(HP 10/01/2014)
VALENTIN KATASONOV*
Muitos americanos acreditam que um bando de banqueiros internacionais alcançou o poder quando o Federal Reserve System (FRS) entrou em vigor. O presidente e o Congresso tornaram-se servos dos principais acionistas do FRS. A Federal Reserve Corporation, de propriedade privada, pertencente a um grupo de banqueiros, tornou-se o único poder real na América o qual começou então a competir pela dominância mundial. Numerosas publicações dedicaram-se ao assunto.
O livro Secrets of the Federal Reserve, de Eustace Mullins, foi o primeiro a aparecer no fim da década de 1940. Foi seguido por The Federal Reserve Conspiracy de Antony Sutton; The Syndicate: The Story of the Coming World Government de Nicholas Hagger, The Unseen Hand de A. Ralph Epperson e The Gods of Money de William Engdahl. Há um bestseller recente do antigo deputado Ron Paul chamado End the Fed .
O poder do Federal Reserve no século XX instilou um falso sentimento da sua eternidade tal como o da emissão do dólar. Estas ilusões evaporaram-se gradualmente quando eventos no princípio do século XXI começaram a desdobrar-se.
Ron Paul enumera muitos casos em que o Federal Reserve System tem estado em direta violação do Federal Reserve Act.
O mais chocante é a concessão pelo Federal Reserve System de créditos incrivelmente gigantescos na quantia total de US$ 16 trilhões aos maiores bancos da América e da Europa durante a recente crise financeira. Não me refiro ao fato de que o próprio estabelecimento do Federal Reserve System foi uma flagrante violação da Constituição americana, a qual afirma claramente, que só o Congresso está autorizado a emitir moeda, não um grupo de proprietários privados.
O Federal Reserve System preservou sua influência ao longo de todo o século porque houve procura do US dólar produzido pelas suas impressoras, no país e além das suas fronteiras.
Todos os esforços da política externa dos EUA desde o começo do século XX até o princípio do XXI centraram-se na promoção da mercadoria produzida pelas máquinas de impressão do Federal Reserve. Foi isto que levou ao desencadeamento de duas guerras mundiais e a um bocado de conflitos locais. Não era difícil manter a produção do Federal Reserve System com a procura pós II Guerra Mundial, quando o mundo obtinha a maior proporção de bens comprando-os aos EUA e dando dólares em contrapartida. Os EUA eram o maior acionista do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que promoviam o processo de “dolarização”. Isto constituía o cerne do Plano Marshall com o lançamento de múltiplos programas de ajuda externa estadunidenses.
Graças à política de Kissinger para o Oriente Médio, apoiada pelo poder militar dos EUA, em 1973-1975 Washington conseguiu introduzir as bases do padrão petróleo-dólar. O mundo começou a vender o “ouro negro” apenas por dólares. Os mercados financeiros mundiais começaram a prosperar na segunda metade do século XX e os “instrumentos financeiros” eram predominantemente vendidos também em US dólares.
A procura pelo dólar começou a cair nos últimos anos. A competição com outras divisas começou. O euro, o yuan e as divisas alheias à lista das moedas de reserva desafiaram a nota verde. Tentando livrar-se da dependência do dólar, líderes de outros países muitas vezes faziam declarações extremas as quais são percebidas pelos donos do Federal Reserve System como apelos ao boicote do padrão petróleo-dólar.
No seu tempo, Saddam Hussein recusou-se a vender o “ouro negro” por dólares e comutou para pagamentos em euro. Washington respondeu imediatamente; a revolta resultou na derrubada de Saddam Hussein e a sua posterior execução.
Algum tempo depois o mesmo destino foi reservado a Muammar Qaddafi, o qual havia planejado abandonar o dólar pelo dinar dourado.
Os planos de Washington fracassaram quando chegou a vez do Irã. As sanções estadunidenses foram impostas há longo tempo (1979). Mas o país era um osso duro de roer. O Irã recusou-se terminantemente a utilizar o US dólar para transações externas (deve ser notado que todas as transações tramitam através do sistema bancário dos EUA e são controladas pelo Federal Reserve System). Isto é um precedente perigoso, um exemplo que pode ser seguido por outros estados.
Passos cautelosos para gradualmente afastar-se do dólar começaram a ser dados pela China. Pequim concluiu uma série de acordos com outros países para utilizar divisas nacionais no comércio externo. Exemplo: está em vigor um acordo entre Pequim e Tóquio que prevê a utilização do yuan e do yen para as transações comerciais China-Japão pondo de lado todas as outras divisas, incluindo o US dólar.
Estes eventos poderiam ser caracterizados como uma emancipação gradual em relação ao US dólar, processo que a qualquer dado momento pode tornar-se uma fuga da divisa dos Estados Unidos. Neste caso, o Federal Reserve System pode não morrer de imediato, mas tornar-se-á nada mais do que um banco central comum com operações limitadas apenas pelos desenvolvimentos econômicos internos.
FORA DO NEGÓCIO
Alguns anos atrás ninguém poderia imaginar um cenário que considerasse a bancarrota do Federal Reserve System. Mas os apuros do FRS começaram a agravar-se rapidamente a partir de 2010 devido à implementação da política da facilidade quantitativa (quantitative easing).
Anunciando o objetivo de restaurar a economia nacional e promover o emprego após a crise financeira, o Federal Reserve System continuou a aumentar a produção das suas impressoras.
O mecanismo é tão simples quanto podia ser: o Federal Reserve System troca a sua produção de papel por diferentes espécies de títulos oferecidos por bancos americanos (US$ 85 bilhões por mês durante o ano passado).
Os papéis incluem títulos do Tesouro dos EUA ou títulos hipotecários. Estes últimos não são senão pedaços de papel que os financistas chamam “ativos tóxicos” no seu jargão profissional. O preço de mercado é extremamente baixo (de vez em quando flutua em torno de zero), mas o Federal Reserve System adquire-os ao seu valor facial ou quase ao custo nominal. O FRS só pode vender “ativos tóxicos” a operar com prejuízo. A acumulação de tais “ativos” criará uma bolha inchada de forma monstruosa. Há bolhas imobiliárias e cambiais, agora emergirá um novo tipo de bolha.
Não se trata apenas dos papéis hipotecários; os títulos do tesouro também podem causar problemas. Hoje o Federal Reserve System paga um alto preço por títulos do tesouro mas amanhã o seu preço de mercado pode afundar. Assim o FRS terá prejuízo ao vendê-los.
Qualquer organização comercial utilizará o seu próprio capital como uma reserva de prontidão para cobrir perdas. O mesmo se passa para o Federal Reserve System. Mas neste caso é apenas um capital simbólico representando apenas 3-4 por cento dos ativos atuais do FRS.
A propósito, ele deve cumprir exigências de capital inicial mínimo (as exigências estão definidas e os procedimentos estipulados por documentos especiais do Comitê de Supervisão Bancária do Banco de Pagamentos Internacional (Bank for International Settlements) ).
Atualmente o Federal Reserve System está longe de cumprir com estas exigências. Os peritos sabem bem disto mas as discussões nunca saem do círculo estreito de iniciados que tratarão do negócio. Ninguém entre os peritos pode propor algo como um plano significativo para resgatar o Federal Reserve System da bancarrota iminente.
BANCARROTA DO GOVERNO
O Federal Reserve System tem atuado como o salvador do governo dos Estados Unidos. O FRS concede empréstimos ao Tesouro ao comprar títulos de dívida.
Naturalmente, ele não é a única entidade a salvar o governo. Muitas outras organizações dos EUA têm adquirido títulos do tesouro – bancos comerciais e de investimento, fundos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensão.
Os bancos centrais de outros países e ministérios das finanças até recentemente representavam metade das aquisições dos títulos do tesouro. Hoje a China, Japão, Arábia Saudita e alguns outros países com enormes reservas de ouro e divisas estrangeiras são os principais credores do governo dos EUA. A China e outros estão gradualmente perdendo o desejo de acrescentar “papel verde” às suas reservas internacionais. No fim de 2013 um vice-governador do Banco da China fez uma declaração sensacional dizendo que a China já não era favorável à acumulação de reservas cambiais estrangeiras.
O Federal Reserve System tornou-se o principal emprestador do Tesouro dos EUA. No terceiro round da facilidade quantitativa, “QE3”, o Federal Reserve System começou a comprar a fatia do leão dos papéis utilizados pelo governo para cobrir os buracos orçamentais (a fim de pagar o déficit orçamentário).
Um círculo vicioso começou: o Federal Reserve dá ao Tesouro a “nota verde”; em retorno o Tesouro dá os títulos ao Federal Reserve. Isso parece-se com um moto perpétuo monetário. Este mecanismo “fechado” priva a economia americana e mundial da divisa necessária, funciona só para si mesmo. A falta da “nota verde” será exponencialmente compensada por outras divisas e seus substitutos.
Além disso, há mais uma armadilha à espera do governo dos Estados Unidos e do Federal Reserve System.
O governo americano tem de utilizar o orçamento para amortizar a sua dívida. As taxas de juro atualmente estabelecidas pelo Federal Reserve System são cerca de zero. As taxas de juro dos títulos do tesouro (orientada pelas taxas do Federal Reserve System) também são extremamente baixas.
Cerca de 7 por cento do dinheiro do orçamento é gasto com o reembolso das dívidas do governo. É aceitável. Mas vamos imaginar que as taxas de juro começam a crescer (mais cedo ou mais tarde elas inevitavelmente subirão). A percentagem do orçamento gasto no reembolso da dívida (pagamentos de juros) também aumentará. Peritos acreditam ser possível que 50 por cento do total do orçamento seria gasto para cobrir juros.
Neste caso o moto perpétuo financeiro cessará porque atingirá um obstáculo natural como as receitas de impostos que abastecem o orçamento de estado dos EUA. Então o único cliente do Federal Reserve System – o governo americano – irá à bancarrota. Depois disso o próprio Federal Reserve System terá de abandonar o espectro.
Há outros cenários a serem considerados, todos eles relacionados com o Federal Reserve System, o dólar e os Estados Unidos – os três pilares do sistema financeiro e político integrado.
Todos eles são desfavoráveis aos proprietários do Federal Reserve System.
Na verdade, exatamente a mesma situação foi enfrentada na primeira metade do século XX pelos proprietários do Banco da Inglaterra quando o US dólar começou a rivalizar com a todo-poderosa libra esterlina. A última oportunidade para os donos do Banco da Inglaterra preservarem “um lugar ao sol” foi desencadear uma guerra em grande escala. Receio que seja exatamente isso o que os atuais donos do Federal Reserve System tenham em mente.
*Economista