O texto que hoje publicamos é uma condensação da parte final do trabalho “A desnacionalização do setor sucroalcooleiro e seu impacto no mercado de trabalho”, do professor Flauzino Antunes Neto, que foi apresentado pelo autor no II Encontro de Trabalhadores Rurais do Estado de São Paulo, promovido nos dias 16 e 17 de abril pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). O tema, a penetração do capital estrangeiro na produção do etanol – basicamente, a compra, pode-se dizer, em massa, de usinas pela Louis Dreyfus, Bunge, Shell, BP e outros monopólios multinacionais – é mais do que pertinente, com repercussões gravíssimas sobre a economia e a soberania nacionais. Por esta razão, o trabalho do professor Antunes merece a atenção de todos os brasileiros.
C.L.
HP 05/05/2010
FLAUZINO ANTUNES NETO *
O Brasil, através do Presidente Lula, está próximo de vencer uma enorme batalha – venceu já algumas rodadas – na disputa sobre qual tecnologia será a substituta do petróleo. Há grandes investimentos no setor e grandes apostas por jogadores de peso, como a Toyota, que aposta nos motores elétricos, a Mercedes, com híbridos, e parece-me que os motores a hidrogênio não estarão na disputa a curto prazo.
Agora o nosso país está novamente apresentando o álcool – o etanol. A tecnologia de produção de energia limpa e renovável é tão tradicional que se mistura com a história de nosso país. A nossa pergunta é: até quando?
Se depender de nossos queridos e tradicionais usineiros, logo essa tecnologia não será mais nossa, pois preferem ser comandados a comandar. É mais fácil, não demanda esforço, basta juntar-se aos grandes – pela porta do fundos, é claro.
O capital internacional está ávido por taxas altíssimas de lucro, como somente um novo mercado pode dar. E o Brasil, com suas terras abundantes e férteis, clima propício, tecnologia, mão-de-obra para a produção de energia limpa e renovável, e, principalmente, com os capitalistas que possui, vira presa fácil para tal empreitada dos capitais internacionais.
Os estrangeiros possuem duas coisas: mercado consumidor e capital. Portanto, utilizam-se dos seus meios de persuasão, como primeiros-ministros, políticos de prestígio e as mídias internacionais imparciais… Dificultam a entrada do etanol em suas fronteiras, alegando trabalho escravo, o avanço da cana em cima dos alimentos, as queimadas, o fim da Amazônia e etc. Resumidamente, o que propuseram foi uma troca – o mercado mundial a disposição do etanol em troca das usinas.
Deu certo! Supostamente, a entrada de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) estabiliza o Balanço de Pagamentos, e os usineiros aceitaram vender suas usinas, em troca de migalhas e sociedade minoritária no clube dos ricos. Como afirma Biaggi Filho, ex-usineiro (vendeu a Usina Moema, terceira na produção mundial de álcool, para a Bunge), em entrevista e artigo, publicados no jornal O Estado de São Paulo: “A única ligação que teremos com a Bunge é que não vendemos as terras, apenas a parte industrial. Então temos um contrato de venda de cana-de-açúcar para a Bunge de longo prazo, 15 anos” (Entrevista concedida a Eduardo Magossi e Gustavo Porto, “Não Pretendo Sair do Setor Sucroalcooleiro’, O Estado de São Paulo, 07/03/2010).
E, ainda, diz Biaggi:
“Alguns anos atrás, disse que em 2012 mais de 20% de toda a cana processada no Brasil já estaria nas mãos de grupos estrangeiros. Infelizmente, aquele prognóstico se confirmou antes do previsto. Com as últimas fusões e aquisições realizadas ao longo do ano que chega ao fim, as grandes tradings já controlam um quinto da moagem de cana no País líder mundial no setor. Se a isso acrescentarmos a transferência do controle do Grupo Moema – o último grande negócio do ano -, esse índice subirá para 25%.
“É um número elevado, principalmente se levarmos em conta que até dez anos atrás o setor estava totalmente em mãos de brasileiros. A internacionalização pode ser ainda maior se levarmos em conta que o maior grupo nacional (Cosan), liderado por Rubens Ometto de Mello, com 18 usinas, tem o capital aberto, sendo muito disputado por fundos de investidores que não se interessam nem pelo controle acionário nem pela gestão, mas pela rentabilidade do negócio – esse porcentual de participação é muito maior.
“A internacionalização parcial do setor sucroenergético brasileiro demonstra, em primeiro lugar, que a produção de cana, açúcar e etanol é um negócio suficientemente rentável para atrair o capital estrangeiro. Em segundo lugar, comprova que o empresariado nacional não teve cacife para acompanhar a grande valorização da atividade canavieira desde que o etanol se tornou uma promessa de commodity energético-ambiental.
“Olhando por um ângulo positivo, porém, a entrada de grandes grupos no setor pode garantir ao Brasil uma presença mais firme, efetiva e duradoura no mercado internacional de açúcar e de etanol. Efetivamente, não adianta chorar sobre o leite derramado. O capital nacional perdeu a liderança do setor, mas ninguém foi banido definitivamente da atividade. Resta intacto o capital intelectual construído ao longo dos séculos: uma habilidade agrícola sem igual e uma grande capacidade de manejo de usinas e destilarias em diversas latitudes do território brasileiro.
“A mais antiga lavoura brasileira, cuja implantação se confunde com a fundação do País, está agora num novo patamar. Ficaram para trás, sucessivamente, as eras dos senhores de engenho do Nordeste, dos barões do açúcar do Sudeste e dos usineiros estabelecidos em latifúndios familiares no interior. Na década de 1970, graças ao Proálcool, o setor foi parcialmente renovado pelas destilarias autônomas, que abriram terras de pastagens para o cultivo da cana. Num segundo momento, nos anos 90, esses pioneiros da era do etanol passaram a produzir açúcar também.
(…)
“A internacionalização parcial do setor ocorre simultaneamente a um movimento de concentração econômica, reflexo também da violenta descapitalização ocorrida a partir do segundo semestre de 2008. Hoje os 30 maiores grupos do setor controlam 91 usinas, processam quase 50% da cana e são responsáveis por 54% da oferta de álcool da região Centro-Sul” (Biaggi Filho, M., “Setor Sucroalcooleiro e Capital Estrangeiro”, O Estado de São Paulo, 28/12/2009 – grifos F.A.).
Essa é a mentalidade dos nossos usineiros. Deixam de ser industriais promissores num setor de ponta para serem apenas agricultores – sem menosprezar a atividade agrícola, evidentemente, mas, na ordem cronológica das atividades, o setor industrial “está alguns passos” à frente da agricultura em termos de geração de valor agregado.
A situação para nós piorou, pois, recentemente, a Cosan, citada acima por Biaggi, também foi adquirida pela Shell, num negócio pouco transparente.
A tabela abaixo ilustra as potencialidades que tanto chamam a atenção dos estrangeiros:
A UNICA, entidade controladora do setor, que poderia ser a OPEP do etanol, também considera normal esse processo de aquisições no setor e fala numa tendência natural e benéfica para o etanol brasileiro: “Considerando-se todas as aquisições realizadas em 2010, o percentual do setor sucroenergético brasileiro sob controle de capital externo atinge a marca dos 22%, total ainda muito inferior ao de diversos outros segmentos da economia nacional, inclusive do próprio agronegócio” (“Acordo Equipav-Shree Renuka Sugars segue tendência do setor”, UNICA, 22/02/2010).
Em outras palavras, aguardam e anseiam por mais.
Assim uma a uma, nossas usinas são adquiridas pelo setor estrangeiro, em nome de um ganho de escala que em nada favorece o consumidor final e aos trabalhadores.
Se as empresas estrangeiras – partindo do zero – entrassem no mercado como concorrentes das brasileiras, aumentariam a produção, empregos, áreas plantadas, competição de preço e de qualidade. Se tal fato fosse possível ocorrer, os investimentos dispendidos pelas estrangeiras seriam enormes, pois não seria fácil concorrer com as nacionais, devido às nossas tecnologias. Para competir em condições de igualdade, seria impossível sem altos investimentos.
O que vimos é exatamente o contrário, empresas sendo fundidas ou adquiridas, diminuindo a competição, os empregos e a produção, criando grandes oligopólios, concentrando e controlando toda a oferta do etanol, assim como a procura de mão-de-obra. Sairemos de umas 400 usinas na mão de 80 grupos, para 90 usinas nas mãos de 30 grupos.
É evidente que o interesse que motiva os estrangeiros não é somente o ganho de escala ou os números de produção e potencialidade de mercado, e, sim, a energia limpa, renovável e, principalmente, barata.
O que falta ao Brasil é um política nacional para o etanol, não somente para ganhar mercado para ele, mas uma política desenvolvimentista de caráter estratégico, de manutenção do controle do capital e da tecnologia sob a batuta de brasileiros – em caráter privado ou estatal.
É tímida a reação do governo brasileiro, sobre a questão, por intermédio da Petrobrás, que se utiliza de empresas privadas parceiras, para adquirir algumas usinas e entrar no mercado, anunciado pela UNICA, com a união da ETH-Brenco. Nada muito expressivo, nem muito estratégico, apenas ações seguidoras da tendência promovida pelo setor. Temos que acordar, pois, é exatamente isso que os estrangeiros já estão fazendo.
No site da UNICA, o destaque era para o interesse do governo canadense no nosso etanol:
“A atenção que o setor sucroenergético brasileiro vem atraindo mundialmente chegou também ao governo do Canadá, que enviou ao Brasil um grupo de técnicos e executivos de diversas áreas da administração pública federal para conhecer melhor a atuação do setor e entender suas estratégias. O grupo, parte do Programa Avançado de Liderança do governo canadense (Advanced Leadership Programme – ALP) foi recebido na sede da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) na quinta-feira, dia 04 de fevereiro de 2010. (..) Como funcionários do governo, este seleto grupo foi enviado para observar exemplos de liderança em diversas áreas. Há muito o que aprender com as melhores práticas do setor sucroenergético brasileiro” enfatizou Paul Brunet, cônsul político do Canadá em São Paulo, em carta de apresentação do grupo enviada à UNICA” (“Setor sucroenergético brasileiro é estratégico para governo canadense”, UNICA, 17/02/2010).
É também sobre os custos de produção dessa matriz energética, o outro chamariz da invasão estrangeira: “O interesse pelo etanol brasileiro é motivado pelos seus custos de produção, US$ 0,22 por litro, inferior ao custo estadunidense, de US$ 0,30 e da União Europeia, US$ 0,53.” (Santos, J. C. e Pessoa, V. L. S., “A Territorialização das Empresas do Setor Sucroalcooleiro na Microrregião Geográfica de Presidente Prudente/SP, as Tramas do Capital e os Impactos no Mundo do Trabalho”, Revista Geográfica Agrária – v. 3, n. 5, p 243-263, fevereiro – SP – 2008″).
Esse é o real motivo deles aportarem aqui, e não acolá. Somados à necessidade de um substituto para a gasolina – principalmente nos EUA – ao baixo custo de produção do etanol brasileiro – leia-se terra abundante, clima, tecnologia de ponta e mão-de-obra barata – e aos fatores acima discorridos, compreende-se um casamento perfeito para os interesses dos especuladores estrangeiros.
Não há como se iludir que essas empresas estrangeiras irão tratar melhor o trabalhador, pois, não vão. Pois é na base da pressão sobre os trabalhadores que se irão manter os custos baixos na produção. Na forma de trabalho escravo, talvez, tenha-se uma melhora ou uma evolução – não será totalmente descartado -, mas na redução dos salários da classe toda e no desemprego com toda a certeza.
Compreendemos que a economia é uma grande engrenagem, que gira interna e externamente. O nosso dever é alertar para que os dentes da engrenagem não nos esmaguem.
Com a preocupação macroeconômica, de equilíbrio e aumento das reservas internacionais, o governo brasileiro titubeou numa política interna de proteção ao capital nacional no setor sucroalcooleiro, ou de uma participação mais ativa no mercado do etanol, pelo Estado, através de suas autarquias ou da própria Petrobrás.
Isso reflete-se na perda da liderança da produção do etanol, e das enormes remessas de lucros, expropriados da nação brasileira, ano a ano, desequilibrando nossas contas nacionais, permitindo a criação de um cartel das transnacionais, no etanol, para pressionar e espoliar ainda mais a nação brasileira, com o controle de preços e da mão-de-obra, sacrificando duplamente a população do Brasil.
Cabe a nós todos nos levantarmos contra o que esta aí, manifestando-se a favor de políticas nacional-desenvolvimentistas, em prol das defesas de nossas riquezas para que estas sejam produzidas por brasileiros e distribuídas de forma justa para toda a nação!
* Professor do Departamento de Administração – Faculdades de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/FAIT.