Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (11)
(HP 11/09/2015)
CARLOS LOPES
Os trechos abaixo foram extraídos do processo nº 5045241-84.2015.404.7000, movido pelo Ministério Público, no âmbito da Operação Lava Jato:
“Especificamente no caso da Diretoria de Serviços, o núcleo político que a sustentava era composto por dirigentes do Partido dos Trabalhadores – PT e pessoas a ele vinculadas. Corriqueiramente, a parcela paga ao partido era acertada por Vaccari.
“A lavagem dos valores ilícitos auferidos pelos agentes criminosos em detrimento da Petrobrás ocorreu em parte mediante a celebração de contratos de consultoria ideologicamente falsos com empresas controladas pelos operadores financeiros, em parte mediante transferências de altos valores em espécie entre os envolvidos, em parte mediante depósitos em contas bancárias abertas em nome de offshores no exterior e, finalmente, em parte mediante a realização de doações eleitorais ao Partido dos Trabalhadores, com participação de Vaccari, ex-tesoureiro do partido, que atuou como ‘coletor’ de fatia da propina direcionada à agremiação política que sustentava Duque na importante diretoria de serviços da Petrobrás.”
Por aqui se vê o que valem as afirmações da cúpula do PT de que “todas as doações ocorreram estritamente dentro da legalidade, por intermédio de transferências bancárias, e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral” (cf. Nota do presidente do PT, Rui Falcão, 03/08/2015).
O problema é que essa afirmação responde a uma acusação inexistente – e exatamente para não responder à acusação verdadeira: a de que o PT usou o caixa 1 (isto é, o caixa oficial do partido na campanha eleitoral – e fora da campanha eleitoral) para dissimular o recebimento de propinas, recebidas em troca do assalto à Petrobrás pelo cartel das empreiteiras.
Vejamos alguns trechos do depoimento de Milton Pascowitch, dono da JAMP e um dos operadores do esquema:
“… as negociações ou solicitações encaminhadas por João Vaccari por intermédio do declarante a respeito de valores a serem pagos ao Partido dos Trabalhadores vinham acompanhadas de uma solicitação de recursos oficiais e de uma solicitação de recursos não oficiais; (…); era feita então a entrega de valores diretamente a João Vaccari, sempre em espécie; dos valores que não houvesse pagamentos em espécie eram feitos mediante doações oficiais ao Partido dos Trabalhadores;
“… com relação ao contrato da Engevix dos cascos replicantes, gerou um ‘valor de contribuição’ discutida com João Vaccari no valor total de 14 milhões de Reais que foram entregues ao longo de novembro de 2009 até maio de 2011; foram feitos pagamentos na ordem de R$ 10.000.000,00 em espécie entregues em montantes diversos, sempre na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo;
“… recorda também de duas ocasiões em que houve entregas para um portador de nome Márcia, no Rio de Janeiro; houve indicação de João Vaccari que os pagamentos fossem feitos para a pessoa de Márcia;
“… os valores entregues a João Vaccari eram ressarcidos à JAMP por meio de contratos realizados entre a empresa e a Engevix Engenharia, que, descontados os impostos, alcançam exatamente o valor entregue a João Vaccari;
“… esses contratos têm característica distintiva em relação à prestação de serviços à Engevix, pois seu pagamento ou era realizado à vista, em parcela única, ou em duas ou três parcelas;
“… esclarece que embora o contrato dos cascos tenha sido assinado em 2010, no ano de 2009 em que se iniciaram os pagamentos já havia ocorrido o procedimento licitatório;
“… as tratativas para negociação de valores deram-se exclusivamente com João Vaccari; o declarante foi a ‘ponte’ entre João Vaccari e Gerson Almada [sócio da Engevix] e que o valor de 14 milhões foi alcançado em razão do adiantamento dos pagamentos futuros em relação à execução do contrato;
“… a antecipação do pagamento deu-se em razão das necessidades de caixa alegadas por João Vaccari em razão do ano eleitoral de 2010, que demandaria necessidade maior de recursos do Partido;
“… o declarante decidia pelo pagamento em espécie ou mediante doações eleitorais conforme sua disponibilidade de caixa, em razão da dificuldade em algumas oportunidades de realizar valores em espécie;
“no caso das doações eram sempre para o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores; não houve qualquer ato de João Vaccari para a realização do contrato, mas sim uma ‘contribuição’ da empresa Engevix ao Partido dos Trabalhadores em razão da obra auferida junto à Petrobrás;
“… as discussões sobre execução davam-se diretamente com a área técnica e a Diretoria respectiva da Petrobrás; destaca, entretanto, que houve uma vinculação feita por João Vaccari do valor do contrato em relação à contribuição da empresa;
“… as comunicações com Vaccari eram sempre por telefone, diretamente com ele ou com a secretária Angela;
“… com relação à menção ao contrato com o FUNCEF esclarece que a situação especifica da prestação entre JAMP e Engevix foi utilizada no escopo do contrato, mas apenas para a ‘cobertura’ dos valores pagos que seriam destinados ao Partido dos Trabalhadores;
“… não houve qualquer prestação de serviços à Engevix pela JAMP nesses contratos mencionados no presente termo; esses pagamentos não eram discutidos com Renato Duque e Pedro Barusco” (Termos de Colaboração nº 20 e 21 de Milton Pascowitch, 17/06/2015).
INÍCIO
Logo, diante disso, responder que “todas as doações ocorreram estritamente dentro da legalidade, por intermédio de transferências bancárias, e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral” é quase (aliás, é) uma confissão de culpa, pela evidente tentativa de ignorar – ou fugir – à acusação, ao invés de enfrentá-la. Tentativas de evasão sempre acabam por enfatizar aquilo de que se está fugindo.
Mas qual a história desse esquema?
Diz a ação do Ministério Público:
“A estruturação da organização criminosa ora denunciada começou ainda no ano de 2003, momento no qual Renato Duque buscou auxílio político para ser alçado ao cargo de Diretor de Serviços da Petrobrás.
“Conforme reconhecido por Milton Pascowitch, houve a conjugação de esforços do empresário Licínio de Oliveira Machado, da ETESCO, de Sílvio Pereira e de Fernando Moura, para que o nome de Duque fosse levado à apreciação do então Ministro da Casa Civil, José Dirceu, e recebesse o seu aval para fins de nomeação ao alto cargo diretivo almejado na estatal.
“Nesse sentido, podem-se citar as declarações de Paulo Roberto Costa e Barusco.
1) Interrogatório de Paulo Roberto Costa:
“PAULO ROBERTO COSTA: Como eu também já mencionei à vossa excelência e em outros fóruns, as indicações, as diretorias da Petrobrás tinham que ter apoio político, e a indicação que se rezava, que se falava dentro da companhia, a indicação do Renato Duque foi pelo PT.
JUIZ MORO: Algum político em particular ou o partido?
PAULO ROBERTO COSTA: Bom, dentro da Petrobrás, quando ele foi indicado, corria pelos corredores lá que ele tinha sido indicado na época pelo ministro José Dirceu.
JUIZ MORO: Isso era conversa de corredor?
PAULO ROBERTO COSTA: Voz corrente dentro da Petrobrás.
JUIZ MORO: Mas o senhor ouviu, se recorda de ter ouvido algum relato direto nesse sentido?
PAULO ROBERTO COSTA: Não, só de pessoas dentro da própria companhia que mencionavam isso com muita ênfase”.
2) Interrogatório de Barusco:
“JUIZ MORO: O senhor sabe me dizer se o senhor Renato Duque assumiu esse cargo de diretor também em decorrência de alguma influência política?
PEDRO BARUSCO: Era também comentário. Que teria sido o PT, mais especificamente o senhor José Dirceu, mas ele nunca comentou isso comigo, nunca falou nada disso comigo, né?”
Embora fosse voz corrente a indicação de Duque por Dirceu – e nunca existiu nem dúvida sobre isso – forçoso é reconhecer que, até aqui, ainda estamos no terreno do que se ouviu – e, não necessariamente, o que se ouviu corresponde ao que é verdadeiro. Além disso, Dirceu não pode ser responsabilizado pelos malfeitos de Duque, exceto se participou deles.
Por isso, somos obrigados a examinar a participação de Dirceu.
Primeiro, é preciso voltar ao depoimento de Pascowitch, aludido pelo MP.
COBRANÇA
MILTON PASCOWITCH: “… certa feita Fernando Moura cobrou de Renato Duque o fato de que este não estava contribuindo na medida correta com a sua indicação para Diretor da Petrobrás, acusando-o de retenções ou desvios de valores que deveriam ir para Fernando Moura e não o eram; então Renato Duque disse a Fernando que este estava autorizado a receber qualquer valor que entendesse, que teria como crédito junto a Júlio Camargo; este encontro ocorreu na casa do declarante no Rio de Janeiro, em um final de tarde.
“Fernando Moura” é Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, ligado ao PT – e, sem contestação, a Dirceu – desde a época que se encerrou com o escândalo do Land Rover para Sílvio Pereira.
Nos processos oriundos da Lava Jato, é algo chocante como Moura não parece ter inibições em usar contas de familiares para receber propinas, envolvendo seu filho, suas duas filhas, um sobrinho e seu irmão gêmeo, o cirurgião plástico Olavo Hourneaux de Moura Filho.
Continuemos com o depoimento de Milton Pascowitch:
“… Fernando deu a entender que achava que Renato Duque estava em conluio com Júlio Camargo para reter os valores das comissões da área de materiais e de serviços compartilhados;
“… este acontecimento fez com que se estabelecesse uma nova condição, isto é, a empresa Hope, e uma outra empresa chamada Personal Services, igualmente da área de serviços compartilhados, deveriam passar a fazer os pagamentos das comissões ao declarante, e não mais a Júlio Camargo;
“… esta nova orientação foi passada às empresas por Fernando Moura, que devem ter confirmado com Renato Duque;
“… a Hope entregava uma planilha com o valor faturado, e sobre este valor pagava três por cento sobre o montante líquido recebido (menos impostos e encargos), que resultava aproximadamente em uma comissão de 1,5 por cento do valor bruto (…); quanto à Personal, havia um acordo de pagamentos de valores fixos mensais, apurados contrato a contrato;
“… tais recursos geraram uma média de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) mensais, alcançando R$ 700.000,00 a R$ 800.000,00 ou mais baixos, em razão do faturamento da Hope;
“… destes valores, R$ 180.000,00 eram destinados a Fernando Moura;
“… após autorização de José Dirceu, o declarante passou a destinar R$ 30.000 a Luís Eduardo, irmão daquele, e R$ 30.000 a Roberto Marques, e o saldo mensal era destinado a José Dirceu (…) quando não precisava, era então o saldo entregue a João Vaccari;
“… havia solicitações esporádicas de recursos por parte de José Dirceu, que então eram cobertas com contratos de consultoria com a JD, como contratos firmados pela Engevix, que também firmou contrato de consultoria com a JAMP;
“… Gerson Almada [sócio da Engevix] sabia que José Dirceu auxiliava nas obras da Engevix com a Petrobrás, e por isso não se recusou a firmar os contratos de consultoria com a JD, como forma de contrapartida pelo auxílio, não vinculados a nenhum contrato específico com a Petrobrás;
“… a JAMP firmou um contrato com a própria JD, no ano de 2011;
“… havia inclusive uma planilha de valores pagos e valores faturados, que foi apreendida por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão na JAMP;
“… o contrato de CACIMBAS 2 precisou ter um sobrevalor de remuneração para que houvesse a disponibilidade de recursos que deveriam ser repassados a José Dirceu (…);
“… os valores repassados pela HOPE e pela PERSONAL não estavam atrelados a nenhum contrato de consultoria, e eram entregues em espécie” (TC nº 17 e 18, 18/06/2015).
Fernando Moura, diz Pascowitch, “era quem representava José Dirceu na Petrobrás”.
PROVAS MATERIAIS
Na documentação apreendida – e, depois, nos papéis entregues aos investigadores por Pascowitch, além dos advindos da quebra do sigilo bancário da JD Assessoria (a empresa de Dirceu) – há 45 depósitos da JAMP e da Engevix em conta da JD.
Infelizmente, quanto ao ex-ministro José Dirceu, isso não é tudo. Uma parte não pequena das vantagens auferidas – aliás, a maior parte – foram realizadas de outro modo.
Vejamos o depoimento da arquiteta Daniela Facchini, no último dia 13 de agosto, ao delegado Agnaldo Mendonça Alves, da Polícia Federal:
PF: Qual a atividade profissional da senhora?
R: Arquiteta, proprietária da empresa DLS Hotelaria Ltda., que trabalha no ramo de implantação de hotéis.
PF: Conhece Milton Pascowitch?
R: Conhece Milton Pascowitch há cerca de 5 anos, a quem foi apresentada pelo atual marido Hélio Oscar Moraes Garcia Junior.
PF: Qual o seu relacionamento com Milton Pascowitch?
R: Tem relacionamento social com Milton Pascowitch e é amiga de Mara, esposa de Milton Pascowitch. Antes da prisão de Milton Pascowitch, frequentava a residência deste, da mesma forma que ele e a família frequentavam sua residência.
PF: Realizou obras de reforma de um imóvel localizado em um condomínio fechado em Vinhedo/SP a pedido de Milton Pascowitch?
R: Realizou obras no imóvel localizado na Alameda Maracaí, 235, Condomínio Santa Fé, no bairro Santa Fé, em Vinhedo/SP.
PF: Sabe a quem pertencia o imóvel?
R: Na época da obra foi informada por Milton Pascowitch que o imóvel pertencia à empresa TGS Consultoria e seria utilizada por José Dirceu, o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula.
PF: Qual o valor dos serviços?
R: O valor total dos serviços foi de R$1.814.546,19 (um milhão, oitocentos e quatorze mil, quinhentos e quarenta e seis reais e dezenove centavos). Este valor se refere à obra por completo, incluindo a parte civil, mobiliário, paisagismo, enxoval, utensílios de cozinha, sistema de segurança, dentre outros que estão relacionados como DOC 03 e DOC 04 da petição que ora apresenta à Polícia Federal neste momento.
PF: Como se deu o recebimento?
R: O valor de R$1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais) foi pago através de vários depósitos na conta corrente pessoal da depoente, conforme extratos relacionados como DOC 05 da petição citada acima. O restante foi pago em dinheiro, ao longo de toda a obra, até perfazer o total de R$1.814.546,19 (um milhão, oitocentos e quatorze mil,m quinhentos e quarenta e seis reais e dezenove centavos).
PF: Possui documentos comprobatórios?
R: Sim. Nesse momento, apresenta a relação de todos os documentos relacionados à obra.
PF: Conhece José Dirceu de Oliveira e Silva?
R: Não conhece José Dirceu de Oliveira e Silva. Só o viu pessoalmente por alguns minutos quando José Dirceu se aproximou da casa que estava em obra, mas não ingressou no terreno. Ressalva que José Dirceu morava na casa ao lado da casa que estava em reforma.
PF: Qual seu relacionamento com José Dirceu de Oliveira e Silva?
R: Nenhum.
PF: Conhece Luís Eduardo de Oliveira e Silva?
R: Não conhece Luís Eduardo de Oliveira e Silva.
PF: Qual seu relacionamento com Luís Eduardo de Oliveira e Silva
R: Nenhum.
PF: Conhece Júlio César dos Santos?
R: Não conhece Júlio César dos Santos.
PF: Qual seu relacionamento com Júlio César dos Santos?
R: Nenhum.
PF: Conhece a empresa TGS Consultoria e Assessoria em Administração Ltda.?
R: Não conhece ninguém da TGS, mas foi informada por Milton Pascowitch que esta empresa seria proprietária do imóvel em reforma.
PF: Qual seu relacionamento com a empresa TGS Administração Ltda.?
R: Nenhum.
PF: Conhece José Adolfo Pascowitch?
R: Conhece José Adolfo Pascowitch, pelo apelido de Zeca, irmão de Milton Pascowitch. Não frequenta a casa de José Adolfo e o conhece apenas de reuniões que ocorreram no escritório da JAMP, para tratar da reforma da casa em questão.
PF: Qual seu relacionamento com José Adolfo Pascowitch?
R: Nenhum relacionamento pessoal.
PF: A que título se deu a doação recebida por José Adolfo Pascowitch, declarada em seu IRPF, no valor de R$ 1.300.000,00.
R: Durante a execução da obra, passou pela conta pessoal da depoente, a título de pagamento para execução da obra, o montante de R$ 1.300.000,00. Diante desse fato, a depoente foi conversar, no final do ano de 2013, com Milton Pascowitch e José Adolfo Pascowitch sobre como regularizar essa movimentação financeira. Nesta mesma data foi informada por José Adolfo que este estaria fazendo uma doação para a depoente no valor de R$ 1.300.000,00 e já teria pago o imposto referente a esta doação, inclusive apresentou a guia de recolhimento no valor aproximado de R$ 52.000,00; se compromete a apresentar até o dia 14/08/2015 os documentos citados acima; para regularizar a situação criada por José Adolfo, está providenciando o pagamento dos impostos relativos aos ganhos auferidos com a obra, limitados a 12% sobre o valor total da obra, que equivale a R$ 194.257,71 (cento e noventa e quatro mil, duzentos e cinquenta e sete reais e setenta e um centavos) conforme constou da petição que ora apresenta à Polícia Federal.
“Dada a palavra à depoente, foi dito que: ‘eu sempre convivi com Milton Pascowitch, sempre o considerei uma pessoa com recurso e com origem em uma família abastada. Jamais poderia imaginar que ele estivesse envolvido em qualquer prática de crimes’;
“Nada mais disse e nem lhe foi perguntado.”