Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (12)
(HP 16/09/2015)
CARLOS LOPES
A tabela desta página é um resumo da ação do Ministério Público contra os executivos da Andrade Gutierrez, uma das “cinco irmãs” (além dela, Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão e OAS) que encabeçavam o cartel que agia na Petrobrás.
Nas 10 obras listadas no processo, houve propinas que, somadas, atingiram um mínimo de R$ 243.234.377,62 (243 milhões, 234 mil, 377 reais e 62 centavos).
Mas a distribuição não foi, obviamente, por igual: o esquema do PT (diretoria de Serviços: Vaccari-Duque-Barusco) levou R$ 178.916.462,16 (178 milhões, 916 mil, 462 reais e 16 centavos) e o esquema do PP-PMDB (Yousseff-Fernando Soares-Paulo Roberto Costa) levou, no mínimo, R$ 64.317.915,46 (64 milhões, 317 mil, 915 reais e 46 centavos).
Portanto, nessas 10 obras citadas no processo contra a Andrade Gutierrez, o esquema do PT levou quase três vezes mais do que o esquema do PP-PMDB.
Antes que nos acusem de algo que não fizemos (nos últimos tempos, o besteirol, que corre principalmente na Internet, se tornou uma erupção), aqui não está dito que o PT (ou o PP ou o PMDB) levaram a totalidade desse dinheiro – uma parte, evidentemente, ficou com os operadores e funcionários corrompidos.
Também não está aqui dito que todo o PT (ou todo o PMDB ou todo o PP) se beneficiou desse dinheiro. Não é possível confundir, por exemplo, o sr. Eduardo Cunha com o senador Requião, apesar de ambos pertencerem ao mesmo partido. Distinções semelhantes devem ocorrer no PP e no PT – apesar de, nesse último caso, por ser a presidente deste partido, é mais difícil distinguir quem não foi beneficiado pela propina. Mesmo assim, não são prudentes – e nem devem corresponder à realidade – generalizações sem a admissão das possíveis e prováveis exceções.
Mas há outro indicador poderoso – e lastimável – do que houve.
DINHEIRO
Entre 2002 e 2010, os gastos eleitorais declarados triplicaram (ou seja, os gastos totais aumentaram +200%), enquanto a inflação, pelo IPCA, variou +76,27% (cf. Ana Luiza Backes e Luiz Cláudio Pires dos Santos, Gastos em campanhas eleitorais no Brasil, Cadernos Aslegis, n. 46, maio/ago. 2012, p. 57).
Se incluirmos as eleições de 2014, os gastos nas campanhas presidenciais aumentaram +588,16%, contra uma inflação acumulada, no mesmo período, de 158,22%.
Outra forma de comprovar a mesma coisa é comparar o gasto total de todos os candidatos a todos os cargos em todo o país. Esses gastos subiram de R$ 678.481.566,99 (678 milhões, 481 mil, 566 reais e 99 centavos) em 2002 para R$ 4.557.310.095,92 (quatro bilhões, 557 milhões, 310 mil, 95 reais e 92 centavos) em 2014 (cf. TSE, Repositório de Dados Eleitorais, Prestação de Contas, 2002-2014).
Ou seja, houve um aumento de +571,69% nos gastos eleitorais totais dos candidatos entre 2002 e 2014, para uma inflação acumulada de 158,22%. Advertimos, no entanto, que estamos tratando, aqui, das contas oficiais, sem consideração para gastos de caixa 2. Porém, os números declarados indicam a tendência geral.
Especificando pelas candidaturas principais durante esse mesmo período: o gasto da campanha presidencial do PT aumentou +788,35% (de R$ 39.454.578,55 em 2002 para R$ 350.493.401,70 em 2014), enquanto a do PSDB aumentou +553,15% (de R$ 34.732.880,00 para R$ 226.858.146,73) – com a inflação já citada de 158,22% nesses doze anos.
Que o PSDB seja o partido preferido de quem tem dinheiro, no país e fora dele, não é propriamente uma novidade.
Mas, então, como o PT conseguiu aumentar seus gastos mais que o PSDB?
A resposta corriqueira – porque o PT estava no poder – padece de um mal: o PT estava no poder para beneficiar quem possuía dinheiro?
No entanto, o segundo mandato de Lula foi marcado pela tônica do crescimento econômico, o que não é exatamente a política favorita dos bancos – daquilo que Louis Brandeis, em 1914, denominou “money trust”, o que poderia ser bem traduzido como “monopólio do dinheiro” (cf. Louis Brandeis, “Other People’s Money And How The Bankers Use It”, Frederick A. Stokes Company, NY, March/1914).
Então, o problema é: como foi possível essa loucura nos gastos eleitorais?
Mas, antes disso, como existem elementos que argumentam (?) que o aumento dos gastos eleitorais é muito natural, pois as candidaturas se tornaram mais “competitivas”, ou que isso se deu pelo número “excessivo” de partidos – e existe até quem argumente (?) que não existe relação entre gastos eleitorais e sucesso na eleição -, vejamos outro lado da mesma loucura: os gastos eleitorais nas candidaturas a deputado federal.
Vejamos um trecho do trabalho que citamos:
“A análise dos dados para as eleições de deputado federal demonstra uma forte relação entre gastos [declarados] e sucesso eleitoral. Comparando a média de gastos dos eleitos com a dos não eleitos, observa-se que aquela foi em média 12 vezes maior. Considerando que o número de candidatos é muito grande, e que existem candidatos que praticamente não fazem campanha, o que rebaixa os gastos da média dos não eleitos, fizemos o cálculo da média de gastos dos candidatos ‘competitivos’, ou seja, dos não eleitos mais próximos da eleição. Ainda assim, a relação [entre gasto eleitoral e sucesso na eleição] continua forte: os eleitos gastaram na média nacional o dobro dos não eleitos ‘competitivos’. Em vários estados, os eleitos gastaram o quádruplo ou mais que seus adversários competitivos (PE: 7,2x; AC: 5,9x; SE: 5,2x: PI: 4,7x; RN: 4,1x; GO: 4,0x). Dos 513 eleitos para a Câmara, 369 estão entre os que mais gastaram no seu estado” (cf. op. cit., p. 58).
Como notam os mesmos autores, “a crescente demanda por recursos tende a dificultar cada vez mais a eleição de candidatos sem acesso ou com acesso reduzido a eles; isto pode refletir sobre a representatividade dos setores mais pobres da sociedade, que tenderia a diminuir – se a eleição é mais cara, quem tem menos dinheiro tem mais dificuldade; igualmente partidos de pessoas com menos dinheiro ou que representem seus interesses provavelmente terão menos acesso a recursos”.
O significado disso pode ser entrevisto em um trabalho publicado em abril deste ano pelo… Diretório Nacional do PT, através da Fundação Perseu Abramo, onde é apontada a concentração do financiamento eleitoral, nas eleições de 2010, em apenas 10 empresas: JBS, Construtora Andrade Gutierrez, Construtora OAS, Cervejaria Petrópolis, Construtora Queiroz Galvão, UTC Engenharia, Construtora Norberto Odebrecht, CRBS, Bradesco Vida e Previdência e Banco BTG Pactual.
Dessas 10 empresas, cinco pertencem ao cartel que atacou a Petrobrás e outra (o BTG Pactual) é o maior acionista da Sete Brasil – que se ligava às empreiteiras através dos estaleiros, todos sustentados por contratos bilionários com um único cliente, a Petrobrás, e financiamento público a rodo.
O dinheiro do conjunto das empresas estava concentrado em apenas três partidos, sendo o PT o maior beneficiário, com 24,1% do total dos recursos, vindo após o PSDB (19,9%) e o PMDB (17,7%). Os outros 26 partidos que existiam oficialmente em 2010 ficaram com apenas 38,3% dos recursos das empresas.
Estamos de pleno acordo com o autor desse trabalho quando, depois de apontar que essa lista “considera apenas o CNPJ do doador”, diz: “Se as doações fossem agregadas por grupos empresariais, a concentração observada seria ainda maior, pois vários grupos dispersam suas doações por mais de um CNPJ” (cf. Wagner Pralon Mancuso, “A reforma política e o financiamento das campanhas eleitorais”, in “Reforma Política Democrática – temas, atores e desafios”, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2015, p. 91/92).
Outro trabalho interessante, este de dois juristas, aborda as eleições de 2014, constatando que “360 dos 513 deputados” (ou seja, 70%), foram financiados por, também, 10 empresas: JBS, Bradesco, Itaú, OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Grupo Vale e Ambev.
Os autores apontam que, na atual Câmara, “os eleitos gastaram 11 vezes mais que os não eleitos” (cf. Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes, “Quem são os eleitores? 10 empresas financiaram 70% dos deputados”, JusBrasil, agosto/2015).
A partir daí, os autores concluem: “Não existem de fato eleições livres no Brasil e não é difícil compreender onde está o centro do problema. Se um candidato não dispõe de recursos significativos para promover a sua campanha e outro está abastecido por milhões (os eleitos gastaram 11 vezes mais que os não eleitos), já se sabe de antemão quem vencerá. (…) Em circunstâncias assim, para ser eleito é mais conveniente encontrar meios de conquistar o beneplácito de poderosos financiadores que perder tempo tentando convencer os eleitores da validade dos seus propósitos políticos.”
Nosso objetivo aqui não é argumentar contra o financiamento empresarial, pois nos parece que não é este o problema. Mas é inevitável observar que o PT, em quase 13 anos no governo federal, somente usou essa bandeira como demagogia, aliás, bem evidente.
Qualquer reforma política séria terá que começar pela limitação do abuso do poder econômico ou será uma palhaçada. No entanto, em 13 anos de poder, o PT nem mesmo tocou no artigo 17-A da lei eleitoral de Fernando Henrique (Lei nº 9504/97) que, a rigor, estabelece que os gastos são ilimitados.
Por quê?
Como foi possível essa loucura de gastos e aumento de gastos, ao mesmo tempo que o país sofria debaixo de sucessivas proibições – municipais, estaduais e federais – de quase todos os meios utilizados pelos candidatos mais populares, proibições estas que beneficiavam apenas os candidatos com mais dinheiro (com dinheiro suficiente para pagar agências de publicidade, etc.)?
MARKETING
O motivo é que o PT resolveu aderir, aqui também, ao método tucano de fazer campanha: dinheiro, dinheiro e mais dinheiro – ou, o que é a mesma coisa: marketing, marketing, marketing.
Não espanta que um candidato a ideólogo tucano (os ideólogos mesmo nem moram no Brasil) escreveu, sobre a eleição de Dilma: “Do ponto de vista das regras de funcionamento da democracia, não há problemas. Estelionato faz parte do jogo. (…) João Santana, em entrevista ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho no livro ‘João Santana – Um Marqueteiro no Poder’, da editora Record, afirma que não é possível traçar linha clara entre manipulação e informação política. De fato, é difícil haver critérios objetivos que permitam essa distinção” (Samuel Pessoa, “A conta do estelionato, FSP, 29/03/2015).
Embora seja impossível deixar de notar a podridão moral a que leva a opção preferencial pelo dinheiro, evitaremos a tentação de uma abordagem filosófica do problema.
Preferimos mostrar como o PT viabilizou (?) essa opção preferencial pelo dinheiro nas eleições, que é evidente pela evolução dos gastos eleitorais – ainda não tocamos nas “doações não eleitorais”, isto é, para o partido, sem relação direta com as eleições.
Vejamos trechos de outro processo motivado pela Operação Lava Jato:
“Planilha elaborada pelo ex-Gerente Executivo de Engenharia [Pedro Barusco] concernente às obras, faz menção, justamente à obra dos módulos 2 e 3 da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas. Há referência de pagamentos no montante de 1% da contratação original a Renato Duque e Pedro Barusco (“casa”), assim como de 1% ao Partido dos Trabalhadores – PT (“part”), representado por Vaccari.
“Quanto à parcela destinada diretamente ao Partido dos Trabalhadores – PT, era seu pagamento negociado por Milton Pascowitch diretamente por Vaccari.
“Pedro Barusco também foi peremptório ao alegar que o Partido dos Trabalhadores – PT recebia dados valores, sendo que tais pagamentos eram realizados para Vaccari.”
O depoimento mais esclarecedor nesse sentido não é, entretanto, dos operadores ou dos funcionários corrompidos, mas de um sócio da empresa Engevix:
“Gerson Almada declarou que por diversas vezes Milton Pascowitch levou-lhe demandas de pagamentos a serem efetuados ao Partido dos Trabalhadores – PT, as quais não eram vinculadas a um contrato específico da empresa com a Petrobrás, sendo tratadas diretamente pelo operador financeiro com Vaccari:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Nesse âmbito dessa intermediação, operacionalização ou ‘lobby’, como o senhor prefere, o Milton, em algum momento, pediu ao senhor que efetuasse doações a partidos?
ALMADA: Sim.
MPF: O senhor poderia detalhar, por gentileza?
ALMADA: Como ele tinha relacionamento com o PT na diretoria de serviços, também trazia pedidos não vinculados a obras, mas vinculados a doações para o partido nas épocas das eleições ou em dificuldades de caixa do partido. Então nós fizemos… teve um ano que eu doei, que não era um ano eleitoral, foram feitas duas doações para o PT.
MPF: O senhor saberia dizer o valor aproximadamente?
ALMADA: Não, não quero arriscar números. O senhor me desculpe, faz algum tempo. Então… mas posso trazer ao juízo.
MPF: Essa doação era ajustada com alguém especificamente ou só com o Milton Pascowitch? No âmbito do partido, o senhor ajustava essas doações com alguém?
ALMADA: Sim.
MPF: Com quem?
ALMADA: João Vaccari. E antes com o Paulo Pereira [Ferreira].
MPF: Como se davam esses ajustes?
ALMADA: Não, era pedido. “Olha estamos aí em campanha, gostamos muito da sua empresa, espero que a sua empresa goste muito da gente. Então, estamos precisando aí de doações”.
MPF: Certo.
ALMADA: Mas nunca vinculada a contratos (Interrogatório Judicial de Gerson Almada).
“Muitos desses repasses foram, então, realizados através de doações oficiais para o Partido dos Trabalhadores – PT”.