(HP 04/07/2014)
LUIZ ARAÚJO (*)
Após a sanção da Lei nº 13005/2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação para a próxima década, além do necessário balanço sobre o conteúdo da referida lei, começa uma corrida pela paternidade da lei, ou seja, distintos atores sociais tentam capitalizar a sua aprovação.
Como saber quem tem razão? Considero que dois critérios podem ser utilizados: a capacidade que cada ator teve para incorporar suas ideias no texto final e as movimentações que realizou durante sua tramitação. É importante associar estes dois critérios por que um dado ator social pode ter ideias que defende inseridas e isso pode não ter sido fruto de sua capacidade de incidir sobre o parlamento e, por outro lado, mesmo não inserindo tudo que queria, dado ator pode ter tido alta capacidade para impedir a inserção de ideias que contrariam seu interesse.
Vamos analisar os principais atores e buscar compreender as distintas atuações. Hoje começo pelo governo federal. Após a sanção há um esforço político da presidenta Dilma para capitalizar o PNE.
Sem sombra de dúvida o primeiro a ser analisado é o governo federal. Autor do Projeto original (PL nº 8035/10), é o ator com maior capacidade de influenciar o parlamento (possui maioria nas duas casas legislativas) e possui interesses diretos envolvidos no conteúdo da lei, especialmente na parte de financiamento. E, por ser ano eleitoral, possui a maior vontade de capitalizar politicamente a aprovação do PNE.
O texto aprovado levou quatro anos tramitando e este tempo é culpa direta do governo. Primeiro, por que o projeto original estava muito distante do conteúdo aprovado pela I Conae. Havia promessa do então presidente Lula de que o texto contemplaria suas deliberações (eu estava na plenária final e ouvi esta promessa!). A distância existente entre o texto e as ideias da Conae provocaram mais de 3000 emendas e o primeiro atraso na sua tramitação.
As principais polêmicas vivenciadas na tramitação envolveram diretamente os interesses da União e contaram com forte resistência do governo federal. Foi assim a batalha para inscrever 10% do PIB para a educação pública. O governo queria chegar a 7% ao final da década. Só deixou votar na Comissão Especial quando achou que ganharia a votação com a proposta intermediária do relator (cerca de 8%). Perdeu, apresentou recurso ao plenário, recuou devido pressão social, mas buscou diminuir o impacto da derrota neste item durante debate no Senado. Incluiu todos os gastos com o setor privado na conta dos 10% e retirou a palavra “pública” do texto. Acabou tendo uma meia vitória na votação final, posto que ficou 10% para educação pública, mas ficou também a possibilidade de contabilizar todos os seus programas direcionados a subsidiar o setor privado.
O governo federal foi responsável pela resistência em colocar qualquer percentual de participação pública em duas importantes metas: expansão do ensino profissional e ensino superior. Perdeu as duas votações. Na primeira foi aprovada 50% de participação pública (no caso estadual e federal) e na segunda foi inscrito que 40% das novas vagas devem ser públicas (federal e também estadual). A derrota não foi pelo convencimento do governo de que era necessário compromisso público com as metas d expansão em dois segmentos com alta taxa de participação privada. Não, pelo contrário, foram necessárias longas jornadas de mobilização da sociedade civil e constante pressão sobre os parlamentares.
Em uma questão que se tornou estratégica para o combate à desigualdade entre estados e municípios também o embate teve o governo federal como principal oponente. A garantia de dois anos para implementar um padrão mínimo de qualidade, materializado no custo aluno-qualidade (CAQ) teve também forte resistência do governo. E até o dia da sanção ainda corria forte boato de que a presidenta Dilma vetaria a estratégia que garante que ao ser implementado o CAQ, os estados e municípios que estiverem abaixo do padrão estabelecido devem contar com aporte financeiro da União.
Então, fico me perguntando se realmente o governo tem o direito de querer capitalizar o conteúdo do Plano Nacional de Educação. No que foi avanço, como regra, o governo tentou evitar que fosse aprovado. No que foi retrocesso, como regra, o governo estava trabalhando para a sua aprovação. Existem exceções? Claro que sim. Na Meta 4 e 5 o governo federal estava do lado certo, mas não foi a dinâmica principal da tramitação.
Sendo uma lei sancionada às vésperas do processo eleitoral e precisando estancar constantes quedas nas pesquisas, é natural que o governo faça festa com o conteúdo do PNE, mesmo que omita os retrocessos que patrocinou e faça de conta que ajudou a aprovar os avanços. E que articulistas governistas de plantão defendam tal versão em artigos e editoriais. Faz parte do jogo democrático brasileiro. Da mesma forma que é preciso registrar que a oposição conservadora (o nome já diz tudo né?) esteve junto com o governo em quase todos os retrocessos e patrocinou verdadeira cruzada fundamentalista na reta final da tramitação.
Se devemos buscar a paternidade do PNE, certamente o local certo não é vasculhar as salas ministeriais ou os gabinetes parlamentares da oposição conservadora. Deve-se buscar nos novos atores sociais que se mobilizaram para que novas vozes fossem ouvidas e arrancaram, com muita luta, pequenas e importantes vitórias.
*Luiz Araújo foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o início do governo Lula (2003-2004)