As manifestações de Lula, agora solto, pelas quais se pode concluir que o país, sobretudo as forças progressistas, têm de girar em torno dele, não são uma surpresa.
É verdade que o tempo que ficou preso poderia ter-lhe servido para alguma reflexão mais profunda. Entretanto, pelas suas declarações agora, esse tempo não lhe serviu para nenhuma autocrítica ou pensamento produtivo. Pelo contrário, a prisão parece ter-lhe exacerbado a velha tendência: o que importa a Lula é Lula – e nada mais. O que menos interessa é o país – ou seja, o nosso povo – que tem importância apenas retórica, isto é, como demagogia.
Quanto às forças progressistas do país, não faz muito tempo que ele declarou que o PT “é o único partido que existe nesse país. O resto é sigla de interesses eleitorais em momentos certos” (v. HP 27/04/2019, “O PT é o único partido político que existe. O resto é sigla de interesses eleitorais”, diz Lula).
Em suma, os outros partidos existem para serem comprados pelo PT – e não resta dúvida de que o PT, para Lula, é apenas Lula. Os outros são algumas extensões de si próprio.
Assim, Bolsonaro, o maior inimigo e o maior problema do país, ao mesmo tempo, foi eleito devido “a uma campanha de fake news promovida contra o candidato do PT” e “o cara foi eleito democraticamente e nós aceitamos isso”.
Bolsonaro foi “eleito democraticamente” ou “devido a uma campanha de fake news”?
Ou, formulado de outra maneira: Bolsonaro coloca a democracia em risco ou é um fruto da democracia (e não da sua falsificação)?
Lula não acha que existe risco para a democracia. Sua preocupação, pelo contrário, é esperar pelas eleições presidenciais de 2022, fazendo campanha desde já.
O que a contradição acima revela – além do fato de que nenhuma demagogia consegue respeitar a coerência – é, precisamente, que a política de Lula é aliviar Bolsonaro, para concorrer com ele em 2022. E quanto mais desastroso seja o governo Bolsonaro, mais Lula acha que suas chances aumentam em 2022.
Trata-se de algo que merece maior atenção.
Sob a chefia de Lula, o PT entrou com pedidos de impeachment de todos os presidentes após o fim do governo Sarney – inclusive Itamar Franco.
Certamente, era uma palhaçada. Tanto assim que no caso de Collor o pedido de impeachment do PT foi isolado – não foi aquele que levou à remoção de Collor, assinado por Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère, amplamente apoiado pela sociedade.
Depois de pedir o impeachment de todos os presidentes que não eram do PT, agora, que há um fascista na Presidência, Lula renunciou até a essa palhaçada, para sustentar Bolsonaro – e até cobrar que ele “foi eleito para governar para o povo brasileiro, e não para os milicianos do Rio de Janeiro”.
O próprio Lula esclareceu:
“Se nós trabalharmos direitinho, em 2022 a chamada esquerda que o Bolsonaro tanto tem medo vai derrotar a extrema direita que nós tanto queremos derrotar.”
A “chamada esquerda” assim só é chamada para enganar os trouxas. Mas essa esquerda para enganar os trouxas tem, realmente, um nome: o dele.
Logo, que se danem os esforços para barrar o fascismo bolsonarista. O que importa é a candidatura de Lula em 2022 – por isso, Bolsonaro deve ser deixado com espaço para continuar arrasando o país, pois Lula acha que essa é a melhor forma de voltar à Presidência, daqui a três anos.
O problema é que, se Bolsonaro for deixado solto (“nós aceitamos isso”, disse Lula), quem garante que as eleições de 2022 acontecerão?
Portanto, o que Lula está propondo, com seu egocentrismo, é de uma irresponsabilidade criminosa.
Porém, nada de novo. Seu projeto para o país, desde a época da ditadura, sempre foi o de fazer com que todos sejam seus coadjuvantes – ou coisa pior do que coadjuvantes. O fato de não conseguir, ou de que isso seja impossível, nem por isso faz com que esse “projeto” seja diferente.
Ou seja menos repugnante, pois, para isso, vale tudo. Desde trair seu programa de campanha no dia seguinte à eleição até entregar o Banco Central a um ex-presidente mundial do BankBoston.
Ou, e com destaque, montar um esquema de propinas contra a Petrobrás e contra os fundos de pensão das estatais para, supostamente, eternizar-se no poder e locupletar alguns – inclusive ele próprio (para uma abordagem de um aspecto dessa última questão, v. HP 20/08/2018, PT diz que Lula enriqueceu com palestras).
Pois esse esquema não era apenas para beneficiar Lula ou as extensões de Lula. Era, também, para submeter, através do suborno, Temer, Cunha e outros zelosos vigilantes da propriedade pública.
Às vezes, com Bolsonaro na Presidência, é até difícil enxergar: qual o limite de Lula nesse seu “projeto”?
Ou, talvez, seja até mais fácil: até agora ele não respeitou nem o limite de facilitar o caminho de Bolsonaro para o poder. Não foi outra a sua “tática” eleitoral na campanha de 2018.
O maior mérito de Haddad como candidato, para Lula, era que ele não iria ganhar as eleições. Não é um segredo nem um demérito de Haddad. Quem ignorava que Haddad não ganharia as eleições?
Mas foi em Haddad que Lula se fixou. Pois, além de não lhe fazer sombra – ou seja, não ganhar – a candidatura de Haddad, ao mesmo tempo, impedia – como impediu – que um candidato do campo progressista ganhasse a eleição.
Lula preferia, já que não podia concorrer, que a direita ganhasse, esquentando a cadeira presidencial para ele até as próximas eleições. Todo o seu jogo foi nesse sentido.
É possível que Lula não tenha percebido que isso abriria as portas do Planalto para Bolsonaro. Talvez achasse que outro candidato da direita, mais civilizado (um Alckmin, por exemplo), fosse o beneficiário.
Mas o fato é que o beneficiado pela tática eleitoral de Lula foi Bolsonaro.
Se restassem dúvidas, é suficiente seu comportamento depois disso, inclusive agora, quando todos os democratas e patriotas procuram a edificação de uma ampla frente para impedir o avanço do fascismo.
É dele que vem a sabotagem a esses esforços. A recusa a qualquer coisa que não seja a submissão a Lula, equivale a aliviar Bolsonaro e quadrilha.
Só isso. E isso, por si só, é um crime. Contra a democracia, contra o país, contra cada brasileiro, até contra cada iludido lulista.
Antigamente, antes que a ditadura – como dizia o João Gilberto – escangalhasse com o país, falava-se muito contra a “inversão de valores”, o que era, aliás, muito justo.
Hoje, parece que os valores já foram tão invertidos, que temos de fazer a inversão da inversão.
Por exemplo, fazer uma festa porque, devido a uma mudança de entendimento – o que se chama “jurisprudência” – do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula foi solto, é algo muito peculiar, sob vários pontos de vista.
Lula estava preso devido a uma condenação por corrupção passiva – ou seja, recebimento de propinas – e lavagem.
O que ele conseguiu, até agora, com a decisão do STF, foi uma postergação do cumprimento de sua pena, uma procrastinação, ainda que esta possa ser, pelo sistema atual, até às calendas gregas.
Mas ele continua condenado – e por roubo de dinheiro público, isto é, por corrupção passiva e lavagem.
Lula não foi condenado por luta armada contra uma ditadura racista, como Mandela; não foi condenado por lutar pela independência de um país, como Tiradentes; não foi condenado por lutar contra o fascismo, como Gramsci e Thälmann; nem por afrontar os fariseus, como Jesus Cristo.
Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem. Por roubo de recursos públicos, por receber propina de uma empreiteira que roubava a Petrobrás.
Não falaremos aqui dos outros processos. Apenas frisamos que a mudança de jurisprudência do STF, que o soltou, entretanto, não o inocentou.
Evidentemente, mesmo que não houvesse essa mudança no STF, mais dia menos dia, Lula seria solto – até porque não existe prisão perpétua no Brasil, e, mais ainda, considerando a sua idade.
Aliás, ele já cumprira tempo de pena suficiente para que saísse da cadeia, indo para o regime semiaberto. Quem se recusou a sair foi ele.
Portanto, somente aquela trupe de estúpidos, que hoje é o apoio mais visível do bolsonarismo, pode ter pitis com a soltura de Lula.
Mas a euforia do lado lulista parece o avesso da histeria bolsonarista.
Pois, do ponto de vista judicial, permanece a condenação em três instâncias, por oito juízes.
Portanto, não basta a Lula dizer que “eu não tenho direito de ter ódio mais no coração”, e, ao mesmo tempo, babar de ódio em cima dessa alma penada do Moro e daquele bobo do Dallagnol, para convencer alguém – que não seja um fanatizado lulista, já convencido por antecipação – de que foi condenado injustamente.
Moro não foi o único juiz que o condenou; nem Dallagnol foi o único procurador que o acusou.
Restaria demonstrar que houve uma conspiração da qual participaram também o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – ao todo, oito juízes que examinaram o processo do triplex de Guarujá – e os procuradores que o acusaram no TRF-4 e no STJ.
Aqui, expomos algumas vezes as provas contra Lula. Por exemplo:
HP 19/07/2017, “O triplex não é meu” ou as provas que Lula garante que não existem
HP 22/01/2018, Uma pequena compilação das provas contra Lula (só no caso do triplex)
Entretanto, enquanto ele esteve preso, preferimos nos conter dentro de alguns limites bastante estritos. A soltura de Lula libera-nos, a partir de agora, dessa contenção.
Pois o problema político é gravíssimo – e permanece.
Há 100 anos que, no Brasil como em outros países, os progressistas – em especial, aquela parcela que é descrita, às vezes, como “esquerda” – são um sinônimo de honradez, de honestidade, de integridade, de abnegação, de defesa intransigente dos bens coletivos, da propriedade do povo.
Jamais a direita – mesmo quando Lacerda espargia da boca o seu mar de lama – conseguiu abalar a convicção de que esquerda e honradez sempre andam juntas.
Nunca houve corrupção que não fosse de direita – e continua não havendo.
Entretanto, Lula – e, claro, suas extensões – conseguiu não apenas afundar na corrupção, como fazer com que a direita corrupta se apresentasse como vestal contra a corrupção lulista, usando-a contra todos os democratas honrados deste país, para subir ao poder.
O que é Bolsonaro, senão o resultado desse crime?
CARLOS LOPES
BizoNalro e o resultado de muitos fatores, auferir somente aos erros do PT essa ascensão Fascista e fazer Reducionismo. Mídias Golpista, Judiciario Partidarizado, EUA, Neoliberalismo!
Com todo respeito, leitor, dizer que alguma coisa é “resultado de muitos fatores” equivale a não explicar coisa alguma, até porque essa explicação pode ser aplicada, no Brasil, a qualquer coisa, desde a viagem de Cabral – e até antes. O problema é: qual foi o fator de maior peso. Sempre existe aquilo que é o principal. Com tudo isso que você disse, o PT estava no poder. Portanto, é preciso explicar porque caiu – com um Congresso em que a maioria dos parlamentares apoiara Dilma nas eleições.
Perfeita a análise