jornalista