Os problemas que levaram o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, a responder a uma mediocridade, notória apenas pelo ressentimento, que nem ao menos mora no Brasil, têm uma origem evidente.
Pois o problema do general – que conhecemos há muito –, e de outros militares, não está em Olavo de Carvalho.
Seu problema está em Jair Bolsonaro, principal discípulo de Carvalho no país.
Portanto, a origem do problema está na decisão equivocada – a rigor, desastrosa, sobretudo para o país – de apoiar Bolsonaro em sua campanha para presidente, e, depois, em dar aval público a um governo antinacional, antipopular, e, por consequência, antidemocrático em sua própria natureza.
Em suma, um governo contra a Pátria.
Escreveu o general Villas Bôas:
“Mais uma vez o sr. Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às FFAA, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia. Verdadeiro trótski de direita, não compreende que, substituindo uma ideologia pela outra, não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros. Por outro lado, age no sentido de acentuar as divergências nacionais no momento em que a sociedade brasileira necessita recuperar a coesão e estruturar um projeto para o país. A escolha dos militares como alvo é compreensível por sua impotência diante da solidez dessas instituições e a incapacidade de compreender os valores e os princípios que as sustentam.”
O problema, que ainda parece escapar ao general, é que o governo Bolsonaro não existe para “promover soluções concretas para os problemas brasileiros”, muito menos para “elaborar” qualquer “base de pensamento” – até porque é um governo adversário de qualquer pensamento.
Por isso, é impossível que a sociedade brasileira, “recupere a coesão para estruturar um projeto para o país” sob esse governo, simplesmente porque este tem um caráter antissocial. O único projeto de Bolsonaro é destruir o que outros governos, que tinham, bem ou mal, um projeto nacional, construíram.
É esse governo que “acentua as divergências”, na medida em que se choca contra todo o país – muito mais que o citado Olavo, um delirante que não tem esse poder, nem essa capacidade, e que nem está por aqui, com exceção da sua corte de outros malucos, chefiada por Bolsonaro.
Aliás, exatamente porque é esse o seu conteúdo – inclusive contra o Exército e o que ele representa em nossa História – que Bolsonaro encontrou em Olavo de Carvalho algum refúgio para a sua falta de ideias.
Que coisa mais olavista do que a tentativa de Bolsonaro de explodir bombas, supostamente de baixa potência explosiva, em instalações militares, tentativa que acabou conduzindo-o para fora do Exército? (v. Terrorismo de baixa potência).
Que, naquela época, Bolsonaro nem conhecesse Olavo de Carvalho, é questão inteiramente secundária. Já dizia Buffon, “o estilo é o próprio homem”.
Quanto aos tempos recentes, ninguém poderá se queixar de que Bolsonaro, pelo menos depois de eleito, não tenha deixado claro o caráter de seu governo.
Não apenas pelas tentativas, desde aquela de destruir a Previdência até a tentativa de destruir a Universidade Pública – e etc., etc. & etc.
Mas também através do discurso, por mais pobre que ele seja – ou por causa disso mesmo.
Quantas vezes Bolsonaro já repetiu, inclusive na embaixada do Brasil em Washington, em jantar homenageando Olavo de Carvalho, que seu projeto é destruir – e não construir (“O Brasil não é um terreiro aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa”)?
Ou, em vídeo, se dirigindo aos srs. Rêgo Barros e Augusto Heleno, onde diz que sua edificante missão é “desfazer” e não “fazer”.
O que Bolsonaro quer desfazer, desconstruir, destruir?
O Brasil, evidentemente, enquanto Nação; enquanto país soberano, ou, para ser exato, enquanto possibilidade de nação verdadeiramente independente e desenvolvida.
É isso o que ele quer destruir – e já começou essa obra.
Daí, não apenas a bajulação a Trump – e até a um micróbio político ainda menor, aquele sujeito de Israel -, mas a tentativa de aniquilar com a Educação, com a Pesquisa, com qualquer desenvolvimento econômico, científico, tecnológico ou cultural neste país.
É, portanto, para nós que o conhecemos, algo constrangedor ver um homem da capacidade do general Villas Bôas gastar as suas preciosas energias com um elemento que fugiu para os EUA com medo do PT (cáspite!), enquanto seu problema verdadeiro chama-se Jair Bolsonaro.
Naturalmente, a resposta do general serviu para que o luminar de Richmond – não por acaso, a capital dos confederados escravagistas – aumentasse o seu desrespeito:
“Nem o Lula seria vil e porco o bastante para, fugindo a argumentos sem resposta, se esconder por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas. Mas os nossos heroicos generais são.”
Ou, também:
“Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas. Nem o Lula seria capaz de tamanha baixeza.”
O que se poderia esperar desse energúmeno? Somente coisas do tipo:
“Por que esses milicos de merda não são homens ao menos para confessar logo que odeiam a nação e amam os poderes globais? Por que têm de se fazer de amigos daquilo que querem destruir, quando em volta o país inteiro já percebeu qual é a deles?”
A inversão total (é evidente que Bolsonaro é o principal amante – ou, como diria aquele pensador italiano, a principal prostituta – dos “poderes globais” no Brasil) somente evidencia a doença.
ÍCONE
Entretanto, vejamos a situação que fez o general Villas Bôas escrever o seu libelo anti-olavista.
A confusão atual começou quando Bolsonaro – que, como presidente, é um desocupado, portanto, tem que arrumar alguma coisa para fazer – proibiu uma publicidade do Banco do Brasil.
Imediatamente, um certo Fábio Wajngarten, que ocupa a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), decidiu que toda e qualquer propaganda das estatais teria de passar, antes, pela aprovação do órgão que dirige.
Wajngarten foi nomeado para a Secom por indicação da Família Bolsonaro, mais especificamente, de Carlos Bolsonaro – e do Rasputin da família, Olavo de Carvalho.
No dia seguinte, o ministro Santos Cruz, titular da Secretaria de Governo – à qual está subordinada a Secom – anulou a ordem, apresentando motivos formais: a Lei das Estatais, disse Santos Cruz, não permite “à administração direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais”.
Santos Cruz pode não ter percebido, mas essa alegação tem uma decorrência: significa que a ação de Bolsonaro, ao proibir a publicidade do Banco do Brasil, foi ilegal.
E isso, segundo o próprio ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República.
É claro que o rancor de Bolsonaro voltou-se contra Santos Cruz.
Começou, então, o tiroteio. Ou, melhor, a chacina.
Como notaram vários jornalistas, por trás desse conflito “ideológico”, está uma guerra dos bolsonaro-olavistas pelo controle da publicidade das estatais – e não somente das estatais.
Ao todo, incluindo a administração direta e as estatais, isso significa uma verba, no mínimo, de R$ 1 bilhão e meio, provavelmente, mais (somente a média anual dos gastos das estatais federais com publicidade, de 2000 a 2016, foi R$ 1.490.649.818,13, corrigidos a preços de 2016).
Depois de atacado pelas “redes sociais” por Carlos Bolsonaro, Olavo de Carvalho e sequazes – com a sutileza que lhes caracteriza -, Santos Cruz caiu na besteira de falar que “[as redes sociais] têm que ser utilizadas com muito cuidado, para evitar distorções e que vire arma nas mãos dos grupos radicais, sejam eles de uma ponta ou de outra. Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e não brigar”.
Foi o suficiente para que o Rasputin confederado, mais Carlos Bolsonaro, e até um outro debiloide que se acha humorista, esculhambassem com Santos Cruz, que, supostamente, estava colocando a “democracia” em risco.
Imagine o leitor o que é essa cambada – que vive pregando o fechamento do Congresso e do STF – tirando onda de “democrata” em cima de Santos Cruz, que é general reformado.
Só faltou… Não, nem isso faltou: logo apareceu Bolsonaro para declarar, no domingo (05/05), que “em meu Governo a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais”.
Grande democrata!
Enquanto isso, seu ministro, Santos Cruz, apanhava, apanhava, apanhava, apanhava e apanhava.
Cansado de tanto apanhar, no mesmo domingo, à noite, Santos Cruz foi até o Palácio da Alvorada, e, segundo um assessor presente à conversa, disse a Bolsonaro “que não se tratava de um ato espontâneo, mas era alvo de uma ação coordenada, com a participação dos filhos do presidente, o chefe da Secretaria de Comunicação, Fábio Wajngarten, e assessores ligados ao ideólogo de direita, Olavo de Carvalho” (v. Em conversa com Bolsonaro, Santos Cruz disse ser alvo de ataque coordenado nas redes).
Segundo o mesmo assessor, “Bolsonaro reagiu e afirmou que o ministro estaria desviando do ‘foco central’ da divergência, que seria o controle das redes sociais. O presidente teria se irritado com o fato do ministro não admitir que estava errado” (grifo nosso).
Houve uma época em que, por muito menos, um ministro – mais ainda, um militar – mandaria o presidente, ou até mesmo o imperador, se roçar nas ostras.
Infelizmente, Santos Cruz preferiu continuar no cargo.
Enquanto isso, Carlos Bolsonaro aparecia na mídia, gabando-se por ter “explodido” Santos Cruz (v. A aliados, Carlos Bolsonaro se vangloria por ataques a Santos Cruz).
Na segunda-feira, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, publicou o texto que transcrevemos no início deste artigo.
Qual foi a atitude de Bolsonaro?
Publicar, na manhã de terça-feira, um texto com elogios a Olavo de Carvalho:
“Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos. Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim. Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder.”
É óbvio, portanto, que o incômodo do general Villas Bôas e outros militares, antes de ser com um maluco como Olavo de Carvalho, é com Bolsonaro.
Mas é necessário admiti-lo francamente.
Longe de nós a ideia de que o general é obrigado a pensar como nós ou fazer o que nós achamos melhor. Isso é coisa de bolsonarista.
Mas o astrólogo não teria qualquer poder de incomodar os militares que estão no governo, se seu principal pupilo não fosse Bolsonaro.
Os acontecimentos dos últimos dias apenas mostram essa verdade, que não é muito difícil de perceber.
E não existe almoço com Bolsonaro – como aquele de terça-feira – que possa resolver essa questão.
Durante nosso curso na Escola Superior de Guerra (ESG), ouvimos muitos elogios ao general Villas Bôas.
Pois existe algo que um homem – um homem de caráter – pode fazer, mas nenhum Olavo de não-sei-das-quantas pode fazer.
Reconhecer um erro é coisa de homem – quer dizer, de seres humanos, homens e mulheres.
Foi um erro ter apoiado um desequilibrado e irresponsável, como Bolsonaro, somente preocupado em servir-se dos militares – e não em servir à Pátria.
CARLOS LOPES
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