CARLOS LOPES
O problema da segunda temporada de “O Mecanismo”, é que se trata de uma falsificação. O sr. José Padilha – que dirige sete dos oito episódios da temporada – poderá dizer, como disse sobre as críticas à primeira temporada, que “na abertura de cada capítulo está escrito que os fatos estão dramatizados”.
Entretanto, a palavra “dramatizado” não é sinônima de “falsificado”.
É óbvio que um roteirista ou diretor pode incluir conteúdo ficcional – por exemplo, um personagem que não existiu na realidade – em uma trama sobre fatos (fatos reais, como é hábito dizer). Muitas vezes, isso faz com que a exposição da verdade fique mais clara, mais nítida.
Entretanto, não é lícito apresentar o que não é verdade, como se verdade fosse, sobretudo quando se trata de acontecimentos políticos atuais, que ainda não se encerraram.
Aliás, Padilha parece muito ignorante sobre esses acontecimentos – e com uma infinita preguiça de estudá-los e tomar conhecimento deles.
Daí, a sensação de superficialidade absoluta, que invade o espectador, nas duas temporadas da série.
O ponto de vista em relação à História do Brasil, parece obtido em algum bar ou colóquio de “rede social” (por exemplo, as considerações do ex-delegado Ruffo sobre a Guerra do Paraguai são uma coletânea daqueles preconceitos contra o Brasil que, há 40 anos, eram expelidos por alguns cuca-frouxas, que achavam que esculhambar com a história do país, e com o seu Exército, era a mesma coisa que combater a ditadura).
Assim, o impeachment de Dilma Rousseff (“Janete Ruscov” na série, interpretada por Sura Berditchevsky) se torna a deposição de “uma presidente eleita democraticamente”, como diz a delegada Verena (Caroline Abras) – aliás, a personagem mais simpática da série.
Além disso, segundo a série, Dilma levou um impeachment porque não se dobrou a Cunha (isto é, ao “deputado Penha”).
Acontece que não foi isso que aconteceu (que o leitor nos perdoe a frase).
Existem 27 volumes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e mais o extenso e detalhado relatório do ministro Herman Benjamin – demonstrando que a campanha de Dilma, em 2014, e sua consequente eleição, se aproxima (para dizer o mínimo) de um atentado à democracia.
Como disse o ministro, os valores que a Odebrecht repassou ao PT “refletiram diretamente na chapa vencedora em 2014. Isso configura abuso de poder econômico”.
Poderíamos acrescentar que somente a JBS passou oficialmente R$ 54 milhões para a campanha de Dilma; que o PT recebeu, na campanha de 2014, oficialmente, R$ 131 milhões, 633 mil e 500 das empresas que assaltavam a Petrobrás, quase o dobro do segundo colocado, o PSDB (R$ 68.290.200), e do terceiro, o PMDB (R$ 64.760.000) – e não estamos contando aqui as ramificações desse esquema (por exemplo, a Odebrecht também passou dinheiro oficialmente pela Braskem e pela Cervejaria Petrópolis).
E poderíamos, também, acrescentar que o significado disso é apenas indicativo, pois, como disse, no TSE, o ministro Benjamin, “os valores não oficiais eram muito maiores do que os valores oficiais. No caso da Odebrecht, superam em muito os valores oficiais repassados”.
Em resumo, o dinheiro ilícito, dinheiro público roubado, desequilibrou a campanha eleitoral.
Além disso, a enxurrada de mentiras – e, inclusive, difamação contra adversários – que constituiu o marketing de Dilma em 2014 (houve quem falasse, Deus nos livre, em “novo paradigma” para as campanhas eleitorais), não teve comparação, até então, na História do Brasil. Nem mesmo Collor conseguiu chegar perto (v., p. ex., Campanha suja de Dilma atesta a falência moral de seu governo).
O que tem tudo isso de democrático?
Dilma foi beneficiária de um esquema antidemocrático e usou métodos frontalmente contrários à democracia em sua campanha.
Em seu relatório, o ministro Benjamin lista os seguintes delitos, que sufocaram a verdade eleitoral, na eleição de 2014:
1) A “propina-gordura” ou “propina-poupança” em contratos superfaturados na Petrobrás: “um projeto de financiamento de propina-gordura de longuíssimo prazo, totalizando R$ 22 bilhões. Era tanto dinheiro de propina que não havia nem como controlar. Propina era paga duas vezes, propina não era cobrada, ou era paga e quem recebeu nem sabia que fazia jus àquela propina”.
2) O repasse de propina para os marketeiros de Dilma, pelo estaleiro Keppel Fels, beneficiário de contratos da Sete Brasil, em 2014.
3) Os demais contratos da Sete Brasil para a construção de navios-sonda, com propinas destinadas ao PT.
4) As propinas advindas da “conta corrente permanente” com a Odebrecht.
5) A compra de tempo de propaganda para aumentar o espaço de Dilma e Temer no rádio e na televisão.
6) O pagamento para “Feira” (Mônica Moura, esposa e sócia do marketeiro João Santana) pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht (o departamento de propina), via caixa dois, em 2014.
7) As encomendas-fantasmas a cinco empresas, pagas pela campanha de Dilma e Temer.
Disse o ministro:
“Nós temos a palavra do dono do dinheiro, a palavra dos que participaram da entrega do dinheiro e a documentação impossível de ser forjada da correspondência do dono do dinheiro e do gerente principal deste evento, que era o senhor Alexandrino Alencar e o Fernando Reis.”
Argumentando sobre a falsificação da vontade dos eleitores, Benjamin frisou:
“Eu trouxe documentos e depoimentos prestados à Justiça Eleitoral que demonstram, a meu juízo, que ao longo dos anos, por intermédio de contas correntes mantidas com empresas contratadas pela Petrobrás, os cofres partidários foram engordados desequilibrando a paridade de armas no pleito e configurando abuso de poder econômico (grifo nosso).
“E quando isso vem com documentos que não contrariam, eu não tenho como votar diferente. Não posso ser mais realista do que o dono do dinheiro [Marcelo Odebrecht], especialista num esquema de corrupção. Nós temos a palavra do dono do dinheiro, a palavra dos que participaram da entrega do dinheiro e a documentação impossível de ser forjada da correspondência do dono do dinheiro e do gerente principal deste evento, que era o senhor Alexandrino Alencar e o Fernando Reis.
“É um emaranhado, mas, no final das contas, tudo se resume numa conta ilícita de R$ 150 milhões que era utilizada na campanha.”
E concluiu o seu voto:
“Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão” (grifo nosso).
Nesse processo, Dilma e Temer (haja dupla) escaparam da condenação – mas apenas devido às artes do sr. Gilmar Mendes, que, na série, aparece como um conspirador contra Dilma, de nome Maximiliano Carrascosa.
No julgamento do TSE, o legítimo Mendes, então presidente daquele tribunal, conseguiu que a maioria votasse a favor de ignorar as provas obtidas pela Operação Lava Jato.
Foi assim que Dilma e Temer foram absolvidos.
Passando por cima das provas.
ESTELIONATO
Quanto ao impeachment, o que o possibilitou não foram as “pedaladas fiscais” (embora, não é verdade, como é dito na série, que todos os governos fizeram a mesma coisa. Pelo menos, não no mesmo grau: v. HP 08/04/2016, “Pedaladas fiscais” dispararam no governo Dilma, diz relatório do BC e HP 16/10/2015, A ilibada Sra. Rousseff e o roubo ao Brasil).
O que tornou possível o impeachment de Dilma foi seu escandaloso estelionato eleitoral.
Depois de dizer, na campanha eleitoral, que era contra a política neoliberal de “ajuste”, empreendeu, com a nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda, um brutal “ajuste” que deixou milhões sem emprego.
Depois de dizer que não haveria corte nos direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”, assinou, poucos meses depois, duas Medidas Provisórias cortando direitos dos trabalhadores (v. HP 28/01/2015, Dilma montou corte de direitos do trabalhador antes da eleição).
Esse estelionato, traumático para a maioria dos eleitores, é inteiramente omitido em “O Mecanismo”.
Não é qualquer coisa: trata-se de um dos momentos mais terríveis da trajetória governamental do PT – e estamos assim falando porque não houve protestos da cúpula petista contra uma clara traição ao povo.
O problema é que, sem essa traição, o impeachment deixa de ter qualquer lógica. Foi o estelionato eleitoral que fez com que Dilma fosse repudiada por milhões de pessoas que votaram nela apenas alguns meses antes – sem contar as que não votaram, mas, certamente, não seriam essas que iriam defender o mandato de Dilma.
“Ajuste” é o nome que os neoliberais dão ao aumento da apropriação de recursos pelo setor financeiro, parasitário da economia. Esses recursos, obviamente, são desviados do Estado e do setor produtivo da economia, que, por isso, têm sua participação diminuída no produto social.
A aberração é que o setor financeiro nada produz, mas aumenta a sua parcela, tomando uma parte dos recursos do setor produtivo e do Estado – isto é, da coletividade.
Somente para resumir a política de Dilma que a levou à queda, a transferência de recursos, sob a forma de juros, do setor público para o setor financeiro, em 2015, foi a maior de toda a História do Brasil: R$ 501.785.916.373 (501 bilhões, 785 milhões, 916 mil e 373 reais).
Por fim, quanto à relação com Cunha, quem desembarcou primeiro foi Cunha – e não Dilma, que demorou um bocado (v. HP 04/12/2015, Depois de 10 meses, Dilma se lembra que Cunha é um bandido).
REVISÃO
A primeira temporada de “O Mecanismo” era tosca, grosseira – e, com isso, ajudava um bocado Lula e o PT a passar por vítimas, por alvos de uma suposta campanha odiosa, de uma suposta perseguição política.
Quando Dilma Rousseff reclamou que a frase “estancar a sangria” (isto é, impedir a continuação da Lava Jato) não fora dita por Lula (na série, “Higino”), mas por Romero Jucá, presidente nacional do PMDB, Padilha respondeu:
“‘O Mecanismo’ é uma obra-comentário. Na abertura de cada capítulo está escrito que os fatos estão dramatizados, se a Dilma soubesse ler, não estaríamos com esse problema. Esse é um debate boboca, mas que revela algo: se a principal reclamação é o uso desta expressão, pode-se imaginar que o público petista está achando difícil negar todo o resto. Nada a dizer quanto aos roubos e desvios de verba públicas praticados por Higino e Tames com os empreiteiros…? Hummm… Interessante.”
Pois, na segunda temporada, “Higino” (Lula) continua um ladrão, mas é um pequeno ladrão, que, apesar disso, foi o maior presidente que o país já teve.
Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart – contra os quais seus inimigos, mesmo durante os 21 anos de ditadura, não conseguiram encontrar um ato de corrupção – devem ser desconhecidos de Padilha.
Há poucos dias, ouvi de um dirigente do PDT: “O mais incrível é que se essa gente [Lula e o PT] tivesse roubado para fazer a coisa certa, mudar o país, ainda seria desculpável. Mas eles roubaram para deixar o país como estava, fora um bolsa-família aqui e ali”.
Disse a ele o que já escrevemos aqui no HP: ninguém rouba para fazer a coisa certa, ninguém rouba para ser a favor do povo e do país.
Realmente, não carece integridade para nomear Henrique Meirelles no Banco Central ou Joaquim Levy na Fazenda.
A Dilma (“Janete”) da segunda temporada de “O Mecanismo”, com sua suposta inflexibilidade de princípios, é uma personagem tão falsa quanto a “Janete” avacalhada da primeira temporada.
Mas, por que Padilha – não atribuímos isto à sua roteirista – mudou os personagens?
Pela mesma razão que decidiu fazer uma série sobre acontecimentos que ainda estão em curso: por oportunismo.
Não é a primeira vez: o filme “Ônibus 174”, de 2002, mostra os policiais do Bope de uma forma terrível. Já em “Tropa de Elite 1”, de 2007, o Bope é o repositório de todas – literalmente, todas – as virtudes da PM do Rio de Janeiro. Fora dele, não há salvação.
Padilha sempre bajula a consciência ou a tendência da hora. Daí esse tipo de contradição, cultivada no solo de uma ignorância fora do comum.
Assim, a diferença entre a primeira e a segunda temporada de “O Mecanismo” chama-se Bolsonaro.
A revisão feita nos personagens é expressa pelo personagem principal e narrador da série, Marco Ruffo (Selton Mello): como consequência das investigações da Lava Jato, criou-se “um vazio”. Bolsonaro teria ocupado esse “vazio”.
Padilha não é tolo a ponto de não perceber que o governo Bolsonaro tem como futuro – inclusive a curto prazo – o desastre. Além disso, com a extraordinária receptividade que Bolsonaro alcançou nos EUA e outros países centrais, Padilha rapidamente se adaptou à situação.
Daí, a revisão dos personagens, inclusive do juiz Paulo Rigo (Otto Jr.), que se transforma, no final da segunda temporada, em uma espécie de êmulo de Mr. Hyde.
Quem manda o Moro entrar no Ministério de Bolsonaro…
Mas, se a alternativa a Bolsonaro for o PT, o país está lascado. Padilha, sejamos justos, percebe esse problema, daí o monólogo final de seu personagem principal – mas a única alternativa que ele encontra é deixar pra lá esses problemas e se dedicar, unicamente, à família.
Porque, no final das contas, tudo é culpa da história do Brasil. Os castelos de cartas erguidos pelo ex-delegado Ruffo, significam que o PT apenas se inseriu na corrupção que nos assola desde que Cabral deixou aqui aqueles dois degredados – certamente, dois ladrões – mencionados na carta de Caminha.
O que é inteiramente falso. Nunca houve, antes, um esquema como aquele montado contra a Petrobrás e os fundos de pensão das estatais, em que a troca de superfaturamento por propinas significou um ataque à nossa empresa mais estratégica e mais popular.
Não é à toa que Dilma gostava tanto do Eike Batista. Aliás, só para relembrar:
“O Eike é o nosso padrão, nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado” (Dilma Rousseff, abril/2012).
Não concordo em 100% com a fala de Bolsonaro em relação a manifestação contra o corte educacional, mas sabemos bem que, conforme noticiado diversas vezes pela mídia, há sim, universitários inescrupulosos que mancham a beleza da Educação, no entanto dizer que a manifestação em apoio a Bolsonaro foi mínima, é um verdadeiro absurdo. Tenho amigos em diversas regiões do Brasil e todos comentaram o quanto foi volumosa, inclusive aqui, onde moro, foi realmente o inverso, infelizmente a favor da Educação foram gatos pingados, já a favor de Bolsonaro foi indiscutívelmente, um grande número de pessoas! Está difícil acreditar na mídia! Parece que temos que fazer como São Tomé, ver para crer!
A senhora pode acreditar no que quiser. O problema é que aquilo em que acredita não é necessariamente verdade. Onde está, nessa crítica a uma série de TV, a afirmação de que as manifestações do Bolsonaro foram “mínimas”? Não tente nos impingir uma posição que não é nossa. Parece coisa do PT. Só por curiosidade: a senhora diz que não concorda com 100% do que o Bolsonaro disse sobre as manifestações contra os cortes na Educação. Então, concorda com quanto? 90%? 80%? 70%?
São muitos os idiotas úteis que apoiam o soldadinho
O autor da matéria parece militante ou simpatizante do PT
Você não leu a matéria. Se tivesse lido, não escreveria isso.
Com certeza não leu.
Cara, como você é burro. Leia de novo a matéria. Ela é totalmente antipetista.
Ele só diz a verdade sobre o que vimos dos partidos que temos na nossa dita ¨democracia¨ que foi bem mostrado na devida série retratando a realidade da corrupção do nosso país que infelizmente está em todos os partidos mas o PT foi realmente o pior rsrsrsrs… Enfim, ou o rapaz não leu mesmo ou não sabe interpretar!!!
Sintam-se obrigados a fazer uma crítica da minissérie Chernobyl. Queria saber como os soviéticos se defenderam das acusações de que não estavam preocupados com a vida dos civis.
Obrigado pela sugestão – ou pelo aviso. Vamos ver.