UALLACE MOREIRA*
O mercado interno chinês é o seu grande trunfo para superar os bloqueios dos EUA. Com geração de empregos e expansão da renda, o mercado interno cresce em tamanho e poder de consumo.
De acordo com os indicadores da tabela, ao longo dos últimos anos há um crescimento da renda disponível per capita das famílias no país em todos quintis. A taxa média de crescimento entre 2014 e 2018 é muito similar para todas as categorias, próximo de 8%.
O indicador de renda em todos quintis mostra que o crescimento econômico e a expansão do PIB per capita da China está associada ao fortalecimento do mercado interno, consolidando assim o país como um player no mercado internacional, em particular para os produtos agrícolas.
Quando avaliamos o tamanho da população chinesa, hoje em 18,5%, fica nítido que o país é o maior mercado mundial, em termos de tamanho, e com o crescimento do PIB per capita e melhor distribuição de renda, seu potencial de mercado interno impressiona.
Vejam o exemplo do poder desse mercado interno: no mês passado, a Huawei ultrapassou a Samsung na lista de maiores fabricantes de smartphones do mundo no segundo trimestre do ano. Isso foi alcançado basicamente por causa do mercado interno chinês.
Recentemente, o país anunciou a chamada “Dual Circulation Strategy”, como nova estratégia do duelo econômico contra os EUA. O objetivo é focar em inovação e fortalecer o mercado interno.
O que é o “Dual Circulation Strategy? Duas linhas de ação:
- 1ª estratégia: fortalecer o mercado interno.
- 2ª estratégia: investimento tecnológico.
Essas duas dimensões são essenciais para a China formar Joint Ventures, com condicionalidade de transferência de tecnologia.
Primeiro, a China vem tentando aumentar o consumo das famílias na composição do seu PIB, tornando assim o mercado interno uma das principais variáveis do crescimento, reduzindo a participação das exportações.
O valor bruto das exportações da China caiu pela metade como proporção do PIB desde 2007 e o consumo interno respondeu no ano passado por 60% do crescimento do PIB. Mas o consumo privado em 2019 ainda era baixo, de 39% do PIB, acima dos 35% em 2010.
Em segundo lugar, a ênfase no aumento da autossuficiência econômica é uma extensão de estratégias anteriores, incluindo “Made in China 2025”.
O plano é alcançar o domínio tecnológico em um conjunto de tecnologias avançadas e a agenda para “reforma estrutural do lado da oferta” revelado em 2015.
O Plano de US$ 1,4 trilhão para dominar a indústria mundial de semicondutores faz parte dessa estratégia de busca por autossuficiência. Veja o fio em que explico o plano com mais detalhe.
Outra dimensão importante da estratégica de fortalecimento do mercado interno é o setor de serviços.
A China tem acelerado a abertura do setor de serviços enquanto os EUA tenta cortar o comércio, educação e intercâmbio de tecnologia.
Na The China International Fair for Trade in Services, em Pequim, ficou claro que a exploração do mercado interno vai fazer parte da ofensiva China para mostrar que continua aberta para negócios após controlar o surto de coronavírus e enfrentar os bloqueios dos EUA.
A China está respondendo com promessas de abertura voltadas para empresas estrangeiras e a comunidade de investimentos, especialmente os dos EUA. A este respeito, a feira de serviços parece fazer parte da ofensiva da China para mostrar que continua aberta para negócios.
Conclusão: por mais que os riscos das sanções sejam reais e possam afetar fortemente empresas chinesas de tecnologia, caso da Huawei, a China tem como grande trunfo seu mercado interno, com possibilidades futuras muito mais promissoras do que os mercados do ocidente.
*Uallace Moreira é mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP e professor da Faculdade de Economia da UFBA.
Artigo publicado originalmente no Portal Disparada