Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (15)
(HP 25/09/2015)
CARLOS LOPES
O sr. Rui Falcão, presidente do PT, afirmou, em nota oficial, que a condenação do sr. João Vaccari Neto a 15 anos de cadeia, em um dos processos a que responde o ex-tesoureiro do seu partido pelo roubo à Petrobrás, foi “sem provas”, “injusta” e que “baseou-se exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer prova material”.
Se isso fosse verdade – e não é – restaria ainda explicar porque tantos depoimentos, de tantas pessoas diferentes, mostraram, exatamente, o mesmo quadro de crimes em que o sr. Vaccari, em nome do PT, foi (e é) figura na berlinda.
Ou será que essas pessoas fizeram uma assembleia para combinar os seus depoimentos? Com que interesse? Pois a continuidade do estado de coisas – o esquema contra a Petrobrás – somente lhes beneficiaria.
Certamente, se a resposta for que suas confissões têm o interesse de diminuir suas penas – o que é verdade – o PT estaria admitindo, também, que os fatos que elas revelam são verdadeiros. Ou será que aqueles indivíduos mentiram para se autoincriminar? Esse é um problema lógico: para receber a redução de pena, os autores dos depoimentos têm que, neles, se autoincriminar. Será que resolveram se autoincriminar somente para perseguir o PT, que lhes deu tão boa vida até que a Operação Lava Jato acabasse com a farra?
Mas não é verdade que só existem, nos processos da Operação Lava Jato, provas testemunhais (depoimentos também são provas – por isso, o presidente do PT afirma ao mesmo tempo que a condenação de Vaccari foi “sem provas” e que “baseou-se exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer prova material”, portanto, desmentindo sua própria declaração anterior, ao admitir implicitamente a existência de provas, embora não “materiais” – e tudo isso numa nota de poucas linhas).
Pois bem, uma das provas materiais é a tabela que resumimos nesta página, apreendida com o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, com valores entregues a “JVN”, isto é, João Vaccari Neto. Tem a agravante de que os recursos que constam dela não foram declarados pelo PT, seja como contribuições ao partido ou como contribuições eleitorais.
É verdade que uma parte ponderável do esquema foi revelado por confissões, a maioria sob o estímulo da redução de pena em troca de informações. Mas, se não houvesse provas materiais, por que esses elementos confessariam?
DE DENTRO
Vamos interromper por um momento o depoimento dos empresários Ricardo Pessoa (UTC) e Gerson Almada (Engevix), que começamos a divulgar nas edições anteriores, devido às afirmações do presidente do PT – aliás, em nota oficial do partido. Elas merecem atenção.
Vejamos, então, os depoimentos de Fernando Moura, personagem que já foi mencionado por nós, anteriormente, nesta série (v. HP 11/09/2015).
Não existem dúvidas sobre a participação de Moura no esquema (cf. autos nº 5005151-34.2015.4.04.7000), a que já nos referimos – provas materiais é o que não faltam nesse processo quanto a ele, inclusive depósitos, que Moura não se contentou em receber diretamente, usando também contas de filhos e do irmão.
Também não existem dúvidas sobre os vínculos de Moura com o PT. Como ele mesmo diz, em seu primeiro depoimento:
“… é amigo de José Dirceu de longa data; sempre participou das campanhas do Partido dos Trabalhadores; sua participação consistia na organização de eventos para arrecadação de fundos para as campanhas e em agregar pessoas da sua convivência para participar das campanhas eleitorais; participou das eleições de 1986, ocasião em que apoiou a candidatura de José Dirceu a Deputado Estadual e em 1990 quando o mesmo foi candidato a Deputado Federal; no ano de 1995 participou da campanha do José Dirceu para Presidente do Partido dos Trabalhadores, cargo para o qual ele foi reeleito em 1997 e 2001; nas eleições de 2002, de igual forma, participou da campanha, em especial, para a campanha de José Dirceu e consequentemente do então candidato Luís Inácio Lula da Silva; nas eleições de 2002 organizou alguns almoços e jantares de apoio ao candidato a Deputado Federal José Dirceu, sempre com o objetivo de agregar simpatizantes e doadores de recursos para a campanha” (cf. Termo de Colaboração nº 01 de Fernando Antonio Guimarães Hourneaux de Moura, 28/08/2015).
Nada, portanto, objetável ou que possa merecer alguma restrição moral ou legal.
No entanto, isso mudou a partir de 2003 – e em datas bem precoces. Por exemplo:
“… em 2004, Sílvio Pereira [então secretário geral do PT] solicitou ao declarante que fosse ao escritório de Júlio Camargo para buscar uma quantia em dinheiro que a Camargo Corrêa estava doando ao Partido dos Trabalhadores em razão de uma obra da REPAR [Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, Paraná];
“… então o declarante foi ao escritório de Júlio Camargo, que ficava na Avenida Joaquim Floriano [São Paulo], e o encontrou pessoalmente;
“… o declarante recebeu das próprias mãos de Júlio Camargo algo em torno de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) em uma sacola;
“… depois de recolher o dinheiro o declarante entregou a quantia a Sílvio Pereira, que lhe disse que utilizaria o dinheiro para a campanha de 2004;
“… nesse mesmo ano, Sílvio Pereira pediu novamente que o declarante fosse retirar um dinheiro no escritório da Camargo Corrêa, na Avenida Juscelino Kubitschek [São Paulo];
“… ao chegar lá, o declarante foi recebido por João Auler, que lhe entregou a quantia de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais);
“… esse fato pode ser comprovado pelo registro que deve se encontrar na portaria do escritório;
“… em seguida, o declarante entregou essa quantia a Sílvio Pereira, que lhe disse que os valores seriam para pagar despesas da campanha de 2004”.
Apesar de ser claro no depoimento que esse dinheiro era em troca de obras na Petrobrás, não é seguro que, nessa época, o esquema de propinas do cartel já estivesse, por assim dizer, institucionalizado – ou seja, já tivesse se transformado numa instituição que alguns consideram muito normal (aliás, segundo o próprio depoimento de Moura).
No entanto, existe algo nesse testemunho que indica que, se o esquema não estava “institucionalizado”, as coisas já se encaminhavam nessa direção. Trata-se da descrição que Moura faz das funções que assumiu, logo após as eleições de 2002, de ajudar Sílvio Pereira a selecionar pessoas para preencher cargos de confiança:
“… o declarante recebeu o pedido de Licínio [de Oliveira Machado] para indicar Renato Duque para a Diretoria de Serviços da Petrobrás” (cf. TC nº 1).
Licínio de Oliveira Machado – com seus irmãos Ricardo e Sérgio – era (e é) o dono da Etesco, uma construtora que assinara um contrato com a Petrobrás. O vínculo com Licínio era o irmão deste, Ricardo, que era amigo de Moura.
Mais extensamente:
“… logo no início de 2003 Licínio pediu que o declarante apresentasse Renato Duque para Sílvio Pereira, porque Duque tinha a pretensão de assumir a Diretoria de Serviços da Petrobrás;
“… primeiro Licínio trouxe o currículo do Renato Duque e teceu elogios sobre a competência e capacidade técnica do mesmo para o cargo;
“… o declarante consultou Sílvio Pereira para saber se o nome de Duque era compatível com o cargo;
“… Sílvio Pereira aceitou a ‘pré-indicação’ e pediu que o declarante marcasse com Licínio um encontro no hotel Sofitel da Avenida Sena Madureira; o declarante entrou em contato com Ricardo e pediu para que avisasse Licínio que ele deveria trazer Renato Duque na reunião; o declarante informou Ricardo de que na referida reunião Renato Duque seria entrevistado por Sílvio Pereira”.
Alguns estranharão, e têm todos os motivos, que esse fosse o método de seleção (um deles, ao menos) utilizado pelo PT no preenchimento de cargos como o de diretor de Serviços da Petrobrás. Ninguém se lembrou de consultar alguma entidade – por exemplo, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), cujos membros, em sua maioria, apoiaram, nas eleições, o novo presidente?
Ou, o que é a mesma pergunta sob outra forma: qual era o critério do sr. Sílvio Pereira? O que entendia ele da indústria do petróleo ou da Petrobrás?
CONTRATOS
Mas, continuemos. Relata Moura:
“… depois de algum tempo de entrevista, Sílvio Pereira dispensou Renato Duque e sinalizou ao declarante de que ele [Duque] tinha boas chances de ocupar o cargo;
“… tão logo confirmada a indicação de Duque, Licínio agradeceu o esforço do declarante e acertou que a Etesco lhe pagaria US$ 30.000 (trinta mil dólares) a cada três meses, como recompensa pela ajuda na nomeação do Renato Duque;
“… o declarante tomou conhecimento de que a Etesco já tinha um contrato com a Petrobrás; depois da nomeação de Duque, o contrato se ‘multiplicou’;
“… os percentuais de tais contratos que eram repassados para o esquema eram iguais aos demais contratos, algo em torno de 3% (três por cento) do valor do contrato;
“… o declarante recebia transferências diretas da conta do Santander de Licínio ou da Etesco, na conta corrente da empresa LELIAN INC no Banco Wachovia, banco pertencente ao Wells Fargo;
“… o declarante pode comprovar pelos extratos de conta corrente da LELIAN INC que a cada três meses ele recebia uma transferência de US$ 30.000 (trinta mil dólares) de Licínio”.
Por aqui vemos a ausência de provas materiais arguida pelo presidente do PT, Rui Falcão.
Certamente, ele somente se referiu ao sr. Vaccari. Mesmo assim, não é verdade. Mas é algo anormal que ele não se refira ao conjunto das provas que implicam o seu partido.
Em seguida, diz Fernando Moura:
“… o declarante tem conhecimento que esse arranjo entre a Etesco e Renato Duque permitiu que a Etesco fechasse diversos contratos milionários com a Petrobrás;
“… a Etesco chegou a fazer uma parceria com a OAS e a TOYO para a operação de navios sondas de perfuração em um negócio que também envolveu a Sete Brasil;
“… além dos negócios que a Etesco efetivamente realizou com a Petrobrás, foram diversos os casos nos quais a empresa ‘ganhava’ o contrato e, em seguida, negociava com outra empresa de grande porte a cessão do contrato”.
Ou seja, até uma empresa como a Etesco, que não era das maiores, tornou-se uma atravessadora do dinheiro da Petrobrás, uma empresa quase – ou mais – de caráter financeiro que produtivo.
“… tanto Renato Duque quanto Licínio e seus irmãos Ricardo e Sérgio ficaram milionários com os negócios entabulados na Diretoria de Serviços da Petrobrás;
“… os contratos abrangiam serviços prestados diretamente pela Etesco e contratos que a Etesco ‘ganhava’ de Duque e repassava para terceiros;
“… o declarante tem certeza de que em algum momento os negócios entabulados entre Renato Duque e os sócios da Etesco se entrelaçaram com a coordenação estabelecida por Milton Pascowitch” (cf. TC nº 2).
O que, aliás, é confirmado pelo depoimento de Pascowitch, assim como pelos documentos apreendidos ou fornecidos por ele.
RELAÇÕES
Moura, talvez por sua proximidade com algumas figuras de proa do PT e do governo – não nos ocorreu outra hipótese – era um elemento fundamente enfronhado nos negócios operados por Duque. É o que explica o seguinte relato:
“… em 2004 o declarante almoçou com Renato Duque no Rio de Janeiro, no restaurante Antiquarius, no bairro de Ipanema;
“… nesse almoço, Renato Duque tratou com o declarante sobre diversos assuntos, mas a conversa foi voltada para falar sobre ajudas ao Partido dos Trabalhadores;
“… Renato Duque contou ao declarante que seriam construídas plataformas de petróleo para a Petrobrás, sendo elas as P-51, P-52, P-53, P-54, P-55 e P-56, que estavam sendo negociadas com as empresas Setal, Camargo Corrêa e outra que não se recorda precisamente se seria a Andrade Gutierrez;
“… o declarante perguntou a Renato Duque se já estava definido quem seriam as empresas e este lhe falou que tudo ainda estava em negociação para definição de quem levaria os ‘contratos’.”
Qual a relação dessas plataformas – ou de que empresa iria construí-las – numa conversa sobre “ajudas ao Partido dos Trabalhadores”?
Sim, leitor, esta é uma pergunta quase retórica, diante do que se sabe depois do início da Operação Lava Jato. Vejamos as dimensões, em dinheiro, desses contratos.
O investimento total da Petrobrás nessas plataformas foi de US$ 7,41 bilhões (sete bilhões e 410 milhões de dólares) ao câmbio da época respectiva em que foram construídas.
CARTEL
Posteriormente, o ex-gerente de engenharia Pedro Barusco – o parceiro de Duque em suas atividades criminosas – diria aos investigadores da Operação Lava Jato:
“… os principais contratos (…) que geraram os valores pagos a título de propina foram os contratos de construção de grandes plataformas, como a P-51, P-52, P-53, P-55, P-56, P-57, P-58, P-61, P-63, bem como a construção de oito cascos dos FPSO dos navios do pré-sal” (cf. Termo de Colaboração N° 03 de Pedro José Barusco Filho, p. 4).
E, mais adiante:
“… também havia US$ 14 milhões de dólares em propinas a serem pagas pelo representante da Kepell Fels, Zwi Zcorniky, referente à construção de plataformas de perfuração mantidas entre a Kepell Fels a Petrobrás, sendo que o declarante ajustou com Renato Duque e este recebeu US$ 12 milhões de dólares de Zwi, possivelmente no Banco Delta, na Suíça, e o declarante recebeu US$ 2 milhões de dólares no referido banco” (idem, p. 6).
Por último, uma descrição do método usado pelo cartel em grandes empreendimentos:
“… o declarante verificou uma atuação específica, em cartel, entre os proponentes, nas licitações para a construção das plataformas de petróleo P-55 e P-57; se trataram de duas licitações simultâneas e foi ‘claramente dividido o mercado’; as empresas que estavam envolvidas foram a Kepell Fels [de Singapura], a Odebrecht e a QUIP [Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, UTC Engenharia e Iesa]; foram apresentadas duas propostas ‘absurdas’, cujos valores foram muito acima dos 20% do orçamento interno da Petrobrás, entre US$ 1,6 a 1,8 bilhões de dólares; nesse caso houve cancelamento sumário e ‘não houve rebid’, isto é, uma nova licitação” (cf. TC nº 5, p.6).