Em 1999, perguntado sobre o que faria se algum dia chegasse a presidente da República, o hoje candidato Jair Bolsonaro respondeu que “não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma”.
Por suas minguantes perspectivas de eleição, Bolsonaro já deveria ter aprendido que não é assim. No entanto, disse ele, na última sexta-feira, que “não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição”.
Trata-se, portanto, de um democrata. Aceita qualquer resultado das urnas, contanto que seja a seu favor…
Esse desprezo pelo voto popular – não pelo voto encabrestado da atual legislação peto-tucana, mas pelo voto em geral, portanto, pelo voto popular – já estava na entrevista de 1999:
“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, no dia em que partir para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.”
É estranho, portanto, que algumas pessoas – até algumas que não são de todo ruins – apresentem, como justificativa para o voto em Bolsonaro, a “defesa da família”.
Quem não acha uma monstruosidade – e até se propõe a executar – o assassinato de 30 mil pais e mães ou filhos e filhas, inclusive reconhecendo, ao menos em parte, a sua inocência, que “defesa da família” pode fazer?
Mais ainda considerando que esses 30 mil estão entre aqueles que garantem a Bolsonaro o direito de falar – mesmo quando defende o assassinato de pais e mães de família (ou filhos e filhas).
Claro, dirá algum leitor, isso é somente bravata ou só bazófia. Enquanto Bolsonaro está fora do poder, é verdade.
Mas o fato de escolher tal tema para bazófia já é suficiente para perceber a marca do rufião político – para usar uma expressão de W. Shirer em “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”.
Entretanto, a família, disseram alguns pensadores, inclusive o nosso Rui Barbosa, é a célula-mater da sociedade.
Por isso, é algo esdrúxulo que algumas pessoas, apavoradas com o que pode acontecer com sua própria família – neste tempo em que a TV e outros tipos de mídia invadem os lares -, depositem suas expectativas de defendê-la em um farsante como Bolsonaro, que não se propõe a defender a sociedade, nem o país – portanto, por que iria defender a família de alguém?
Bolsonaro, aliás, está longe, pelo seu histórico, de ser capaz de defender a própria família, quanto mais a dos outros.
No máximo, é capaz de algum nepotismo político, elegendo filhos que não têm a menor personalidade própria, são apenas marionetes do pai.
O notável, aqui, é que as denúncias mais recentes, sobre mais essa fraude, não partiram da parcela progressista da sociedade, nem muito menos do que alguns chamam (e chamam muito mal, via de regra) de “esquerda”.
Mas isso, no caso de Bolsonaro, torna mais insuspeitas – e mais fortes – as denúncias.
Primeiro, foi a “Folha de S. Paulo”, na quarta feira, que revelou um telegrama, de 2011, do então embaixador brasileiro na Noruega, Carlos Henrique Cardim, relatando ao Itamaraty que uma das ex-mulheres de Bolsonaro – então residente no país nórdico e casada com um norueguês – fora ameaçada de morte pelo ex-marido.
“A senhora Ana Cristina Siqueira Valle”, comunicou o embaixador ao Itamaraty, “disse ter deixado o Brasil há dois anos ‘por ter sido ameaçada de morte’ pelo pai do menor”.
O “menor” era o filho de Ana Cristina e Bolsonaro, de nome Jair Renan, cuja guarda, então com a mãe, estava sendo contestada pelo pai.
O embaixador também escreveu que as informações foram prestadas pela ex-mulher de Bolsonaro ao vice-cônsul do Brasil em Oslo.
Entrevistada no Brasil, onde hoje é candidata a deputada federal pelo Podemos, usando o nome-fantasia de Cristina Bolsonaro, a ex-mulher negou: “eu não disse nada disso”.
Na quinta-feira, a “Folha” apresentou cinco testemunhas que confirmaram que a ex-mulher de Bolsonaro informara aos representantes diplomáticos do Brasil, na Noruega, sobre a ameaça de morte:
“Cinco brasileiros que vivem na Noruega e conviveram com Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro (PSL), confirmaram o relato que consta em documento oficial do Itamaraty, redigido em 2011. O registro diplomático informa que ela afirmou ao vice-cônsul naquele país que havia sido ameaçada de morte pelo ex-marido e que por isso havia fugido do Brasil. Dos cinco brasileiros que aceitaram falar com a reportagem, quatro disseram que só o fariam sob anonimato, com medo de represália. Uma decidiu se identificar. Simone Afonso ainda reside na Noruega e conta que conheceu Ana Cristina em 2009, quando ela deixou o Brasil. ‘Ela tentou asilo político aqui, o que foi negado pelo departamento de imigração local. Dizia que estava sendo ameaçada pelo ex-marido, o Jair Bolsonaro, que ele havia tirado a guarda do filho dela’, contou. As outras quatro testemunhas relatam o caso da mesma forma.”
Na sexta-feira, a “Folha” publicou entrevista com Fernando Xavier, brasileiro que vive na Noruega há 13 anos, que hospedou a ex-mulher de Bolsonaro:
“Conheci a Ana em 2010, pouco tempo depois que ela chegou à Noruega. Os brasileiros que conviviam com ela aqui desde 2009 já sabiam da história dela com o Bolsonaro. Acabei me sensibilizando com a situação dela, que não falava inglês nem norueguês muito bem. Eu dispunha de um quarto em meu apartamento e ofereci para ela. Ela aceitou de imediato. Ficou muito agradecida.
“Depois das coisas que ouvi e presenciei, realmente, não posso ter simpatia [por Bolsonaro].
“Eu ouvi e outras pessoas do nosso convívio também ouviram que realmente teve uma ameaça [de morte] e que foi nesse momento que ela teve que sair do Brasil. Realmente teve, não posso negar porque escutei dela.”
O COFRE
Na quinta-feira à noite, “Veja” revelou que a mesma ex-mulher de Bolsonaro entrou com ação, em abril de 2008, na 1ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, alegando que Bolsonaro escondera bens para não fazer uma “partilha justa” após o divórcio.
Resumidamente, disse a ex-mulher de Bolsonaro, por escrito, nessa ação judicial:
1) Em 2006, candidato a deputado, Bolsonaro declarou à Justiça Eleitoral ser proprietário de um terreno, uma sala comercial, três carros e duas aplicações financeiras – ao todo, 433 mil e 934 reais.
A ex-mulher de Bolsonaro, no entanto, apresentou a declaração ao Imposto de Renda do ex-marido, onde constavam três casas, um apartamento, uma sala comercial e cinco lotes – ao todo, R$ 7,8 milhões.
2) A ex-mulher declarou que Bolsonaro tinha uma renda mensal de R$ 100 mil, apesar de receber R$ 26.700 como deputado e R$ 8.600 como militar da reserva (fac-símile abaixo).
3) Cristina acusou Bolsonaro de “desmedida agressividade” em relação a ela e “comportamento explosivo”.
4) “Bolsonaro, de acordo com Ana Cristina, furtou seu cofre numa agência do Banco do Brasil, em outubro de 2007, e levou todo o conteúdo: joias avaliadas em 600.000 reais, 30.000 dólares em espécie e mais 200.000 reais em dinheiro vivo — totalizando, em valores de hoje, cerca de 1,6 milhão de reais. O cofre ficava na agência do Banco do Brasil da Rua Senador Dantas, no centro do Rio. Seu conteúdo é incompatível com as rendas conhecidas do então casal.”
A matéria da “Veja” prossegue, mais adiante:
“… uma consulta ao processo e suas adjacências mostra que Ana Cristina não estava mentindo. O furto do cofre, por exemplo, realmente ocorreu. Em 26 de outubro de 2007, ela esteve na agência do Banco do Brasil e, misteriosamente, sua chave não abriu o cofre. Chamado ao local, um chaveiro destravou o equipamento, e Ana Cristina constatou que estava vazio. ‘Isso só pode ter sido coisa do meu ex-marido’, disse ela aos funcionários do banco. Um deles tentou acalmá-la, sem sucesso. ‘Ele pode tudo, e vocês têm medo dele’, respondeu ela. No mesmo dia, Ana Cristina registrou um boletim de ocorrência sobre o furto na 5ª Delegacia da Polícia Civil.”
Segundo a revista, Bolsonaro chegou a admitir que estava de posse do conteúdo do cofre de sua ex-mulher:
“A discussão sobre o furto do cofre continuou, segundo mostra o processo. A defesa de Bolsonaro, na etapa em que o ex-casal discutia a guarda do filho, juntou um depoimento em que o deputado acusava a mulher de chantageá-lo. Dizia que ela tinha levado o filho para o exterior e condicionava o retorno da criança à devolução do dinheiro e das joias subtraídos do cofre” (grifo nosso).
Entrevistado agora, o gerente da agência do Banco do Brasil na época – um amigo de Bolsonaro, Alberto Carraz – disse que “realmente o conteúdo do cofre sumiu” e que “quando Bolsonaro soube que a ex-mulher tinha feito um registro de ocorrência na delegacia, ele me disse que iria resolver a questão. Depois, eu soube por ele que estava tudo resolvido e que ela tinha retirado a queixa”.
Por fim, os autores da reportagem de “Veja” fazem uma consideração:
“A vida patrimonial de Bolsonaro, a julgar pelos documentos entregues à Receita Federal e à Justiça Eleitoral, é uma gangorra.
“Em 2001, ele declarou à Receita um patrimônio de 419.000 reais.
“Em 2006, o patrimônio informado ao Fisco subiu para 1 milhão e 600 mil reais – embora, nos cinco anos transcorridos entre uma declaração e a outra, a soma de seus proventos como parlamentar e militar aposentado não tenha chegado a 1 milhão de reais líquidos.
“Neste ano eleitoral de 2018, Bolsonaro disse à Justiça Eleitoral que seu patrimônio soma 2 milhões e 200 mil reais, incluindo cinco imóveis.
“Um deles, comprado em 2009, fica num condomínio residencial localizado em frente à praia, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Corretores da região informam que as casas mais baratas no condomínio de Bolsonaro não custam menos de 2 milhões de reais. Uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada em janeiro passado, revelou que Bolsonaro comprou sua casa no condomínio por 400.000 reais — é um valor inferior aos 580.000 reais que o próprio vendedor pagou ao adquiri-la quatro meses antes.”
CARTÓRIOS
Na sexta-feira, o jornal “O Globo” publicou outra reportagem, mostrando, depois de um cruzamento das declarações de Bolsonaro à Justiça Eleitoral com os dados que constam nos cartórios do Rio de Janeiro, que o candidato do PSL “omitiu de seus eleitores duas casas que juntas valem R$ 2,6 milhões”.
Mas não é tudo. São interessantes os dados apurados por “O Globo”, através dessa comparação com os registros em cartório:
“A comparação com bens listados ao TSE em 2006, 2010, 2014 e 2018 revela, entre os imóveis não declarados, estão a casa da [rua] Maurice Assuf, um apartamento na Barra da Tijuca, uma sala comercial no centro do Rio, uma casa e uma sala em Resende, além de cinco lotes no mesmo município, no sul fluminense. Também não constam nessas declarações ao TSE uma caminhonete Land Rover ano 2007 e um veículo tipo reboque, ano 2006. O imóvel com maior valor da lista é o da rua Maurice Assuf.
“(…) Outro dado confuso é quanto a uma moto aquática Yamaha. Na declaração de bens apresentada pela ex-mulher, em 2007, consta uma embarcação Jet Ski Yamaha ano 2006. No entanto, a única declaração de bens de Bolsonaro que inclui uma moto aquática é a de 2014, na qual aparece um veículo dessa mesma marca, mas fabricado no ano de 2010.
(…)
“Somados, os nove itens não declarados por Bolsonaro eram avaliados, na época, em cerca de R$ 3,4 milhões (…). Se forem somados a caminhonete Pajero e o a moto aquática – que constam com informações diferentes na lista de bens e nas declarações ao TSE – o número de bens não declarados chega a 11 e o valor total passa de R$ 3,6 milhões, em números de 2007.”
Ou seja, o equivalente a R$ 6 milhões e 700 mil, atualmente.
TRANSFORMEMOS
No sábado, a ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, que concorre a deputada federal, pelo Podemos, com o nome Cristina Bolsonaro, declarou à imprensa que “eu falei inverdades. Não menti, mas falei coisas num estado de nervos”.
O que são “inverdades” que não são mentiras? É provável que signifique que as verdades são mentiras…
Sobre a incompatibilidade entre a renda e os proventos de Bolsonaro, disse ela que “é uma mentira minha”.
E negou a ameaça de morte por parte de Bolsonaro. Disse que mudou para a Noruega “para mudar de ares”.
A ex-mulher de Bolsonaro foi longe, para mudar de ares…
Quanto ao dinheiro que estaria recebendo – ou recebeu – de Bolsonaro para desmentir o que dissera, declarou que “isso é um absurdo, não existe, é uma viagem. Dá vontade até de rir”.
Por fim, sobre o comportamento agressivo e explosivo de Bolsonaro, disse ela que também não é verdade o que declarou na ação judicial de 2008 (e que foi, por sinal, o motivo alegado para a separação). Pelo contrário:
“Bolsonaro é digno, carinhoso, honesto e provedor. Trata suas mulheres como princesas”.
Só faltou dizer que o sujeito é uma dama.
C.L.
Os eleitores do candidato do PSL sabem que ele é uma besta quadrada, apoia a ditadura, xingou os haitianos, é machista etc. Não estão sendo enganados por ele, votarão sabendo de tudo isso. Não vamos jogar pérolas aos porcos.
E outra coisa: não estou conseguindo acessar os arquivos do HP.