O artigo abaixo, do auditor e professor paranaense Mário Nazaré, analisa um tema que, desde o início da Operação Lava Jato, tornou-se recorrente, mas ainda não foi esgotado até suas últimas consequências (inclusive em suas consequências policiais e jurídicas): o Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS).
Criado por Lula (Lei nº. 11.491, de 20 de junho de 2007), o FI-FGTS é um desvio do dinheiro que os trabalhadores brasileiros recolhem para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Sob o pretexto de incentivar o crescimento, passou-se a, crescentemente, colocar o dinheiro dos trabalhadores em arapucas corruptas (Sete Brasil), em contos do vigário (por exemplo, aqueles do sr. Eike Batista) ou em monopólios da ladroagem (p. ex., a Odebrecht). Certamente existem as exceções – mas estas, exatamente por serem exceções, confirmam a regra.
Em suma, o FI-FGTS tornou-se rapidamente um dos poços de corrupção em que o PT e o PMDB quiseram saciar seu projeto de roubo para manter-se no poder – e seu projeto de poder para continuar a roubar.
Se tomarmos o último relatório, de 2016 (como diz Mário Nazaré, é incrível que não exista ainda um novo relatório), observaremos que, dos R$ 31.761.225.000 (31 bilhões, 761 milhões e 225 mil reais) que constituem o patrimônio líquido do fundo, 62,51% estavam nas seguintes empresas:
O leitor poderá notar que essas empresas, com algumas exceções, são uma mistura entre aquelas que estão se explicando na Operação Lava Jato com açambarcadores de estatais ou de estradas (e, via de regra, as duas coisas estão reunidas nos controladores dessas empresas).
Há também casos como os fundos (FIPs) estabelecidos para beneficiar “parceiros” do PT e do PMDB.
Por exemplo, o FIP Amazônia Energia tinha a função de entregar dinheiro do FGTS para a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, na obra de Santo Antônio, no rio Madeira. O FIP Sondas, a de propinar a Sete Brasil – isto é, os estaleiros das empreiteiras, em novo (e, felizmente, frustrado, assalto à Petrobrás. E o FIP Saneamento, a de locupletar com dinheiro dos trabalhadores a Odebrecht Ambiental.
Essas são as “parcerias público-privadas” que, segundo o governo Lula, seriam a principal função do FI-FGTS: cevar a Odebrecht e coirmãs com dinheiro dos trabalhadores para que elas assaltassem, mais ainda, o patrimônio público.
O ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Fábio Cleto, descreveu, em seus depoimentos à Procuradoria Geral da República, a modificação que o governo Lula introduziu nas aplicações do FGTS:
“… até 2008, os valores do FGTS dos trabalhadores eram investidos apenas por meio de ‘operações tradicionais’, ou seja, havia linhas para agentes financeiros (bancos, financeiras, etc.) que repassavam os valores para os mutuários; (…) inicialmente os valores somente poderiam ser repassados para a habitação; depois foi ampliado também para transporte e saneamento; depois de 2008, além das ‘operações tradicionais’, o FGTS passou a se valer de ‘operações de mercado’, ou seja, passou a se utilizar de ativos mobiliários [papéis especulativos] para lastrear o repasse dos recursos do FGTS” (cf. PGR, Termo de Colaboração nº 2 de Fábio Ferreira Cleto, pp. 1 e 2).
Assim, com a instituição do FI-FGTS, passaram a existir “duas formas de investimentos: ou por meio de investimento direto na empresa (equity) – no qual o FI-FGTS passa a ser sócio da empresa, até um percentual de 49,9% – ou através de dívida da empresa (debt), que basicamente significa a compra de debêntures ou outros instrumentos de dívida emitidos pela empresa”.
A primeira é, evidentemente, um modo de dar dinheiro de graça para os protegidos.O FI-FGTS compra metade da empresa, sem que jamais possa ter controle dela. E não há pagamento ou devolução do dinheiro, porque não é um empréstimo, mas uma aquisição de ações.
A segunda, até que não seria tão ruim se não fosse a escolha das empresas – os mesmos protegidos, recebendo dinheiro e pagando juros muito mais baixos que os do “mercado”.
Em troca, os protegidos pagavam proteção – ou seja, propina.
Assim, na confissão de Fábio Cleto existem trechos como “nas contas da LASTAL o depoente recebeu aproximadamente US$ 2,1 milhões de dólares”.
Lastal era uma empresa de fachada, com uma conta em Belize, na América Central, por onde Cleto recebia parte da propina. A maior parte (80%, segundo o depoimento de Cleto) ia para Eduardo Cunha.
Aliás, é peculiar como o PT protegeu on esquema de Cunha no FI-FGTS. O motivo, como ficará claro em seguida, é que os petistas estavam fazendo a mesma coisa que Cunha.
Diz Cleto, em seu depoimento:
“… os depósitos da Carioca diziam respeito ao pagamento de propina de diversas operações, de diversas empresas; conforme consta em sua planilha, recebeu valores do Porto Maravilha, Haztec, Aquapolo, OAS, BrVias, Linhas Amarelas do Metrô, Saneantins, LLX, Eldorado e Brado Logística.
“… André de Souza era representante da CUT; foi dito ao depoente que André de Souza poderia ajudar o depoente em seu início, pois ele tinha bastante experiência; André de Souza e o depoente poderiam atuar de maneira ‘alinhada’, ajudando um ao outro nos temas de interesse; ademais, André de Souza havia acompanhado desde o início, em 2008, a criação e o desenvolvimento do Fl-FGTS; acredita que foi Eduardo Cunha quem disse ao depoente que o motivo da apresentação era este; acredita que André de Souza fazia um papel parecido ao do depoente; da mesma forma como o depoente levava demandas de Eduardo Cunha, André de Souza levava demandas do PT para o Comitê de Investimentos.
“… no apartamento de Henrique Alves estavam o deputado Cândido Vaccarezza, o deputado Henrique Eduardo Alves e André de Souza; o depoente não conhecia o deputado Cândido Vaccarezza e acredita que ele estava na reunião representando o Partido dos Trabalhadores (PT); Cândido Vaccarezza, na época, era o líder do governo; André de Souza e Cândido Vaccarezza já se conheciam e pareciam ter uma relação similar à que o depoente possuía com Eduardo Cunha”.
Vamos, então, ao texto de Mario Nazaré.
C.L.
MARIO NAZARÉ*
O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS foi criado por autorização da Lei no 11.491, de 20 de junho de 2007, iniciou suas atividades em 10 de julho de 2008 – mesmo ano de implantação do FSB – Fundo Soberano Brasil.O FIFGTS destina-se a receber aplicações de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Tem por objetivo proporcionar aplicação de seus recursos na construção, reforma, ampliação ou implantação de empreendimentos de infraestrutura em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, energia e saneamento (leia-se investimentos no PAC da era LULA), gerando rentabilidade.
Salta aos olhos o tamanho dos aportes oriundos do FGTS – mais de 30 bilhões – e pior, a aplicação em empresas de capital fechado e com menos transparência. Além disso, investimentos em debêntures de grupos com o mesmo perfil de Capital Fechado, BNDES (novamente aqui como no FSB) e alguns consórcios formados por empresas ligadas a grande empreiteiras. Embora a mídia e imprensa em geral tenham noticiado vários fatos relacionados ao fundo e a lava jato, mas novamente as pontas não foram unidas, pois as informações encontram-se difusas em relatórios, pareceres de auditoria externa e relatórios de gestão (esses últimos muito superficiais e sem transparência), a exemplo do que também ocorreu no FSB Fundo Soberano do Brasil.
A lava jato prendeu o Cunha em função da má utilização dos recursos junto a empresas que pagavam propina para ter acesso aos fundos. Atualmente delatores apontam o dedo para diretores da Caixa Econômica, políticos, partidos e autoridades. Mas, além do fato da desonestidade na utilização, é chocante o fato de tudo ocorrer com tanta facilidade e com recursos públicos vultosos, e pior: com recursos dos trabalhadores.
Ao mergulhar nos relatórios de auditoria e demonstrações, as seguintes questões são inevitáveis:
– Onde estava o TCU que não viu esse verdadeiro acinte e escândalo?
– Onde estava o Comitê de Auditoria previsto no Estatuto do fundo?
– Onde estavam os tais “representantes dos trabalhadores” que participam do Conselho Curador?
– Porque é tão fácil se apossar de reursos públicos vultosos?
– O que de fato, fundos como esse, com objetivos espúrios, representam?
– Qual cenário a lava jato está desenhando com seu trabalho?
Ao mergulhar nos relatórios e construir a “rastreabilidade” (siga a trilha do dinheiro), as respostas foram aparecendo. A partir de 2012 os pareceres de auditoria externa traziam no seu corpo ressalva e parágrafos de ênfase sobre a aplicação em empresas com pouca transparência, bem como ausências de pareceres de auditoria nessas empresas. Em linguagem de leigo, ressalva em parecer e parágrafo de ênfase significa algo de muito errado constatado durante os trabalhos de auditoria das Demonstrações Financeiras.
O TCU sempre foi um apêndice do legislativo e sua marca registrada é agir após os fatos consumados. Quanto aos representantes dos trabalhadores, quem conhece os sistemas de controle da União, sabe que é assim: frágil, reativo e a mercê de implicações políticas. Resta então responder as duas últimas indagações do que de fato está por trás desse fundo, incluindo a visão da Polícia Federal e do MPF.
Fica claro o projeto espúrio por trás de tudo isso, e o “modus operandi” segue uma estratégia maior de poder com missão e objetivos estratégicos claros, metas, ações e operações nos moldes de um “Planejamento Estratégico” muito bem estruturado e que envolveu um grupo multidisciplinar que conhece finanças públicas, mercado financeiro, legislação, sistema de controle da União e dívida pública, além de estratégias de poder. Os QUATRO pilares são as Estatais, os fundos de investimento, os fundos de pensão e a dívida pública (essa para tapar os rombos). O objetivo era o de continuar no poder a qualquer preço e para isso, dentre várias metas a de compras de partidos, de agentes públicos em estatais, de políticos e autoridades nos três poderes, e com o apoio de parte do complexo financeiro empresarial.
Seria o crime perfeito? Sim e não. Sim, por serem ausentes os controles mínimos sobre a utilização dos recursos públicos. Não, se tivéssemos auditorias e instituições sérias o bastante para trazerem a público os fatos de forma preventiva.
O planejamento minucioso desse grupo de poder segue a seguinte lógica: a condição vital é a de primeiro criar um “apelo popular e nacional” que justifique a engenharia financeira, depois definir a fonte dos recursos, o volume dos recursos, os meios de utilização, os favorecidos e as “reciprocidades” inerentes em dinheiro e serviços. Segue ‘a mesma lógica de uma Tesouraria de uma grande organização, na qual as reciprocidades estão no leque gerencial de quem fornece recursos abundantes e espera “retorno” sobre eles. O “apelo popular e nacionalista” foi utilizado no fundo soberano ao apresentar o desenvolvimentismo a partir do petróleo, no esquema da Petrobrás com o pré sal, e o financiamento do PAC no FIFGTS como obras do “crescimento e da soberania nacional”.
Quando a lava jato mostrar o capítulo dos fundos de pensão – os investigadores já penetraram em alguns – a “Caixa de Pandora” será aberta e mostrará valores inacreditáveis, bem como exemplos dantescos de má gestão, fraudes, usos políticos, corrupção passiva e ativa e todo o cardápio já conhecido.
Aqui cabe uma ressalva importante: antes da era Lula, esses fundos, embora sempre tenham sido objeto do desejo de governos corruptos, possuía uma regulação que os impedia de aplicar em ativos de risco. O governo Lula mudou isso ao autorizar esses fundos operarem com derivativos (apostas na especulação financeira), trazendo a crise internacional e a vulnerabilidade para esses fundos, muitos deles quebrados atualmente.
Vamos aos fatos:
. Fluxo de mais de 30 bilhões em aportes do FGTS. Mais de 25 bilhões de reais aplicados em empresas citadas na lava jato pelo ex-vice-presidente da Caixa Econômica, envolvendo investimentos, conforme algumas abaixo:
Eldorado Brasil Celulose, All, Viarondon Concessionária, Odebrecht Transport, Odebrecht Ambiental, Cone Brado Logística, OAS Óleo e Gás, Caixa Fundo de Investimento Participações Amazônia Energia e Madeira Energia. Caixa Fundo de Investimento Participações Saneamento, dentre outras.
O fundo possuía também parte do patrimônio investido na empresa Odebrecht Ambiental que está sendo investigada na operação Lava-Jato.
2. Além das ações, os investimentos em debêntures, embora não esteja claro nos relatórios, referem-se também a consórcios dos quais as empreiteiras da lava jato fazem parte.
Em 31 de dezembro de 2016, o parecer dos auditores ressaltava o seguinte:
“Conforme demonstração da composição e diversificação da carteira, o FI-FGTS possui em 31de dezembro de 2016, investimentos em ações com e sem cotação em Bolsa de Valores,debêntures não conversíveis em ações e cotas de Fundos de Investimentos (“ ativos investidos”) no montante de R$ 23.981.555 mil, dos quais, R$ 4.808.565 mil estão relacionados a empresas e/ou grupos econômicos, conforme descrito na nota explicativa no 12.c, que estão em processo de investigação e outras medidas legais conduzidas pela Justiça Federal e pelo Ministério Público Federal, relacionadas a práticas de corrupção e lavagem de dinheiro. Não nos foi possível determinar o estágio atual e os possíveis efeitos dos desdobramentos destas investigações sobre as demonstrações financeiras do FI-FGTS.”
3. Prejuízo de 1 bilhão de reais com a SETE BRASIL (PEDRO BARUSCO) em 2016.
4. Rentabilidade negativa em 2015 e rentabilidades do fundo abaixo do CDI em todo o período de 2008 a 2015.
5. Falta de transparência é clara, pois em junho de 2018 consta o exercício de 2016, no site do fundo, como a última Demonstração Financeira com Parecer de Auditoria.
Exposto o projeto de poder e sua ousadia e “expertises”, quatro pontos importantes aparecem: Primeiro, que a dívida pública será usada mais uma vez – pela emissão de títulos públicos- para tapar o rombo, ou aportes da Caixa Econômica Federal, conforme o governo já declarou na mídia. Segundo, perde muito o contribuinte e o trabalhador, mais uma vez em detrimento de quadrilhas institucionais. Terceiro, não há motivos para esse fundo continuar existindo. Quarto, fica claro que se trata de algo único na história recente; a tal ponto de, por exemplo, o antigo “mestre” em esquemas como o PC Farias, se estivesse vivo, estaria se sentindo como um “menor aprendiz”. Definitivamente a jabuticaba inova sempre, e para pior…
* Auditor, especialista em Finanças e Gerenciamento de Riscos e professor de cursos de Pós Graduação.