Há 50 anos, no dia 16 de outubro de 1968, o gesto de dois atletas negros norte-americanos repercutia no mundo inteiro como um protesto contra a discriminação e ausência direitos civis para todos nos Estados Unidos.
Naquele dia, os corredores John Carlos (ouro) e Tommie Smith (bronze), após receberem suas medalhas ao correrem 200 metros nas Olimpíadas do México, abaixaram a cabeça e ergueram, cada um, uma mão vestida com uma luva preta e com essa mão cerrada em punho ouviram o hino dos Estados Unidos com todo o estádio em um silêncio – que pelo significado do gesto dos atletas – era ensurdecedor.
Naquele ano, poucos meses antes, o maior líder da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos, Martin Luther King fora assinado com um tiro de fuzil.
As manifestações contra a guerra do Vietnã espocavam nas universidades de costa a costa dos Estados Unidos. Outro líder da consciência negra, o campeão mundial dos pesos pesados, Muhammad Ali (Cassius Clay), tivera seu título confiscado por se negar a atender ao alistamento para servir à agressão norte-americana no Vietnã.
O gesto de Carlos e Smith era o mesmo dos militantes do recém-criado Partido dos Panteras Negras que massificava a luta pelos direitos civis agregando ao repúdio às degradas condições de vida nos bairros populares de maioria negra e ao encarceramento em massa de negros, além de toda sorte de discriminação, incluindo a violência policial contra os negros nas principais cidades norte-americanas.
Para simbolizar o protesto contra “a pobreza a que os negros são relegados na sociedade
racista norte-americana”, os dois atletas subiram ao pódio apenas de meias. Carlos usava também um lenço negro em torno do pescoço para simbolizar o “orgulho negro”.
A Convenção do Partido Democrata em Chicago, no mês de agosto, marcada pelo assassinato de Bob Kennedy, foi invadida por manifestantes que os acusavam de participarem da agressão ao Vietnã. Cerca de 15 mil manifestantes cercaram o local da Convenção com muitos conseguindo entrar no anfiteatro. Houve um debate e a continuação da agressão ao Vietnã foi majoritariamente apoiada pelos delegados. À noite a cidade ficou conflagrada. Entre os presos, o líder dos Panteras Negras, Bobby Seale, foi depois levado a julgamento e, acusado de incitamento, sentenciado a quarto anos de prisão.
Harry Edwards, autor do livro The Revolt of the Black Athlete (A revolta do atleta negro) era à época o organizador do Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos. Em um primeiro momento, Edwards tentou organizar um boicote dos atletas negros à Olimpíada em protesto contra a discriminação racial. Dentro da concepção dele, tratava-se de mostrar a preocupação por suas comunidades e o compromisso mais amplo com o movimento pelos direitos civis.
Entre as reivindicações da organização de Edwards estavam a devolução do título a Muhammad Ali e o banimento dos regimes de apartheid vigentes então: África do Sul e Rodésia (hoje Zimbábwe) e ainda a demissão de Avery Brundage como chefe do Comitê Olímpico Internacional, criticado por seu passado de supremacista branco e que usou o símbolo nazista como saudação nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, já sob ditadura hitlerista.
Smith e Carlos já haviam programado não aceitar receber as medalhas caso Brundage fosse o indicado para entregar-lhes as medalhas.
Enquanto alguns atletas negros de basquete aceitaram o boicote, os de atletismo decidiram fazer demonstrações ao receberem medalhas.
Eles foram criticados pela atitude diante do hino e da bandeira norte-americana mas Carlos respondeu que “quando eu ganho uma medalha, sou americano, não um negro americano. Mas se fizesse qualquer coisa errada já seria qualificado como ‘Negro’. O fato é que nós somos negros e somos orgulhos de sermos negros. A América Negra vai entender o que nós fizemos hoje”.
Como resultado do seu gesto, Smith e Carlos foram suspensos da condição de atletas do país pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos devido ao que eles consideraram “por aberta desconsideração aos princípios olímpicos” e, dirigindo-se ao Comitê Organizacional do México, pediu “desculpas pela descortesia e comportamento imaturo” dos atletas.
Carlos conta que “durante alguns instantes o silêncio foi tão grande “que se podia ouvir uma gia mijando sobre algodão. Me senti no olho de um furacão”.
“Logo depois começaram as vaias. Depois vieram os xingamentos: Vá pra África, Negro!”, conta o corredor.
Nos anos imediatamente depois do protesto, ele trabalhou como segurança em um bar noturno e também como zelador. Em um ponto teve que destruir móveis para aquecer a casa. A pressão sobre a família pela imprensa era grande. Seus filhos eram assediados na escola, diziam que o pai era um traidor. “O casamento entrou em colapso”, diz Carlos.
Com o tempo, a perseguição foi passando e, ele foi gradualmente convidado de volta para trabalhar com o atletismo. Tornou-se coordenador do Comitê Organizador em vistas às Olimpíadas de Los Angeles de 1984, e trabalhou para o próprio Comitê Olímpico norte-americano.
Estes dias, os atletas são considerados heróis e há uma estátua deles na Universidade do Estado de San Jose, onde eles estudaram e começaram a vida de atletas.