Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (3)
(HP 12/08/2015)
CARLOS LOPES
Esta terceira parte das denúncias do Ministério Público Federal contra o “Cartel do Bilhão” é sobre um dos fatos mais repugnantes – para quem se sente brasileiro – de todo esse rosário de imundícies.
Em termos monetários, é um golpe de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares) contra a Petrobrás, por parte da Odebrecht, mais especificamente, de seu braço petroquímico, a Braskem – uma empresa que é resultado da privatização da petroquímica no famigerado governo Collor, com a fusão, sob a Odebrecht, de seis empresas (Copene, OPP, Trikem, Nitrocarbono, Proppet e Polialden), depois sete, com a absorção da Politeno.
Na última quinta-feira, os jornais publicaram o resultado do balancete da Braskem/Odebrecht, referente ao segundo trimestre deste ano. Por exemplo:
“A Braskem (…) registrou lucro líquido de R$ 1,1 bilhão no segundo trimestre, quase dez vezes acima do ganho de R$ 128,5 milhões apurado um ano antes. O resultado reflete, principalmente, a melhora operacional da companhia, que foi beneficiada por spread (diferença de preço entre matéria-prima e produto final). A receita líquida da petroquímica avançou 6,8% entre abril e junho, perante igual período de 2014, para R$ 11,59 bilhões (…). Diante disso, o resultado operacional antes do resultado financeiro subiu 234%, para R$ 2,12 bilhões. De abril a junho, o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) da Braskem correspondeu a R$ 2,6 bilhões, alta de 131%” (Valor Econômico, 06/08/2015, grifos nossos).
Há poucos dias, a propósito de miraculosos resultados como esses (em meio a uma recessão em que a indústria já caiu -6,3% de janeiro a junho), um sujeito bobo, desses que o governo e a cúpula do PT, nos últimos tempos, se esmeram em usar, perguntou na Internet se agora era proibido às empresas ter lucro.
Obviamente, é claro que não. O que não é, nem pode ser permitido, é que monopolistas privados assaltem a Petrobrás, porque isso é a mesma coisa que assaltar o povo brasileiro. A função da Petrobrás sempre foi a de não permitir que o monopólio privado escalpele a Nação. Colocá-la a serviço dos escalpeladores é algo que nem a ditadura fez.
Quanto a Braskem, nem lembramos, ainda, que, desde 2003, ela recebeu R$ 3,6 bilhões em financiamentos do BNDES (operações diretas, indiretas e financiamento à exportação). Talvez mais, pois esse é o total obtido numa consulta rápida às operações do BNDES.
Resumindo: existe diferença entre um empresário e um achacador. Que o governo e a cúpula do PT não consigam perceber essa diferença – ou façam o possível para privilegiar os achacadores em detrimento dos empresários – diz mais a respeito do seu caráter de classe do que alguns tratados de sociologia.
O Caso Braskem, a esse propósito, é muito elucidativo. Condensamos, por razões de espaço, esse trecho da denúncia dos procuradores, já aceita pela Justiça, contra a Odebrecht. Mas não acrescentamos nada. Pelo contrário, até mesmo tiramos alguns tópicos – e nem por isso ela é menos nauseante para quem nasceu e ama o Brasil.
C.L.
Marcelo Bahia Odebrecht e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, na condição de gestores e administradores da Braskem S.A., ofereceram e prometeram vantagens ilícitas ao então Diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, diretamente e por intermédio de Alberto Youssef, para praticar, omitir ou retardar ato de ofício, violando desta forma o art. 333, parágrafo único, do Código Penal.
Em data incerta, mas antes do mês de janeiro de 2009, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar procuraram Alberto Youssef e José Janene para encaminhar a negociação da renovação do contrato de fornecimento de nafta da Petrobrás para a Braskem, de modo a obter uma rápida tramitação do contrato e ainda a redução do preço que vinha sendo pago pelo insumo.
Conforme o contrato então em vigor, a Petrobrás vendia nafta à Braskem praticando o preço internacional de comercialização (ARA), acrescido de US$2,00 por tonelada, ou “ARA + US$2,00”.
Era propósito de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar reduzir substancialmente o valor pago pela Braskem, além de obter um contrato de longa duração, sendo que para tanto José Janene foi procurado para que intercedesse junto a Paulo Roberto Costa, então Diretor de Abastecimento da Petrobrás, para que a proposta contratual da Braskem fosse aceita.
A nafta vendida pela Petrobrás às empresas brasileiras (notadamente a Braskem) vinha sendo comercializada com a fixação do preço a partir do ARA (acrônimo formado pelas iniciais das cidades de Amsterdam, Rotterdam e Antuérpia, três grandes portos da região dos países baixos que são responsáveis pela definição do preço internacional praticado na venda de nafta).
Paulo Roberto Costa, por se constituir em empregado ocupante de cargo diretivo na Petrobrás por indicação do Partido Progressista (PP), estava sujeito à ingerência de José Janene, sendo que atendia a pedidos deste para favorecer empresas e empreiteiras que firmavam contratos com a Petrobrás.
Em contraprestação, não só era mantido no cargo, como também recebia propina oferecida, e efetivamente paga, pelas empreiteiras contratadas pela Petrobrás. Dentro deste contexto, Janene foi procurado por Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar para “interceder” em favor da Braskem na precificação do novo contrato de fornecimento de nafta.
Foram então realizadas reuniões entre Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, de um lado, e José Janene, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, de outro, visando expor as necessidades da Braskem e ainda acertar em seu favor o valor que seria pago quando da celebração do novo contrato.
Assim, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, ofereceram a José Janene, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa vantagem indevida no montante de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares norte-americanos) que seriam pagos anualmente pelo prazo de duração do contrato.
De acordo com o que foi revelado por Paulo Roberto Costa, os valores relativos à propina paga foram divididos, sendo 60% destinados ao Partido Progressista (PP), 20% destinados ao pagamento de despesas operacionais (como a emissão de notas fiscais e outros documentos fraudados que embasariam a transação e ainda o pagamento de mensageiros), sendo os 20% restantes rateados entre Paulo Roberto Costa (70%) e José Janene e Alberto Youssef (30%). Com o falecimento de José Janene, Alberto Youssef passou a receber tal montante integralmente.
A proposta comercial inicial da Braskem foi encaminhada à Petrobrás prevendo como preço de comercialização da nafta o valor equivalente a 86% do preço internacional (0,86 da ARA). Tal proposta não foi aceita pela área técnica da Petrobrás, por se constituir em oferta vil, ainda mais considerando o valor de venda até então praticado com a Braskem, que assegurava à estatal o recebimento do preço internacional, acrescido de bônus (100% do ARA, acrescido de US$2,00).
Após sucessivas negociações a Braskem encaminhou nova proposta à Petrobrás prevendo uma fórmula para estabelecer o preço da nafta, que considerava as cotações de uma cesta de outros produtos petrolíferos, entre estes o eteno, propeno e o benzeno, além do petróleo Marlim, este de baixo valor comercial no mercado internacional, e que fazia com que o preço da nafta fosse reduzido muito aquém do preço internacional (ARA). De acordo com a fórmula apresentada, que em verdade não passava de um subterfúgio para que o valor da nafta decaísse em favor da Braskem e prejuízo da Petrobrás, ficou estabelecido que o preço deste insumo flutuaria conforme a cotação dos produtos e sua participação percentual.
De modo a “maquiar” o real propósito da Braskem e não refletir o prejuízo que a Petrobrás teria no contrato de fornecimento, foi estabelecido que o preço contratado flutuaria entre o piso de 92,5% e 102% do preço internacional da nafta (preço ARA), embora de antemão já se soubesse que o valor de comercialização ficaria sempre abaixo do piso previsto. O piso e o teto contratualmente estabelecidos, deste modo, seriam mero referencial formal, dado que a fórmula de preço adotada faria com que a comercialização se desse sempre pelo piso, como efetivamente veio a ocorrer, trazendo vultoso prejuízo à estatal.
Nesse proceder, por orientação de Paulo Roberto Costa foi elaborado o DIP – Documento Interno da Petrobrás AB-MC no 110/2009 de forma a contemplar em larga medida a proposta e os interesses da Braskem, o qual foi por ele submetido à reunião de Diretoria da Petrobrás no dia 12/03/2009, ocasião em que foi aprovado com ressalvas.
Nessa reunião, como se pode verificar do documento anexo, a celebração do contrato foi aprovada, porém com alterações, tendo o colegiado de diretores da Petrobrás aceito a proposta comercial, porém estabelecendo novo intervalo para flutuação do preço, fixado que foi entre 97% e 103%, o que faria com que o preço praticado não se afastasse de modo demasiado da cotação internacional da nafta.
Levada a decisão de Diretoria ao conhecimento da Braskem por meio de e-mail nesse mesmo dia, Marcelo Odebrecht e Bernardo Gradim [Nota HP: sócio da família Odebrecht], insatisfeitos, passaram a atuar junto a Petrobrás, com o apoio do diretor corrompido Paulo Roberto Costa, para reverter o decidido. [Nota HP: este fato é provado, no processo, com a correspondência eletrônica interna da Braskem/Odebrecht.]
No dia 20/03/2009, Marcelo Odebrecht e Bernardo Gradim, reuniram-se com Paulo Roberto Costa, juntamente com o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, para tratar do tema. Os documentos anexos demonstram que a reunião foi marcada com esse propósito e, ainda, o ingresso de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar no prédio sede da Petrobrás.
Nos dias que se seguiram o DIP AB-MC 110/2009 foi alterado, até que finalmente atendesse os anseios da Braskem e de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, permitindo a compra de nafta por preço muito abaixo daquele praticado internacionalmente – e que vinha servindo de padrão para os contratos da Estatal já firmados em território brasileiro.
Para justificar a contratação, a decisão que consta do “Sistema de Apoio às reuniões da Diretoria Executiva” foi modificada, passando a constar acréscimo de modo a refletir esta decisão, como se pode verificar da parte final do documento.
O mesmo se diga da ata da reunião, que somente foi lavrada quando aprovada a renovação contratual nos moldes pretendidos pela Braskem, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar.
Muito embora não tenha sido apresentado à Comissão Interna (CIA) qualquer justificativa ou embasamento técnico para os ajustes posteriores feitos no DIP AB-MC, os depoimentos prestados por Francisco Pais e José Raimundo Brandão Pereira apontam no sentido de que a alteração na aprovação do DIP AB-MC 110/2009 foi determinada por Paulo Roberto Costa, que teria obtido a chancela de tal decisão na reunião seguinte do colegiado de Diretoria.
Esta alteração da decisão do colegiado, capitaneada por Paulo Roberto Costa em prol dos interesses da Braskem, não foi registrada formalmente na ata da Diretoria respectiva, mas ficou registrada não apenas nos e-mails citados acima, trocados entre funcionário da Petrobrás e empregado da Braskem, como também em documento formal encaminhado por José Raimundo Brandão Pereira ao Diretor Paulo Roberto Costa no dia 27/03/2009, na qual se apresenta como “alternativa para a continuidade das negociações”.
Insta salientar que foi ventilada como justificativa para a celebração do contrato a negociação de contrapartidas econômico-financeiras, que envolveriam o fornecimento/compra de outros insumos entre a Petrobrás e a Braskem, sendo que tais negociações jamais evoluíram de forma satisfatória.
Como se extrai do relatório que concluiu a comissão de inquérito (CIA) constituída pela estatal para apreciar a regularidade do contrato, não houve compromisso efetivo de negociar tais contrapartidas, muito menos no sentido de que resultassem em desfecho que pudesse efetivamente compensar os prejuízos trazidos pelo contrato. Verifica-se, em verdade, que tais contrapartidas foram inseridas apenas como um subterfúgio para justificar formalmente a alteração da decisão do Órgão Colegiado sobre as balizas de piso e teto do preço de comercialização da nafta.
Assim, formalizada a decisão da reunião de Diretoria Executiva da Petrobrás, atendendo-se aos interesses escusos dos executivos da Braskem/Odebrecht, Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, foi assinado o contrato com a Braskem, o qual trouxe, ao longo de sua duração (quatro anos), prejuízo à estatal aproximado de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares norte-americanos).
Tal estimativa é formulada considerando sobretudo o fato de que a Petrobrás teve que importar ao longo de toda execução contratual, entre 2009 e 2014, comprando no mercado internacional, parte da nafta que fornecia à Braskem, sendo que para tanto pagava preços bastante superiores (preço ARA + custos de transporte) àqueles pelo qual vendia para a empresa de Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar (92,5% do ARA).
Em outros termos, em decorrência do preço de compra de nafta que a Braskem conseguiu impor à Petrobrás, obtido somente em virtude da influência proporcionada pela corrupção do Diretor Paulo Roberto Costa, a Petrobrás se viu compelida a adquirir nafta no mercado externo por um preço consideravelmente superior àquele pelo qual estava obrigada a vender para a Braskem, de modo que internalizou, em decorrência disso, grande prejuízo patrimonial.
Assim, essa estimativa de prejuízo leva em consideração o fato de a Petrobrás ter sido obrigada a importar parte significativa da nafta entregue à Braskem no período (percentual que chegou a 48% no ano de 2014), resultando num montante de US$ 1.020.000.000,00 (um bilhão e vinte milhões de dólares norte-americanos); e ainda considerando o prejuízo decorrente da venda do produto próprio (produzido pela Petrobrás) e vendido abaixo do preço internacional, US$ 800.000.000,00 (oitocentos milhões de dólares norte-americanos), no montante total de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares norte-americanos).
Tais valores foram estimados a partir do montante de nafta importado pela Petrobrás neste período para atender o contrato com a Braskem, bem como a diferença decorrente do preço que a Petrobrás poderia obter na venda caso a negociação não tivesse sido conduzida de forma a, deliberadamente, trazer-lhe prejuízo.
A celebração do contrato somente foi possível mediante a interferência direta de Paulo Roberto Costa, o qual, atendendo orientações de José Janene, aceitou a promessa de vantagem indevida formulada por Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar e, também recebendo-a, passou a zelar somente pelos interesses da Odebrecht na Braskem, em detrimento dos interesses da Estatal que dirigia.
A forte gestão de Paulo Roberto Costa para o atendimento dos interesses da Braskem em detrimento da Petrobrás neste contrato fica muito clara na correspondência eletrônica, datada do início do processo de negociação.
Assim, conforme os depoimentos de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, os denunciados Alexandrino Alencar e de Marcelo Odebrecht, para assegurar a celebração do contrato entre a Braskem e a Petrobrás, pagou propina no valor de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos) para cada ano de duração do pacto, valores estes que foram divididos entre Paulo Roberto Costa, José Janene e Alberto Youssef, na forma já descrita anteriormente. Após o falecimento de José Janene, os valores devidos à legenda do Partido Progressista (PP) continuaram a ser pagos a Alberto Youssef.
Procedendo desta forma, ao oferecerem e prometerem vantagem ilícita a empregado da Petrobrás para que praticasse ato de ofício, incorreram Marcelo Odebrecht e Alexandrino Alencar, nas sanções previstas no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, sendo que Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ao solicitarem, aceitarem promessa e efetivamente receberem vantagens para si, em razão do cargo que o segundo ocupava, para praticar ato de ofício, infringindo dever funcional, sujeitaram-se às sanções previstas no art. 317, caput e §1o, c/c art. 327, §2o, todos do Código Penal.