“E não privatizá-la”, afirma o professor Ildo Sauer. “São 50 a 70 bilhões de dólares por ano, ou seja de 250 a 300 bilhões de reais em lucros que poderiam estar sendo investidos na Educação Pública, na Saúde Pública, em Ciência e Tecnologia, etc”.
O professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, afirmou, em entrevista ao Jornal da USP, que a população brasileira, dona do petróleo, segundo a Constituição, e os consumidores, usuários de automóveis, caminhões e transportes públicos, são os mais prejudicados na disputa pelo excedente econômico criado com a exploração e comercialização do petróleo brasileiro.
GOVERNO NÃO ATENDE OS INTERESSES DO PAÍS
Os dois outros grupos, os acionistas, em grande parte estrangeiros, e as multinacionais, que passaram a ter acesso ao petróleo do pré-sal e aos ativos da Petrobrás que estão sendo torrados, são os mais beneficiados com a atual política brasileira. Os primeiros buscam os maiores lucros possíveis e no menor tempo e as petroleiras estrangeiras querem o petróleo para se apoderar do excedente econômico e querem que a Petrobrás seja toda vendida.
É principalmente a esses dois grupos que o governo atende, em detrimento dos demais e do país. A capacidade de refino do Brasil, segundo Ildo Sauer foi sendo reduzida para que se estabelecesse uma necessidade artificial de importação.
Esta narrativa garante a permanência da uma equiparação com preços internacionais e favorece os acionistas em detrimento da população e da economia do país. “São narrativas feitas para justificar a alternativa permanente da importação e garantir assim que o preços fiquem permanente internacionalizados”, disse Ildo.
“Os contratos, tanto da concessão quanto da partilha, fizeram o Brasil abrir mão de sua soberania nas definições que são tomadas em conjunto com a OPEP. Apesar de termos descoberto a maior província de petróleo do mundo das últimas décadas, com no mínimo 80 bilhões de barris, mas talvez tenha mais e chegue próximo ao que a Venezuela e a Arábia Saudita, temos tomado decisões que não levam em conta os interesses maiores do país, mas apenas os interesses dos grupos econômicos.
RECURSOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL
O professor analisa criticamente a partir de sua vivência no setor, a situação e as controvérsias históricas que envolvem a atual disputa no setor de combustíveis. Assista aqui:
“A Petrobrás e todos aqueles setores que têm uma capacidade enorme de gerar excedente econômico, a renda mineira, no caso da Vale, a renda petroleira, a própria renda agrícola, a renda hidráulica, ou seja, aqueles setores onde a diferença entre o custo direto de produzir alguma coisa, a alocação de capital e trabalho para produzir algo como o petróleo e o valor ou preço que que esses produtos atingem, como é o MW elétrico, a tonelada de ferro, etc.
Quando essa diferença é muito grande, há uma disputa enorme por esse excedente. Essa é a essência do sistema capitalista, que se serve da estrutura política e da estrutura empresarial para fazer essa disputa. Então a Petrobrás em maior ou menor intensidade sempre esteve no centro, assim como a Eletrobrás e o setor elétrico, toda vez que as vantagens comparativas dos potenciais hidráulicos estava em disputa. Assim como foi a privatização da Vale.
Isto é um conceito muito importante da disputa no sistema capitalista de produção. De um lado há a clássica disputa da mais valia, teoricamente era assim a categorização, entre a classe trabalhadora e a classe capitalista, que detém os meios de produção, mas onde, nesses espaços, há margem para o excedente econômico possível que é extremamente pequeno unitariamente falando. O excedente do petróleo é alto. Vamos aos números do petróleo no Brasil.
BRASIL TEM CAPACIDADE DE REFINO
No Brasil são produzidos cerca de 3,05 milhões de barris de petróleo por dia que multiplicados por 365 dias. dá algo como 1,1 bilhão de barris por ano. O custo direto, isto é só capital e trabalho, o custo de explorar e encontrar, e arrancar do fundo dos poços e colocá-lo no mercado. Este custo, capital e trabalho, sem transferências, está em 8 dólares.
No Brasil há as transferências mandatórias, tem que pagar royalties, que lamentavelmente tem ido para o que a gente já conhece e que é um exemplo da como não fazer as coisas. O petróleo que nós extraímos hoje pertence às gerações futuras cuja retirada nós antecipamos com o compromisso de deixar como herança no lugar dele benefícios em termos educacionais, em termos de infraestrutura, em termos de valor para as gerações futuras maior do que se o petróleo ficasse lá. Mas não é isso o que acontece.
Temos royalties, participações especiais, a fração da partilha que cabe ao governo, e que nós prevíamos que seria muito pequena, ao contrário do que se dizia quando em 2010 foi aproada a lei da partilha em lugar da lei das concessões, tem o imposto sobre a renda que é 27,5%, PIS, Cofins. Tudo isso somado com o imposto d renda, dá 34% sobre o excedente. Então, o custo direto, 8 dólares, mais essas transferências, que são objeto de política, dá para fazer outra destinação, isso faz parte da disputa, chega a trinta e poucos dólares, trina e cinco talvez.
O petróleo, ontem, estava em 100 dólares, se você abstrai dele, 8 dólares e custo direto, para simplificar, o excedente é 90 dólares. Esses 90 dólares é um valor conjuntural. Na Arábia Saudita e Venezuela o custo de produção direto é de 2 dólares, como na Arábia Saudita, por exemplo. O óleo de xisto americano tem custo de produção de 15 a 20 dólares. A diferença entre o custo e o preço está em 60 dólares, que estão em disputa. Vamos às contas, 90 dólares de excedente para um bilhão de barris de petróleo por ano, são 99 bilhões de dólares.
Recentemente a OPEP, que é quem fixa o preço do petróleo, que tem o poder hegemônico, porque embora ela produza cerca de 40% do que é consumido, é aquela fração que é essencial para fechar a demanda. O resto da produção é de países que não exportam petróleo. Os demais, apesar de produzirem muito, como é o caso dos EUA, ainda é importador. No arranjo do oligopólio em torno da OPEP, que são 13 países, e a Rússia e o México, que não são membros, mas que coordenam o preço e a produção da OPEP, os únicos grandes países produtores que não o fazem são o Canadá e o Brasil, deviam estar lá e não estão.
Interessa a esses países não deixar que o preço flutue, na teoria neoclássica do custo marginal de produção e o custo da última unidade produzida fixa o preço no mercado concorrencial. Quando você tem um oligopólio que controla isso, e a OPEP fez isso, ela foi criada em 1960 e fracassou em 1973, fracassou em 1979 e teve um enorme sucesso com a rearticulação da OPEP em 2003, 4 e 5, sob a liderança da Arábia Saudita e da Venezuela. Depois incorporou a Rússia a isso, aliás foi um dos elementos que permitiu a recuperação econômica da Rússia, que entrou em crise com a queda da União Soviética.
PAÍS PRECISA TRATAR PETRÓLEO COM SOBERANIA
Se o Brasil quer continuar sendo um exportador relevante, e ele é, o Brasil exporta hoje um milhão de barris por dia e importa 500 mil barris diários de derivados, tem que se associar á estratégia da OPEP na defesa dos preços. Questionado sobre a capacidade de reino do país, Ido disse que “as refinarias brasileiras estão adaptadas para processar petróleo pesado. Quem processa óleo pesado, processa óleo leve, e no pré-sal é tudo óleo extremamente leve. Se há importação de petróleo é marginal e pode ser perfeitamente ajustado para não depender dele”.
Capacidade de refino é de 2,39 milhões de barris por dia. Quando bem gerida opera 95% do tempo do ano. Até 2014 as refinarias operavam com 95% da capacidade. Entre 2014 e 2016, portanto antes da era do Temer, digamos assim, elas começaram a cair. Abrimos mão de 20% do refino brasileiro. Se ante operávamos 95% com o mesmo petróleo que tem hoje, e agora voltamos a operar com 95%, essas desculpas que têm sido dadas aí para a redução do refino não têm base técnica. Pode ter bases especulativas em ternos de preços internos e externos.
Dizer que precisamos importar são narrativas feitas para justificar a alternativa permanente da importação e garantir assim que o preços fiquem permanente internacionalizados. Os contratos, tanto da concessão quanto da partilha, fizeram o Brasil abrir mão de sua soberania nas definições que são tomadas em conjunto com a OPEP. Apesar de termos descoberto a maior província de petróleo do mundo das últimas décadas, com no mínimo 80 bilhões de barris, mas talvez tenha mais e chegue próximo ao que a Venezuela e a Arábia Saudita têm, tomamos decisões que só levam em conta os interesses das empresas que exploram o petróleo”.