Apesar das suas 1.643 páginas, as alegações finais da defesa de Lula, no processo das obras do sítio de Atibaia, podem ser resumidas em apenas uma de suas frases:
“Assim como ocorreu no processo-crime relacionado ao celebrizado apartamento tríplex, mais uma vez a tese acusatória se esteia, fundamentalmente, na palavra de Léo Pinheiro [presidente da OAS] e na imaterial tese do caixa geral [de propinas]” (cf. Defesa de Luís Inácio Lula da Silva, Alegações finais na forma de memoriais, 07/01/2019, p. 10, grifos e itálicos no original).
Além disso, somente existe a perspicaz tese de que a infeliz aceitação de um ministério de Bolsonaro pelo então juiz Moro, é uma prova de que Lula está sendo vítima de uma “perseguição política”. Ou de que a mulher de Bolsonaro usar uma camiseta com uma frase da juíza Gabriela Hardt no interrogatório de Lula, é prova, também, de “perseguição política”.
Mas isso apenas expõe a fraqueza da narrativa inventada – uma vez que é nítido, com essas últimas teses, que essa narrativa somente existe para evitar as provas, melhor dizendo, para fugir de abordá-las.
Pois o problema não é o relato de Léo Pinheiro.
O problema é por que duas das maiores construtoras do país, a OAS e a Odebrecht – ambas privilegiadas em contratos com a Petrobrás cujos sobrepreços e superfaturamento atingem bilhões de reais (e com a Sete Brasil, que contratou os estaleiros montados por essas empresas para construir sondas para a Petrobrás) – resolveram fazer reformas em um sítio em Atibaia, pertencente, segundo Lula, a dois cidadãos que não tinham vínculo com nenhuma dessas empresas, sem cobrar nada por obras no valor total de R$ 1.266.481,32 (um milhão, duzentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e oitenta e um reais e trinta e dois centavos; cf. Laudo nº 1475/2016-SETEC/SR/DPF/PR).
Porque as obras foram feitas.
Sobre isso, o depoimento mais interessante não é o de Léo Pinheiro, mas o do responsável pelas obras que a OAS fez no sítio, Misael de Jesus Oliveira. Eis um trecho:
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: E quantas reformas e benfeitorias foram executadas pela OAS nesse sítio de Atibaia?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Nós fizemos… a primeira foi a cozinha. A segunda nós fizemos a reforma de um lago. Aí já seria mais eu, as outras pessoas trabalharam só na cozinha.
(…)
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Depois eu fiquei resolvendo o problema do lago que estava com vazamento. E fiz alguns serviços como… ah, alguns serviços que era pedido para fazer lá: grades em volta do lago, forro de madeira na churrasqueira. E tinha uma capela para ser feita também. Eu fiz, com a equipe de fotografia, levantamento do terreno, mas não chegou a iniciar a obra (…).
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Quais serviços foram executados nessa cozinha?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Nós fizemos um serviço, digamos, que geral. Porque nós fizemos demolição, já tinha a cozinha existente antiga. Nós fizemos toda a demolição de revestimento, janelas, estrutura, telhado, mexemos nos telhados. Colocamos todo… como era projeto novo, o projeto que foi passado para gente.
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Essa reforma incluía a compra de móveis para a cozinha também? O senhor sabe dizer?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Teve móveis, teve revestimento. Teve tudo, assim. Em relação à cozinha, ficou pronta. Quando nós entregamos, a cozinha estava totalmente pronta.
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Era reforma de pequeno, médio ou grande porte, em relação a essa cozinha?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Médio, porque ela foi começada desde a demolição, a gente não demoliu por completo, tinha um telhado em cima, teve que fazer escoramento. Com a obra assim, minha equipe precisou bastante de estrutura, escora, (inaudível), fazer viga de concreto, para o projeto que tinha. E toda a parte de acabamento.
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Perfeito. E tudo isso foi custeado pela empresa OAS?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: OAS.
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: E os materiais que o senhor necessitava para essa reforma dessa cozinha, como eles eram adquiridos?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Eu, quando eu saía da OAS, do escritório da Avenida Angélica, eu levava um valor em dinheiro, que era passado para mim, e junto com esses valores, em dinheiro, eu fazia as compras e guardava as notas. Então tudo que eu comprava lá em Atibaia, nos 3 depósitos da região, eu prestava conta quando eu voltava para a empresa. (…)
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Além dessa reforma da cozinha, o senhor também falou em um lago. O que foi feito?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: O lago teve um problema de infiltração, um vazamento grande. E nós tivemos que fazer a impermeabilização geral do lago.
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: Esse custo desse serviço também foi arcado pela OAS?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Foi arcado pela OAS. E recebi um dinheiro de mão de obra, de materiais. E alguns materiais acho que eu peguei direto no stand da OAS Empreendimentos (…).
DEFESA DE LÉO PINHEIRO: O senhor sabe estimar o valor dessas reformas da OAS? O senhor tem ideia de números?
MISAEL DE JESUS OLIVEIRA: Olha, eu trabalho com reformas, assim, eu não posso te dizer um valor exato, mas assim, pelos materiais que foram usados lá, de a gente ter comprado parte de impermeabilizante, uma quantidade muito grande, teve também a parte de mármores, vidros, material de aquecimento, teve mão de obra, eu diria que em torno de 400 à 500 mil reais, que seria a reforma de um apartamento grande. Que eu trabalho com obras, então é mais ou menos isso entre material e mão de obra.
Por que a OAS faria – e pagaria – essas obras, no sítio de dois (para ela) desconhecidos?
VISITA
Já chegaremos ao depoimento de Léo Pinheiro.
Vejamos, antes, os seguintes e-mails de Marcelo Odebrecht: o primeiro com data de 29 de dezembro de 2010, respondido na mesma data por Alexandrino Alencar – o lobista da Odebrecht que tratava diretamente com Lula, além do pai de Marcelo, Emílio Odebrecht; o segundo, uma pauta para uma reunião que Emílio Odebrecht e o próprio Marcelo teriam (e tiveram) com Lula e Dilma.
Agora, vejamos um trecho do interrogatório de Marcelo Odebrecht na 13ª Vara Federal de Curitiba:
MARCELO ODEBRECHT: Então, o primeiro e-mail que eu achei sobre o sítio é de um ou dois dias antes da reunião, que é o Alexandrino me atualizando, quer dizer, eu na verdade falei para Alexandrino sobre um assunto, que eu estava perguntando sobre um jantar, eu acho, e aí Alexandrino me atualizou, eu perguntei “É sítio?”, aí ele me atualizou, me disse que estaria pronto dia 15, eu nem sabia à época a data, depois ele até me mandou umas fotos, eu não achei as fotos, mas tenho o e-mail vazio, mas as fotos eu não achei, mas ele mandou as fotos, eu até disse “Olha, esse negócio não vai acabar dia 15”, quando eu olhei as fotos, eu até falei “A piscina está… Não vai acabar”, ele me garantiu que ia acabar dia 15, para que meu pai pudesse atualizar Lula nessa reunião do dia 30. No final do ano tanto eu como meu pai passamos na Bahia, a gente sempre passava na Bahia, e tem um e-mail também que eu protocolei, eu devo ter conversado com meu pai sobre a agenda que nós teríamos em conjunto com Lula e com Dilma, eu botei esse e-mail, e nesse e-mail fica claro, e aí eu devo ter anotado a agenda, ele falou, a gente alinhou, eu devo ter escrito a agenda e eu passei a agenda para a secretária dele e para a minha, não sei se a versão final acabou sendo aquela, mas aquele foi… mas refletiu a conversa que eu tive com o meu pai, o alinhamento prévio, mandei para a secretária dele. E nessa agenda tem os pontos que ele deve falar com Lula, entre eles tem o sítio, aí é só ele e Lula. Eu me lembro, eu tenho certo na cabeça que o assunto do sítio foi conversado com Lula. Agora eu não me lembro se foi meu pai que me disse depois da reunião, que ele falou…
JUÍZA GABRIELA HARDT: O senhor não participou da reunião?
MARCELO ODEBRECHT: Não, eu participei da reunião, só que eu não me lembro, só que teve um momento da reunião que meu pai se afastou, se afastou para conversar com o presidente Lula e eu fiquei com a presidente Dilma, então eu não me lembro se esse assunto sítio foi no momento em que estávamos nós presentes ou nesse momento em que meu pai se afastou, mas eu me lembro, que seja eu que tenha participado, que seja meu pai me dito, esse assunto foi tratado e ele…
JUÍZA HARDT: Ele tinha ciência?
MARCELO ODEBRECHT: Ele tinha ciência, foi dito…
JUÍZA HARDT: Que a reforma estava sendo custeada em parte pela Odebrecht?
MARCELO ODEBRECHT: Tinha, com certeza. E, olha, ele sabia que tinha, eu não escutei isso de Lula, mas meu pai sempre deixou isso claro para mim, que ele sabia que estava sendo custeado, e dentro de casa todos nós entendíamos que aquele sítio era de Lula, quer dizer, soube de outra…
A defesa de Lula, evidentemente, se estriba no fato de que o conhecimento de Marcelo Odebrecht sobre a “ciência” de Lula é indireto.
Mas existe o depoimento do pai de Marcelo, Emílio Odebrecht:
JUÍZA HARDT: Especificamente na reunião do dia 30, o senhor lembra de ter falado sobre a reforma do sítio com o senhor presidente?
EMÍLIO ODEBRECHT: Falei, falei como, depois de terminada a reunião, já em pé, indo, Alexandrino tinha me pedido que a dona Marisa pediu para ter sigilo sobre o assunto, que queria fazer uma surpresa logo que ele terminasse o mandato, então eu achei que eu não estaria rompendo isto falando com ele no último dia do mandato dele e a 15 dias da entrega, 14 dias…
JUÍZA HARDT: Da entrega da obra?
EMÍLIO ODEBRECHT: Ia ser entregue no dia 14 de janeiro. Procurei perceber, eu disse “Olhe, chefe, o assunto lá do sítio vai estar pronto até o dia 14”, ele não me falou nada, não me respondeu, também não disse nem que sim, nem que não, e eu coloquei, a minha impressão é que ele sabia, mas não quis me fazer nenhuma manifestação, então isso é o que aconteceu, e Dilma e Marcelo ficaram naturalmente do lado, não assistiram.
APROVAÇÃO
A “surpresa” referida por Emílio Odebrecht, diz respeito ao seguinte relato:
ALEXANDRINO ALENCAR: … o fato do dia 9 de dezembro de 2010, eu fui para Brasília para um evento do PAC, eu acho que era o balanço do presidente Lula do PAC, eu me lembro que quem fez a apresentação foi a senhora Míriam Belchior, eu fui para Brasília e, estando em Brasília, eu soube que o doutor Emílio [Odebrecht] ia estar com o presidente à tarde. O doutor Emílio tinha ido com o seu avião e falou: “Alexandrino, já que você está em Brasília, volta comigo de avião”; eu falei “Ótimo, muito melhor, muito mais prático, eu vou estar próximo do Emílio, a gente vai conversando”; então, de manhã, estive no Palácio do Planalto; de tarde, eu digo “Bom, vou me encontrar com o Emílio, o Emílio vai estar lá com o presidente”, e fiz o que fazia regularmente, procurei o gabinete do chefe de gabinete do Gilberto Carvalho, eu digo “Gilberto, eu vim aqui falar com o Emílio”; e aí fui ao gabinete, lá do gabinete me levaram para a antessala da sala do presidente, e chegou lá estava a dona Marisa, a dona Marisa Letícia estava lá na antessala e aí, conversando com ela, ela disse “Alexandrino, estou precisando de um favor da Odebrecht”, eu digo “O que é, dona Marisa?”, “Estou fazendo uma reforma em um sítio e estou tendo dificuldade na reforma, quem está fazendo a reforma é o grupo do Bumlai, do José Carlos Bumlai, mas eles estão com um cronograma muito atrasado e eu preciso terminar porque, não estou falando do dia 9 de dezembro, o mandato acaba dia 31 de dezembro, para ele usufruir do sítio”; aí ela me comentou, disse “Olha, é um sítio em Atibaia”, eu me admirei com isso aí porque eu conhecia o presidente no passado, eu sabia que ele tinha um sítio em Riacho Grande, lá em São Bernardo do Campo; eu digo “Ué?”, ela falou “Não, é um outro sítio que se tem”, logo em seguida eu soube que era do Fernando Bittar, até me falaram não do Fernando Bittar, me falaram do filho do Jacó Bittar, que era muito amigo do presidente Lula, e então ela me fez esse pedido, só que ela falou o seguinte “Mas, tem uma coisa, vocês têm que fazer a reforma, mas é uma surpresa, o presidente não está sabendo disso”; eu falei “Ok”; ela disse “Mas precisa terminar em dezembro”, eu digo: “Dona Marisa, não sei, precisamos ver, primeiro preciso ter autorização para fazer isso, depois a gente vê esse tipo de… Se é possível”.
Emílio Odebrecht depôs no mesmo sentido do o depoimento de Alexandrino Alencar:
EMÍLIO ODEBRECHT: Para falar a verdade o que eu soube sobre a reforma, os detalhes, etc., foi tudo depois, agora, o que eu fiz foi aprovar quando o Alexandrino me trouxe o assunto a pedido da dona Marisa.
JUÍZA HARDT: O pedido não foi feito ao senhor, foi feito ao Alexandrino?
EMÍLIO ODEBRECHT: Foi feito a Alexandrino, foi quem me trouxe, a dona Marisa fez esse pedido a ele, ele me veio e eu aprovei, se eu não tivesse aprovado, hoje nós não estaríamos aqui sentados tratando desse assunto.
No entanto, Lula não demonstrou surpresa, quando Emílio Odebrecht, no dia 30 de dezembro de 2010, falou do sítio – e, mais importante, falou das obras de reforma do sítio.
Mais importante ainda: Lula não se comoveu diante do problema do pagamento das obras. Afinal, se a Odebrecht estava fazendo obras em um sítio que achava que era de Lula – caso contrário, Emílio Odebrecht não teria razão para falar das obras com o suposto proprietário – de onde vinha o dinheiro para elas?
Vejamos, então, mais alguns e-mails.
O primeiro é de Emyr Diniz Costa Júnior, engenheiro e chefe de Frederico Barbosa, também engenheiro – e responsável pela parte da Odebrecht nas obras do sítio de Atibaia.
No dia 14 de janeiro de 2011, escreveu Emyr ao superintendente da Odebrecht em São Paulo, Carlos Armando Paschoal:
A “verba extra” para os “adicionais que o cliente pediu” eram R$ 200 mil, segundo declarou – com prova material – o superintendente:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Em relação aos 200 mil, no depoimento que o senhor prestou à força tarefa, eu vou ler para o senhor, o senhor confirma se foi de fato o que ocorreu: “… em janeiro o senhor foi informado por Emyr que seria necessário elevar a previsão de custo em 200 mil, que no retorno das suas férias foi informado por Emyr que os serviços de reforma foram realizados, entrada primeiro de janeiro e que pra isso Emyr e Alexandrino se comunicaram diretamente. Que o objeto da reforma foi concluído como planejado apesar de adicionado 200 mil reais”. Era isso mesmo?
CARLOS ARMANDO PASCHOAL: Sim, como eu relatei antes, eu saí de férias, voltei pra posse do governador, que foi no dia primeiro, e agora recentemente eu pude confirmar essa afirmação por alguns e-mails que o Marcelo Odebrecht pediu pra anexar ao processo e nesses e-mails tem um dos e-mails do Emyr dirigido a mim em que ele comenta de que teve que pedir mais 200 mil por uns adicionais que haviam sido pedidos e por excesso de chuvas.
De onde vinha esse dinheiro?
Do departamento de propinas da Odebrecht – também conhecido como “Setor de Operações Estruturadas” (v. Dinheiro para obras no sítio de Lula vinha do departamento de propinas da Odebrecht, depõe engenheiro).
PEDIDOS
O próximo e-mail é de Marcelo Odebrecht, no dia 22 de agosto de 2012, comunicando aos chefes do departamento de propinas (Hilberto Silva e Benedicto Júnior) que ele e Palocci (“Itália”) combinaram que R$ 15 milhões da conta de propinas do PT iriam para “cobrir pedidos do amigo de meu pai”, isto é, Lula.
MARCELO ODEBRECHT: … quando eu vi esse processo de meu pai, de fazer vários acertos com o Lula sem passar pelo contexto da planilha Italiano, eu até combinei com o Palocci: “Olha, Palocci, vamos fazer aqui um débito na planilha Italiano de 15 milhões, eu e você, que é para atender a esses pedidos que nem eu nem você ficamos sabendo que Lula e meu pai acertam”; e aí não se falou na época sítio, não se falou sítio, o sítio poderia se enquadrar no contexto do que eu acertei com o Palocci, mas, bom, por conta disso eu fui contra o negócio do sítio, mas a orientação era do meu pai, meu pai é meu líder, ele que acertou, vai em frente.
O seguinte e-mail, de 21 de junho de 2011, tem a importância de mostrar que Lula não apenas sabia das propinas, como, também, acertava propinas – para si próprio, passando ao largo do PT – com Emílio Odebrecht.
O destinatário do e-mail, Luiz Antonio Mameri, era diretor da Odebrecht para a América Latina e Angola – e o dinheiro, US$ 3 milhões (três milhões de dólares) era destinado a Ollanta Humala, na época em campanha presidencial no Peru, posteriormente preso por corrupção (v. Luiz Antonio Mameri confirmó que autorizó entrega de US$3 millones a Ollanta Humala).
A troca de mensagens que vem a seguir, no dia 23 de agosto de 2010, é entre Marcelo Odebrecht e o “segundo” de Palocci, Branislav Kontic, conhecido por “Brani”.
Em seu interrogatório, Marcelo Odebrecht explicou, longa e detalhadamente, a origem dessa troca de mensagens:
“Veja bem, na verdade, em algum momento, que eu não sei precisar quando – foi antes de mim [assumir a presidência do Grupo Odebrecht], meu pai e Lula combinaram que, digamos assim, os detalhes, principalmente os que tinham a ver com pagamentos e outros mais detalhes operacionais, seriam feitos por Palocci e, antes de mim, por Pedro Novis [presidente da Odebrecht até 2008].
“Então esse modus de situação já vinha antes de eu assumir, então era Palocci e Pedro Novis até 2008, aí, em 2009, final de 2008, quando eu assumi (…).
“Na verdade, como é que nasceu isso?
“O Palocci chegou em 2008 para mim e disse assim ‘Olha, Marcelo, eu queria a contribuição de vocês para a campanha para prefeito’.
“Eu falei: ‘Palocci, eu não lido com isso, eu só lido com campanha para presidente’.
“Aí, no final, o que a gente acabou acertando foi o seguinte: ‘Olha, em algum momento a gente vai acertar um valor para a campanha de presidente de 2010, portanto, tudo que eu acertar com você agora, que eu for pagando a seu pedido, eu vou descontar deste valor que nós vamos acertar em 2010’.
“Bom, entre 2008 e 2010, eu e Palocci – digamos assim, referendados por meu pai e Lula – acabamos acertando um valor que chegou, até 2010, a 200 milhões, mais ou menos.
“Esse valor de 200 milhões, dois desses valores eram de fato, como eu falei, contrapartidas específicas. É o que foi o assunto do refis da crise, que inclusive é objeto de uma ação penal aqui em Curitiba, e o que tem a ver com o Rebate de Angola, de uma linha de crédito para Angola, que é um assunto que está sendo investigado no Supremo Tribunal Federal, tem uma ação já em fase de denúncia. Esses dois assuntos tiveram contrapartidas específicas e geraram um crédito na planilha italiano.
“Teve depois outras, que foram alocações internas (…). Na prática eu e Palocci sabíamos quais eram os itens que pesavam na minha agenda com ele e que geraram créditos, sejam de contrapartidas, sejam por alocação interna (…).
“Teve, obviamente, que eu já relatei, nessa minha relação com o Palocci, alguns pedidos de propina que, inclusive, foram negados com base na existência dessa planilha italiano e que eu imagino que outras empresas acabaram tendo que pagar.
“Então veio, por exemplo, a questão de Belo Monte, a questão das sondas, sobre isso aí eu acho que é até importante entender o contexto dessa nossa relação com o Lula, eu identifiquei e-mails que eu já tinha protocolado na PGR e vou anexar ao processo, porque é um e-mail que mostra uma conversa que Alexandrino teve com o Palocci, onde ele sinaliza inclusive que o pedido que a gente não aceitou de propina para Belo Monte e para as sondas da Petrobrás iam para Lula, esse e-mail eu vou anexar.
“Então, tinha essa relação, e essa relação gerou, até 2010, 200 milhões de crédito, aí foi aquela história que eu, na época da colaboração, eu me lembrava de como…
“Foi uma das maneiras que eu consegui de evidência de que Lula conhecia a planilha italiano, quer dizer, não necessariamente a planilha italiano, mas a conta corrente com Palocci, porque eu nunca conversei com Lula sobre isso, só conversava com o meu pai e com Palocci, mas uma das evidências que eu tive foi aquele assunto que tinha uma anotação minha, que eu cheguei para o meu pai em 2010 e disse assim ‘Meu pai, é bom você avisar a Lula que eu já acertei com o Palocci 200 milhões, sendo 100 milhões já pagos, 100 milhões a pagar de saldo’, e além desses teve mais 100 milhões, que eu imagino, que eu estimava que os meus executivos já acertaram com o PT.
“Aí foi aquela história que meu pai foi para o Lula e a história que, apesar de eu discordar do nome que ele usa e da forma que ele usa, mas foi a história do tal do pacto de sangue a que o Palocci se refere, apesar de discordar desse termo, a história do pacto de sangue, que o meu pai foi para o Lula e falou dos tais dos 300 milhões.
“Por que eu tenho certeza que o Lula falou?
“Porque o Palocci voltou para mim e disse ‘300 milhões’.
Eu falei: ‘Espera aí, Palocci, meu pai não disse que eu acertei com você 300 milhões, eu acertei com você 200 e teve mais 100 dos executivos’.
“Aí tem um e-mail que foi entre os e-mails que eu protocolei, que é um e-mail que eu mando para o Brani em agosto de, em 23 de agosto de 2010, dizendo assim: ‘Brani, por favor diga ao chefe…’ – que era o Palocci, o chefe dele – ‘… que do valor que o meu pai se referiu, um terço são referentes ao apoio direto às bases…’ – quer dizer, um terço, 100 milhões dos 300, era o que os meus executivos tinham acertado – ‘que não passa por ele’ – Palocci – ‘…daí o valor 50% maior citado por meu pai”.
“Quer dizer, meu pai chegou para o Lula, falou que tinha 300 milhões, quando na verdade eu e Palocci só tínhamos acertado 200 milhões, então esse é o contexto da planilha italiano, então toda a minha relação indireta com o Lula é essa relação através de Palocci no contexto da planilha italiano, onde os créditos e os débitos estão muito bem documentados e registrados (…)”.
O PACTO
Somente para completar, a declaração de Palocci sobre o “pacto de sangue”, referida por Marcelo Odebrecht, é a seguinte:
PALOCCI: Emílio Odebrecht abordou Lula no final de 2010. Não foi para oferecer alguma coisa. Foi para fazer um pacto, que eu chamei de pacto de sangue, que envolvia um presente pessoal, que era o sítio de Atibaia. Envolvia o prédio do Instituto Lula, pago pela empresa. Envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos. E envolvia mais R$ 300 milhões à disposição do ex-presidente para atividades futuras. E poderia ser até mais se fosse preciso.
E, mais:
“A relação da Odebrecht com os Governos Lula e Dilma sempre foi intensa, movida a vantagens e propinas”. E repetiu: “Foi uma relação bastante intensa, [com] bastantes vantagens dirigidas à empresa, propinas pagas em forma de doação de campanha, caixa 1 e 2, benefícios pessoais”.
Entre outras coisas, Palocci testemunhou:
“Em algumas oportunidades, eu me reuni com o ex-presidente Lula no sentido de buscar, vamos dizer, criar obstáculos à evolução da Lava Jato.”
FREIO
Antes de passarmos à participação da OAS, resta uma questão, que, em parte, já foi respondida no depoimento de Marcelo Odebrecht que transcrevemos acima: o que Lula fazia em troca da propina?
Além do “refis da crise” e do empréstimo em Angola, existem outras questões. A mais importante de que Emílio Odebrecht conseguiu lembrar foi a ação de Lula para impedir a Petrobrás de se expandir no ramo petroquímico, em que a Braskem era o braço do Grupo Odebrecht:
JUÍZA HARDT: E essa espécie de reunião o senhor teve mais de uma vez com ele?
EMÍLIO ODEBRECHT: Tive várias, várias.
JUÍZA HARDT: E ele sempre atendeu as demandas ou o senhor lembra de ter ido lá conversar sobre alguma demanda…
EMÍLIO ODEBRECHT: Algumas sim, outras não, mas nesse ponto sempre, nessa questão da estatização sempre, agora isso depois de 2010, 2011, já com Dilma presidente, essas coisas vieram, a Petrobrás já não estava mais, isso foi durante o período dos dois mandatos dele.
Em seu interrogatório, o próprio Lula admitiu essa ação, embora – claro – sempre em nome do Brasil:
LULA: … eu tinha um pensamento sobre a indústria petroquímica. Porque a Petrobrás, diferentemente do que algumas pessoas falam, não é uma empresa estatal. A Petrobrás é uma empresa pública de economia mista com ações na bolsa de Nova Iorque e com acionistas minoritários. E eu não tinha nenhum interesse que fosse estatizado qualquer coisa. Eu tinha interesse que tudo fosse transformado numa atividade de empresas públicas e que deveria participar a Petrobrás, empresa privada, o Banco do Brasil, empresas privadas, tudo, eu achava que tinha que ser uma mistura da atividade econômica pra gente fazer esse país voltar a crescer. Mas como o ideal era tentar mostrar que a empresa Petrobrás era pública e que o Lula mandava na Petrobrás se criou um monstrengo de dizer…
Logo, tudo era feito na melhor das boas intenções. Inclusive impedir a Petrobrás de ter um ramo petroquímico.
Afinal, sumariando sua relação com Lula, disse Emílio Odebrecht:
“Na época era uma relação que já completava mais de 20 anos, os intangíveis de que o presidente Lula sempre teve com a minha pessoa e naturalmente com a organização, de eu poder ter a oportunidade de dialogar com ele, de influenciar sobre aquilo que era, que nós achávamos que era importante para o Brasil.”
O que era importante para o Brasil, naturalmente, era o que aumentava os ganhos da Odebrecht.
Este era o patrimônio “intangível” da relação entre Lula e a Odebrecht.
REFORMA
Voltemos, então ao depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que, segundo a defesa de Lula, é praticamente a única coisa que a acusação tem contra Lula (“a tese acusatória se esteia, fundamentalmente, na palavra de Léo Pinheiro e na imaterial tese do caixa geral [de propinas]”). Resumidamente, relatou Pinheiro:
“… foram realizadas benfeitorias no sítio em Atibaia/SP, incluindo não apenas obras civis e aquisição de armários para a cozinha, mas também a impermeabilização do lago, e que tais serviços foram executados seguindo as determinações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“… os valores gastos pela OAS nestas reformas eram contabilizados e descontados da propina devida pela empresa ao Partido dos Trabalhadores em obras da Petrobras e que tais reformas foram realizadas em benefício de Lula em razão de atuações do ex-presidente em prol da OAS”.
Mais especificamente:
“… em meados de fevereiro de 2014, o ex‐presidente Lula lhe solicitou pessoalmente que fossem feitas reformas no sítio em Atibaia/SP.
“Na ocasião, o ex‐Presidente lhe ‘explicou que queria fazer uma reforma, não era uma reforma grande, em um sítio em Atibaia. E era em uma sala e em uma cozinha e também tinha um problema é um lago que estava dando infiltração’.
“… esteve no sítio, acompanhado de Paulo Gordilho e que, durante esta visita, o ex‐Presidente e sua esposa indicaram os serviços que desejavam realizar no local, ficando combinado que seria feito um projeto para apresentação ao casal:
“O presidente combinou comigo de eu ficar aguardando após o pedágio da Fernão Dias, que eu não sabia onde ficava, era difícil de chegar. E isso ocorreu, eu fiquei esperando. Eu fui seguindo o carro dele, estivemos no sítio. Ele e a Dona Marisa me mostraram, a mim e a Paulo, os serviços que eles gostariam de fazer na sala. E atingiria a cozinha, porque tinha uma parede e tinha que desmanchar e tal. E nós dissemos: ‘presidente é melhor, a gente já sabe que Paulo, além de arquiteto, ele é arquiteto, mas é um grande engenheiro também; deixa a gente fazer um projeto e tal, a gente mostra para o senhor’. E fomos ver o lago que estava tendo infiltração e nós demoramos um pouco pra tentar entender como estava acontecendo aquilo. Então, ele disse: ‘Olha, o lago a gente vai ter que esvaziar, porque está percolando água por baixo e tal”. Isso foi em um sábado, e ficamos de fazer um pequeno projeto pra voltar a estarmos com ele”.
Como aponta a defesa de Pinheiro, essa reunião no sítio – e, mais, o seu propósito – foi admitida pelo próprio Lula, em seu interrogatório na 13ª Vara Federal de Curitiba:
JUÍZA GABRIELA HARDT: Com relação às visitas que o Paulo [Gordilho] fez ao sítio para verificar o que tinha que ser feito, o senhor estava junto?
LULA: Eu estive numa reunião lá. Numa, me parece, que eu tenho certeza.
JUÍZA HARDT: No sítio, junto com o Paulo. Quem mais estava nessa reunião?
LULA: O Paulo e o Léo.
JUÍZA HARDT: O Paulo, o Léo…
LULA: Eu, o Fernando, meu filho, a dona Marisa, foi um sábado de manhã. (…).
JUÍZA HARDT: Eles foram lá a convite de quem?
LULA: Não, eles estavam lá por causa de um vazamento num lago, que eu e o Fernando estávamos com medo que estourasse. Eles foram lá, o lago graças a Deus, não era nada…
Então, segundo o próprio Lula, o presidente da OAS e um de seus principais funcionários – um arquiteto e engenheiro renomado – estiveram no sítio de Atibaia para ver o “vazamento num lago”.
Uma obra que foi realizada – e ninguém pagou, exceto a “caixa geral” de propinas, que, segundo a defesa de Lula, seria “imaterial”.
Lula, no entanto, esqueceu alguma coisa: da reunião seguinte, em seu apartamento de São Bernardo, na qual Léo Pinheiro e Paulo Gordilho apresentaram o projeto de reformas do sítio.
PELA IMPRENSA
Vejamos alguns trechos do interrogatório de Lula, na 13ª Vara Federal de Curitiba, no processo das obras do sítio:
JUÍZA HARDT: O senhor soube que as primeiras pessoas que fizeram a obra, as primeiras pessoas que estavam lá, foram retiradas a pedido da senhora Marisa, do senhor Fernando, do senhor Aurélio?
LULA: O que eu sei das reformas, na verdade, foi depois, da imprensa.
JUÍZA HARDT: O senhor sabe do contato que dona Marisa tinha com pessoas da Odebrecht, com a direção da Odebrecht, pra ter pedido pra Odebrecht assumir essa reforma?
LULA: É isso que eu estou tentando dizer. A Marisa não tinha, não tinha, no meu conhecimento, nenhuma relação com a Odebrecht.
JUÍZA HARDT: Mas nem em eventos sociais ela não tinha contato com o senhor Emílio, com o senhor Marcelo?
LULA: Não, não.
JUÍZA HARDT: Ela participou de jantares de eventos sociais com o senhor Emílio, com o senhor Marcelo?
LULA: Obviamente que pode ter encontrado num evento qualquer, sabe, público, com essas pessoas…
JUÍZA HARDT: Senhor Alexandrino?
LULA: Porque iam muitos empresários. Mas ter liberdade pra falar com uma pessoa e pedir, eu, sinceramente, acho que quem citou isso está tentando encontrar uma solução cômoda para uma pessoa que já está morta.
JUÍZA HARDT: Então as pessoas que relataram esse fato também o senhor acredita que estão mentindo que dona Marisa pediu?
LULA: Eu não vou dizer. Não tô utilizando a palavra “mentindo”. Eu só estou dizendo que não acredito que dona Marisa tenha pedido.
COM NINGUÉM
Mais adiante, a Procuradoria retoma o interrogatório sobre como Lula somente tomou conhecimento das obras – feitas pela Odebrecht, OAS e por Bumlai – no sítio pela imprensa, mas que jamais perguntou a seu amigo José Carlos Bumlai sobre o assunto.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Senhor ex-Presidente, o senhor falou que depois que a imprensa divulgou isso, o senhor tomou conhecimento. Não foi isso?
LULA: Foi.
MPF: E na divulgação da imprensa está lá a questão do Bumlai, que tinha feito as obras para o senhor. Depois dessa divulgação, o senhor não perguntou a ele sobre isso e não quis pagar por essas obras?
LULA: Não perguntei porque o sítio tem dono. O dono do sítio chama-se Fernando Bittar.
MPF: E o senhor não perguntou para o Fernando Bittar?
LULA: Foi. É que vocês começaram dizendo que era meu sítio. Estranhei agora a doutora juíza dizer… eu estranhei, porque eu passei quatro anos apanhando porque o sítio era meu, e agora o sítio desapareceu?
MPF: Também estranhei, senhor ex-presidente, porque a denúncia está lá há muito tempo, e a sua defesa poderia ter te explicado isso. Se ela não fez infelizmente, não é culpa do Ministério Público.
Mais adiante:
MPF: Senhor ex-presidente, retomando a pergunta que o senhor não respondeu, e o senhor tem o direito de não responder, se não quiser. Em abril de 2015, houve uma matéria da “Veja” dando notícia dessas obras em favor do senhor no sítio de Atibaia. Eu pergunto: o senhor, naquela oportunidade, conversou com o Bumlai sobre isso, procurou ele para pagar por essas obras?
LULA: O senhor sabe quanto tempo faz que esse que vos fala não lê a “Veja”?
MPF: Mas o senhor falou que tomou conhecimento pela imprensa, senhor presidente.
LULA: Mas não foi pela “Veja”…
MPF: Não importa, mas o senhor tomou…
LULA: Não falei porque não tinha o que falar.
MPF: Não importa o veículo que divulgou. O senhor falou que tomou conhecimento pela imprensa.
LULA: Sabe o que eu lembro que a imprensa falava, que a Folha falava, que o Estadão falava, que a Globo falava? “Ah, o dia que prender o amigo do Lula, o empresário, aí ele vai quebrar a cara. O dia que prender o Bumlai, ele vai ver o que vai acontecer”. Prenderam o Bumlai. E o que aconteceu? Nada. Porque o Bumlai não tem nada para falar de mim.
MPF: Senhor ex-presidente, o que eu pergunto ao senhor é: depois que foi veiculada essa notícia que o senhor disse há pouco que tomou conhecimento…
ADVOGADO DE LULA: Pela ordem, ele não disse, ele fez referência à imprensa em geral. Vossa excelência é quem fez referência à Veja. E ele já disse que não lê a Veja há muito tempo.
MPF: Doutor, no início do depoimento, o senhor ex-presidente falou que tomou conhecimento dos fatos pela imprensa. Em diversas oportunidades, ele disse que tomou conhecimento pela imprensa. E eu pergunto: após o senhor tomar pela imprensa o conhecimento, o senhor perguntou ao Bumlai por que ele fez as obras ou quis pagar pelas obras?
LULA: Nunca perguntei nem para o Bumlai nem para ninguém.
MPF: Nem para o senhor Fernando Bittar?
LULA: Nem para ninguém. Eu não sou daquele cidadão que entra na casa dos outros e vai abrindo a geladeira. Ora, eu respeito. O cara tem a propriedade, o cara me emprestava a propriedade, eu usava, eu vou ficar perguntando: “O que você fez?”. Isso não faz parte do meu comportamento.
MPF: Senhor ex-presidente, o senhor perguntou isso para o senhor Fernando Bittar?
LULA: Nunca perguntei.
MPF: O senhor perguntou, conversou isso com…
LULA: Nunca perguntei. Nunca perguntei, porque também nunca me falaram. Eles é que deveriam tomar a iniciativa e me falar. Como eles não tinham a obrigação de me falar, eu não tinha a obrigação de perguntar. Tem um tipo de gente xereta… que quer perguntar: “Quem fez aquilo?”, “Quem comprou aquilo?” Sabe, eu não faço. Se o dono me fala, eu ouço.
MPF: Senhor ex-presidente, o seu nome estava exposto na mídia em relação a esse assunto específico. O senhor chegou a conversar isso com a sua esposa?
LULA: Não.
MPF: Não?
LULA: Não.
MPF: Não dialogou com a sua esposa sobre isso?
LULA: Não, não.
MPF: Ok, senhor ex-presidente. Só um minuto, senhor ex-presidente. Senhor ex-presidente, em depoimento prestado na ação penal, no Instituto Lula, que foi aproveitado, o senhor relatou que conhecia o senhor Rogério Aurélio Pimentel. Depoimento na ação penal do triplex, o senhor relatou, no depoimento, que conhecia o senhor Rogério Aurélio Pimentel. O senhor confirma isso?
LULA: É, eu só não sabia que era Rogério, eu sabia que era Aurélio. Ele trabalhou comigo desde a campanha de 89. Ele era segurança do metrô, houve uma dispensa muito grande no metrô e ele e outros companheiros foram trabalhar na minha campanha de 89. Aí trabalharam. Depois eu perdi as eleições, você sabe que eu perdi três eleições, ou seja… Depois ele voltou a trabalhar comigo. Quando eu fui eleito presidente, o Aurélio foi para Brasília e ele ficou trabalhando à disposição da dona Marisa, porque eu fiquei subordinado à orientação das Forças Armadas Brasileiras, era o Exército que… Mas o Aurélio é meu amigo há muito tempo.
MPF: Ok. E, nesse contexto, inclusive de amizade, o senhor tomou conhecimento que ele acompanhou as obras de reformas efetuadas lá no sítio de Atibaia pelo senhor Bumlai?
LULA: Ele fez o quê?
MPF: Ele acompanhou as obras de reformas do sítio.
LULA: Olha, eu acho que o companheiro Aurélio deve ter ido muitas vezes ao sítio porque a dona Marisa às vezes mandava ele ir ao sítio fazer as coisas.
MPF: O senhor tinha conhecimento disso então, que ela pedia a ele para ir lá?
LULA: Eu não ia. O meu pessoal não ia. Se ela ia, ia com ele ou ele ia lá fazer as coisas.
MPF: E ele acompanhou essas obras de reformas do Bumlai?
LULA: Não sei, não sei, querido. Não sei se ele acompanhou a obra.
MPF: Senhor ex-presidente, o senhor tomou conhecimento que a Odebrecht efetuou as obras lá quando?
LULA: Oi?
MPF: Quando o senhor tomou conhecimento que a Odebrecht fez obras no sítio de Atibaia para o senhor?
LULA: Quando a imprensa começou a falar, quando todo o mundo começou a falar.
MPF: Quando a imprensa começou a falar, senhor ex-presidente, o senhor procurou o senhor Emílio Odebrecht para pagar pelos valores das obras?
LULA: Não, não, porque, veja, eu vou repetir: a chácara não é minha; portanto, quem tinha que falar de obra da chácara era quem era dono da chácara. O que eu tinha que falar com o Emílio?
MPF: Senhor ex-presidente, eu estou só te questionando.
LULA: Eu sei. Mas por que eu tinha que falar com o Emílio?
MPF: Senhor ex-presidente, o senhor perguntou ao senhor Fernando Bittar se ele tinha pago por essas obras?
LULA: Acabei de falar: eu nunca perguntei para ninguém, porque não era da minha competência perguntar.
MPF: O senhor conversou sobre isso com a Dª Marisa?
LULA: Já repeti outra vez.
MPF: Não está repetido, porque… Não é repetido, senhor ex-presidente, porque, uma hora, eu perguntei do Bumlai, agora eu estou perguntando do Odebrecht, o assunto é outro.
LULA: Vocês são tão competentes às vezes que vocês fazem às vezes uma mesma pergunta dez vezes e…
MPF: Senhor ex-presidente, nós não estamos aqui para querer prejudicar o senhor nem para confundir o senhor. Eu estou aqui fazendo perguntas temporalmente relacionadas.
LULA: Mas vamos definir só isso, porque, você veja, eu nunca conversei com ninguém sobre as obras do sítio de Atibaia, porque eu queria provar que o sítio não era meu, e hoje, aqui nessa tribuna, vocês me deram o testemunho: “O sítio não é do seu Lula”, graças a Deus.
JUÍZA HARDT: Eu não falei nem isso… Eu falei que a acusação que é imposta ao senhor nesse processo não é de propriedade do sítio.
PAGAMENTOS
Em suma, mesmo depois que as obras do sítio de Atibaia estavam na imprensa – com Lula sendo apontado como beneficiário – ele não falou com absolutamente ninguém a respeito. Pelo menos, segundo ele mesmo.
Mas… quem pagou as obras?
Por exemplo, disse Fernando Bittar, em nome de quem está o sítio:
BITTAR: … Na minha cabeça, eu imaginava que isso eles [Lula e Dª Marisa] teriam que pagar. Eu estava cedendo um espaço para eles construírem alguma coisa (v. O PT e a propina do sítio de Atibaia).
Em outra parte de seu depoimento, diz Bittar: “eu tenho outra propriedade e ninguém fez uma obra para mim”.
Quanto a Rogério Aurélio Pimentel, que era assessor especial da Presidência da República, seu depoimento foi claro, quanto ao recebimento de dinheiro da Odebrecht, nas obras do sítio (v. Ex-assessor de Lula confirma que dinheiro para obras do sítio era entregue pela Odebrecht).
Aliás, as alegações finais da defesa de Pimentel também parecem claras – e lógicas:
“… o réu trabalhou no gabinete pessoal cumprindo tarefas cotidianas como levar roupas do presidente à tinturaria, buscar comida, comprar ração para cachorros, levar cachorros ao veterinário e coisas do tipo.
“É preciso ter claro que o réu era assessor pessoal do Presidente da República e de sua esposa, de modo que havia uma rígida subordinação nesta relação.
“O réu não participou da ocultação de patrimônio ou valor algum, apenas foi-lhe determinado funcionar como ‘capataz’ na reforma do famigerado sítio, ou seja, ver o andamento da obra e informar à primeira-dama”.
MEMÓRIA
Em seguida, o Ministério Público interrogou Lula sobre o depoimento de Léo Pinheiro:
MPF: Senhor ex-presidente, em depoimento prestado nos autos, o senhor Léo Pinheiro disse que o senhor ex-presidente o chamou lá no Instituto, numa certa ocasião, e pediu a ele a reforma de uma cozinha no sítio de Atibaia. O senhor se recorda desse episódio?
LULA: Não é verdade.
MPF: Não é verdade?
LULA: Não é verdade.
MPF: Senhor ex-presidente, em depoimento prestado na ação penal do triplex, o senhor foi indagado se o Léo Pinheiro visitou o seu apartamento em São Bernardo do Campo e o senhor disse que sim. O senhor confirma?
LULA: Eu disse que não me lembrava, mas, como ele tinha dito que tinha ido, eu não queria desmenti-lo.
MPF: Eu vou ler a parte do depoimento. O senhor foi questionado. “Alguma vez o senhor Léo Pinheiro visitou o senhor em seu apartamento em São Bernardo do Campo?” Luiz Inácio Lula da Silva: “Visitou.” Daí a pergunta: ele visitou ao senhor?
ADVOGADO DE LULA: Nós temos que reler esse trecho, porque não é isso que consta. A resposta dele… Vamos reler, porque é importante.
MPF: Não tem problemas.
LULA: Eu lembro que eu fui perguntado, há um tempo, se o Léo tinha ido na minha casa discutir projeto de cozinha. Eu disse que não me lembrava, mas, se o Léo tinha dito que tinha ido, eu não ia desmenti-lo. Foi isso.
ADVOGADO DE LULA: A resposta, doutor, é a seguinte: “Eu nem me lembrava da visita.” Começa assim a resposta. “É que eu vi no depoimento dele ele dizer que foi lá em casa e depois eu vi o doutor Paulo, que eu não sabia que era o Paulo Gordilho, disse que foi lá em casa. Como os dois disseram, eu não me lembro, mas, se eles disseram, eu também não quero desmenti-los. Sabe, se foram, foram.”
Então, para tirar as dúvidas, vamos confrontar os relatos – e os interrogatórios.
SÃO BERNARDO
Há um motivo para a relutância de Lula a lembrar-se desse segundo encontro. O que Léo Pinheiro e Paulo Gordilho (que não tinha nem ao menos relações pessoais com Lula) iriam fazer no apartamento dele, em São Bernardo, se não fosse apresentar o projeto acertado na visita que fizeram ao sítio?
Trata-se de algo circunstancial – mas também existem provas circunstanciais…
O relato de Léo Pinheiro sobre esse segundo encontro com Lula, após sua ida, com Paulo Gordilho, ao sítio, é o seguinte:
“Ele [Lula] então marcou na residência dele em São Bernardo, também em dia de sábado. Eu acredito que umas duas ou três semanas depois. Estava ele e Dona Marisa. Eu fui com o Paulo e mostramos a ele como seria a reforma da sede do sítio, que tinha abrangência da sala e interferiria na cozinha. Então, tinha que mudar os armários, fazer algumas coisas. E no lago que teria que ser esvaziado e tal. Então o presidente combinou comigo o seguinte: ‘Tudo bem, pode iniciar os serviços’.”
O depoimento de Paulo Gordilho confirmou o relato de Léo Pinheiro.
No entanto, a principal confirmação foi do próprio Lula, no interrogatório de outro processo – aquela da propina do triplex, referido, acima, pelo Ministério Público:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Alguma vez o senhor Léo Pinheiro visitou o senhor em seu apartamento em São Bernardo do Campo?
LULA: Visitou. Eu nem me lembrava da visita… É que eu vi no depoimento dele, dizendo que foi lá em casa e depois eu vi o Dr. Paulo, que eu não sabia que era Paulo Gordilho, só sabia que era Paulo, disse que foi lá em casa. Como os dois disseram, eu não me lembro, mas eles disseram que foram, eu também não quero desmenti-los. Se foram, foram… sabe. E não discutiram, não discutiram, apartamento!
MPF: Certo, e o que eles discutiram com o senhor nessa oportunidade?
LULA: Eu acho que eles tinham ido discutir a questão da cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia, eu acho.
Resta acrescentar que o encontro estava na agenda de Léo Pinheiro e foi corroborado pelo relatório das ligações telefônicas, onde constam ligações dos celulares de Léo Pinheiro e Paulo Gordilho na região onde está o apartamento de Lula, no dia 22/02/2014.
Há mais do que isso, bem mais, em provas materiais. Porém, nos deteremos aqui na Kitchens, onde a OAS comprou tanto a cozinha do triplex de Guarujá, quanto a cozinha do sítio de Atibaia.
Embora seja evidente, o triplex de Guarujá não estava no nome de Fernando Bittar, ao contrário do sítio. Mas as cozinhas de um e de outro foram compradas no mesmo lugar – e, ambas, pela OAS.
O que têm de comum o triplex e o sítio?
Somente Lula e família.
Os depoimentos dos funcionários da Kitchens confirmaram a compra das duas cozinhas pela OAS – embora, a nota da cozinha do sítio tenha sido emitida em nome de Fernando Bittar, que negou tê-las comprado e negou saber que seu nome fora usado na nota.
No novo depoimento de Léo Pinheiro:
LÉO PINHEIRO: Eu estive com ele e com Dona Marisa no sítio e na casa, na residência dele em São Bernardo, com ele e Dona Marisa; eles quem determinaram tudo como deveria ser feito. (…)
JUÍZA HARDT: Mas o senhor conversou com a reforma com o presidente e com a Dona Marisa?
LÉO PINHEIRO: Eu só conversei com o presidente. Ela estava presente nas duas vezes que eu tive contato com os dois.
JUÍZA HARDT: O senhor daí passou o serviço para Paulo Gordilho sem falar de valor, ou depois o Paulo te falou de valor, como que foi?
LÉO PINHEIRO: Paulo, depois que ele teve a aprovação do que deveria ser feito, me informou que tinha pedido orçamento da Kitchens pra fazer os armários, que era o ponto que talvez fosse o custo maior. Eu apenas pedi a ele que tentasse coordenar junto com o que se estava fazendo no triplex, pra quando a gente fosse conversar com o presidente tivesse autorização para os dois, pra não ter que incomodar o presidente e a Dona Marisa. E isso foi feito. O Paulo me informou que estava em negociação a proposta da cozinha, tinha, me parece que 170 mil reais que ele ainda iria negociar. Eu autorizei ele, que pudesse fazer. E o resto dos serviços tinham autorização. Ele atendeu o que fosse necessário ser feito.
Porém, a defesa de Lula, em suas alegações finais, é que tudo isso a que nos referimos é uma fábula.
C.L.
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