Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (13)
(HP 18/09/2015)
CARLOS LOPES
O problema da democracia no Brasil é, antes de tudo, o abuso do poder financeiro. Qualquer reforma política, que se pretenda séria, ou começa por enfrentar esse problema ou não é reforma – nem, muito menos, é séria.
Assim, existe outra explicação para o crescimento cavalar das despesas eleitorais, em especial as do PT, frequentemente mencionada oralmente, embora pouco publicada: o aumento de gastos seria o resultado de despesas antes realizadas via caixa 2, que, depois da crise política de 2005/2006 (a farsa que se autodenominou “mensalão”), passaram a ser declaradas oficialmente.
Alguma coisa deve ter ocorrido nesse sentido, mas o problema nem mesmo está em que é difícil explicar um aumento – somadas as despesas declaradas à Justiça Eleitoral de todos os candidatos do PT nas eleições – de +997,31% nos gastos eleitorais entre 2002 e 2014, para uma inflação acumulada de 158,22% (cf. TSE, Repositório de Dados Eleitorais 2002-2014).
O que torna essa explicação irrelevante – ou seja, uma não-explicação – é que ela apenas enfatiza que o PT preferiu disputar o poder via dinheiro, em vez de promover mudanças no modelo eleitoral de Fernando Henrique. Pelo contrário, a famigerada Lei nº 9.504/1997 continuou intocada – para ser exato, ficou um pouco mais cínica depois da inclusão, em 2006, do artigo 17-A (“A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade”).
Esse artigo foi encarado, com muita razão, como uma licença para gastar até o infinito – e, na prática, foi o que se viu. A questão se resume a que, num sistema de gastos ilimitados, com as exceções de praxe, ganha quem gastar mais…
Muito ilustrativo de como o PT procurou resolver o problema por essa via, são os depoimentos dos empresários Gerson Almada e Ricardo Pessoa.
METAMORFOSE
Em sua confissão, Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador das reuniões do “clube do bilhão”, lembra que o relacionamento de sua empresa com o PT é antigo, desde 1992 – “desde essa época, a UTC fazia doações políticas, mesmo sendo controlada da OAS; a relação com o PT até 2006 foi muito de campanha, quando o declarante já estava como controlador da UTC“ (cf. Termo de Colaboração nº 19 de Ricardo Ribeiro Pessoa, 28/05/2015).
Mas esse relacionamento normal – e legal – entre a UTC e o PT mudou em meados da década passada. Vejamos alguns trechos da confissão de Pessoa:
“… conheceu João Vaccari Neto por meio de José de Filippi Júnior, tesoureiro da campanha do PT em 2006 para Presidente; Vaccari captou valores com o declarante para o PT antes de 2010;
“… a partir do final de 2007, início de 2008, toda vez que a UTC ganhava um contrato na área de Serviços – que era a grande maioria dos contratos da Petrobrás – Renato Duque [diretor de Serviços da Petrobrás] pedia para que o declarante procurasse João Vaccari para fazer ‘contribuições’, o que Vaccari chamava de ‘entendimentos políticos’, mas que em verdade era propina; Barusco usava o termo ‘participações’; nenhum deles usava a expressão ‘propina’;
“… havia reuniões periódicas em que Vaccari já sabia o valor do contrato que o declarante havia ganhado e conversavam sobre os ‘entendimentos políticos’;
“… a Diretoria de Serviços cobrava 1% do valor dos contratos, sendo certo que deste percentual metade era para Barusco/Duque e metade para João Vaccari;
“… havia um ‘parcelamento’ mensal ou bimestral do valor pago ao PT, em geral em prazo muito próximo da obra; se a obra tivesse 18 meses, em geral pagava em doze meses, pulando em regra os três primeiros meses e reservando os três últimos, em que não havia pagamentos; no início os valores das “contribuições” eram menores, no meio maiores e no final menores; havia meses em que acumulavam valores de diversos contratos e ficava um ‘pouco pesado pagar’, razão pela qual o declarante atrasava alguns pagamentos;
“… por vezes o declarante deixava alguns saldos para pagar perto da campanha, para que aquilo fosse transformado em ‘doações’ para campanha, pois o declarante já sabia que nesta época cresciam sempre as solicitações de pagamentos por parte do PT;
“… as ‘contribuições’ vinculadas a contratos da Petrobrás para o PT começaram com a obra da P53, em Rio Grande/RS, no ano de 2004;
“… a partir de então em todo contrato da Diretoria de Serviços o declarante pagava valores para o PT, no percentual já indicado de 1%;
“… a contribuição para o partido (PT) se iniciou antes das contribuições para os funcionários da Petrobrás”.
“… depois de um certo tempo, por volta de 2008, as pessoas físicas, funcionários da Petrobrás, da Diretoria de Serviços passaram a cobrar valores para eles também; tais pessoas eram Renato Duque e Pedro Barusco, que era gerente de Engenharia na Diretoria de Serviços” (cf. TC nº 19).
Alguns dilmistas impenitentes têm, frequentemente, alardeado que o esquema na Petrobrás existe há muito, como se o problema estivesse na empresa, e não nos ladrões, ou como se o roubo da época de Fernando Henrique fosse uma licença para que o PT também roubasse. Ou como se o esquema do PT fosse o mesmo esquema do PSDB – ainda que o primeiro tenha, como sempre, se aproveitado do que lhe antecedeu.
Na afirmação acima, de Ricardo Pessoa, há algo mais provável: que o esquema do PT para roubar a Petrobrás tenha levado à corrupção de funcionários. A questão não é se eles roubaram antes, mas por que tiveram tanto espaço para roubar na administração petista.
É óbvio que tal esquema de financiamento do PT implicava na cumplicidade com (ou submissão a) um cartel – e não há nada mais corruptor que um cartel, sobretudo um que se agasalha por dentro do patrimônio público.
Mas existe algo mais óbvio ainda: um esquema desse tipo seria inviável sem a existência de funcionários corruptos – ou, mais precisamente, corrompidos.
A TÉCNICA
Vejamos, então, uma descrição do mecanismo que drenava propinas para o PT:
“… a maioria dos pagamentos feitos para o PT era por meio de doações oficiais, mas por vezes João Vaccari pediu valores em espécie, por fora; não sabe por qual motivo Vaccari pedia valores por fora;
“… Vaccari dizia que tais contribuições por fora também eram destinadas para o PT, embora o declarante não tenha como ter certeza;
“… o declarante não dizia a Vaccari que havia ganhado a obra; tal informação era repassada a Vaccari por intermédio de Duque; Vaccari já ia conversar com o declarante tendo detalhes da obra, do valor e tendo conhecimento de que o declarante havia ganhado o contrato;
“… com Vaccari a conversa era muito ‘elegante’, pois não cobrava incisivamente e tratava do tema de forma bastante polida;
“… com Duque o tema era tratado de forma muito ‘sutil’, mencionando apenas uma frase, tal como ‘Você falou com Vaccari?’, por exemplo; isto já era suficiente para o declarante entender a mensagem de Duque;
“… Barusco chegou a dizer ao declarante: “Você ganhou tem que pagar”;
“… cerca de 60% a 70% das obras da UTC eram com o sistema Petrobrás (Petrobrás, BR Distribuidora, subsidiárias, etc.) e por isto o declarante acabou tendo proximidade com Barusco e Duque, embora com o último em menor grau; sobre os contatos com Duque, afirma que se encontra com ele com certa frequência;
“… na Petrobrás, Duque evitava tratar dos temas relacionados à propina, embora o tema possa ter surgido em algumas oportunidades; também jantava com Duque com alguma frequência; conforme dito havia contribuições na Diretoria de Serviços para pessoas físicas (Barusco/Duque) e para o PT;
“… os valores pagos para Vaccari eram por meio de doações oficiais e também por meio de entrega de valores em espécie, fora da contabilidade;
“… esclarece que o dinheiro era levado na UTC em São Paulo em espécie por algum funcionário de Youssef na sexta feira e o declarante entregava os valores em espécie no sábado para Vaccari;
“… Vaccari mandava mensagem ao declarante, dizendo que precisava conversar para tratar de ‘‘assuntos políticos”, conforme de costume;
“… Vaccari ia a cada 30 ou 45 dias fazer tais acertos na UTC/SP; nestas reuniões era feito um controle de entrada e saída de valores, pois não se tratava de apenas uma obra;
“… a parte que era doações oficiais constava da contabilidade da UTC; o que era doações não oficiais, isto não constava na contabilidade da UTC;
“… o dinheiro por fora pago para Vaccari era chamado por ele por ‘pixuleco’;
“… Vaccari já avisava antes quando precisava de tais valores; os valores utilizados como doações não oficiais saíam das empresas que faziam caixa dois para o declarante;
“… este dinheiro do caixa dois ficava em poder de Alberto Youssef, como um ‘banco’;
“… o declarante mantinha anotações da contabilidade com o PT;
“… porém, Vaccari tinha uma memória “prodigiosa” e não levava nenhuma anotação, rasgando todas as anotações em pedaços bastante pequenos;
“… sabia que Vaccari picava os documentos porque ele jogava os papéis, bem pequenos, no cinzeiro, e o declarante, que era fumante, acabava não utilizando mais aquele cinzeiro;
“… o declarante manteve uma contabilidade disto, que ora é juntada em anexo;
“… a planilha que ora apresenta, intitulada ‘JVN – PT’, corresponde a esta contabilidade do dinheiro em espécie, paralela, que possuía com João Vaccari e tudo relacionado com a Petrobrás; ‘JVN’ significa João Vaccari Neto;
“… as datas constantes do documento são as datas em que o declarante pagou valores em espécie para Vaccari na UTC ou se referem à data da chegada dos valores, pelos emissários de Alberto Youssef, na UTC;
“… o dinheiro levado por Youssef era enviado sempre próximo ao pagamento para Vaccari, pois o declarante não queria que o dinheiro ficasse no cofre por mais de um dia, por questões de segurança;
“… todas as contribuições ao PT por meio de João Vaccari, feitas por fora, estão registradas nesta tabela, sendo que o valor total pago foi de R$ 3.921.000,00, entre os anos de 2008 e 2013;
“… também apresenta uma outra tabela, em anexo, que retrata as doações oficiais feitas ao PT, no valor total de R$ 16.600.000,00 (dezesseis milhões e seiscentos mil reais);
“… estas doações oficiais, mencionadas na planilha, ocorreram tanto na época da campanha quanto fora da época da campanha, tudo com emissão de recibo;
“… tais valores, representados na planilha, eram entregues a pedido de Vaccari, mesmo quando a doação fosse fora de campanha; embora doados oficialmente, eram referentes ao pagamento de propina da Petrobrás ao PT;
“… havia também doações para o PT que não estavam relacionadas à Petrobrás; como regra, as doações oficiais feitas a pedido de Vaccari eram direcionadas para os Diretórios do PT, por indicação do próprio Vaccari, e não para políticos específicos;
“… pode afirmar que todas as doações oficiais feitas fora do período de campanha ao PT se referem ao pagamento de propinas ligada à Petrobrás;
“… em relação às doações feitas ao PT nas campanhas existiam aquelas relacionadas ao pagamento de propina por meio de doação oficial bem como doação sem qualquer vinculação à Petrobrás;
“… Vaccari operacionalizava o esquema de corrupção apenas vinculado à Petrobrás, mais especificamente referente à Diretoria de Serviços;
“… todos estes valores constantes da tabela apresentada são propinas pagas, relacionadas a contratos com a Diretoria de Serviços, ao PT, por intermédio de Vaccari; todos estes valores foram tratados, sem dúvida, com Vaccari;
“… a única Diretoria a que Vaccari possuía relação era a Diretoria de Serviços; o declarante nunca teve relação com a Diretoria Internacional;
“… Vaccari não se registrava na recepção da UTC quando lá comparecia, pois entrava pela garagem; há um registro de vídeo em que Vaccari entra na UTC com seu veículo Santa Fé, conforme já apresentado; os vídeos que registravam a entrada de Vaccari na UTC já tinham sido apagados e apenas uma imagem foi resgatada por uma empresa contratada pelo declarante; este vídeo foi entregue à Força Tarefa do MPF em Curitiba;
“… quem poderia ainda testemunhar sobre as visitas de Vaccari aos sábados era também a copeira Maria de Fátima Falcão, que conhecia João Vaccari;
“… o declarante é que preferia que tais encontros fossem aos sábados, pois assim evitava de ter que ir à sede do Diretório Nacional do PT, no centro da cidade;
“… Vaccari, ao sair da UTC com os valores em espécie, os levava em sacolas grandes ou em mochilas;
“… todas as vezes em que Vaccari foi buscar dinheiro em espécie, havia prévio aviso, seja em reunião anterior ou por meio de mensagem, em que Vaccari mencionava que buscaria o ‘pixuleco’;
“… nem todas as vezes em que Vaccari esteve na UTC foi para buscar dinheiro em espécie; Vaccari também foi à sede da UTC para ‘acertar’ a contabilidade ou, ainda, para tratar de novos negócios; na agenda do declarante há diversos apontamentos sobre tais reuniões com Vaccari;
“… na grande maioria das vezes, por cerca de 80%, em que se encontrou com Vaccari foi para tratar de ‘contribuições’ para o PT;
“… encontrou com Vaccari em outros locais, como por exemplo o hotel Windsor ou no Sofitel, no Rio;
“… nesse caso do hotel Sofitel, por exemplo, Vaccari comentou que o declarante havia ganhado uma obra e que iriam tratar do ‘entendimento político’ na próxima reunião de sábado, na UTC;
“… mesmo tendo se reunido várias vezes com Vaccari, nunca este último mencionou o destino dos valores, a não ser na época das doações eleitorais oficiais, em que Vaccari indicava o destino, se Diretório Regional, Nacional, etc; porém, ficava claro para o declarante que o dinheiro entregue para Vaccari era destinado ao PT;
“… questionado sobre a anotação na agenda de 2011, ‘19h – JVN + M. FARIA (22/2/11)’, que ora anexa, acredita que tenha jantado com João Vaccari Neto e Márcio Faria, da ODEBRECHT; seguramente se trata de um jantar no Rio de Janeiro, que acredita que tenha sido no Hotel Sofitel; o declarante esclarece que tinha quatro consórcios com a ODEBRECHT;
“… o relacionamento de Vaccari era com Renato Duque e não com Barusco; já viu Renato Duque e Vaccari juntos em algum jantar e sabe que eles se encontravam com frequência no Rio de Janeiro; isto era dito ao declarante tanto por Vaccari quanto por Duque;
“… João Vaccari era quem distribuía a forma como eram feitas as doações oficiais; as decisões de distribuição dos valores oficiais eram sempre de João Vaccari;
“… estes pagamentos de propina ao PT vinculados à Petrobrás foram até a campanha de 2014, pois eram valores antigos, ou seja, dívidas atrasadas que o declarante ainda pagava ao PT, por contratos firmados com a Petrobrás até 2012;
“… depois que Duque saiu da Diretoria, em 2012, as obras estavam em andamento e por isto os pagamentos continuaram” (TC nº 19 de Ricardo Ribeiro Pessoa).