
MP “Brasil Soberano” cria crédito de R$ 30 bi, flexibiliza tributos e autoriza compras governamentais. O presidente disse que o país está firme e sereno e que “a crise existe para que possamos criar novas coisas”. “A humanidade criou grandes coisas em tempos de crise”, lembrou
O presidente Lula afirmou que as sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil têm “teor político e ideológico” e se inserem em uma ofensiva contra o multilateralismo. Ele destacou que o país deve responder de forma firme e serena. “É importante a gente dizer que a gente não deve ficar apavorado, nervoso e muito excitado quando vem uma crise. A crise ela existe para a gente criar novas coisas. A humanidade criou grandes coisas que salvaram a humanidade em tempos de crise”, apontou o líder brasileiro.
TARIFAS INADMISSÍVEIS
Lula reafirmou que não há motivo para a retaliação americana ao país. “Nesse caso o que é desagradável é que as razões justificadas para impor sanções ao Brasil não existem”, afirmou, lembrando o superávit dos EUA com o Brasil. “Na questão comercial, por exemplo, é inadmissível alguém dizer que tem déficit com o Brasil quando nos últimos 15 anos o superávit deles foi de US$ 410 bilhões”, observou Lula.
“A segunda coisa”, prosseguiu o presidente, “é que aqui no Brasil temos um Judiciário autônomo, que está garantido na nossa Constituição de 1988 e que nem Executivo nem o Legislativo têm nenhuma incidência com relação a julgamento que está acontecendo na Suprema Corte”. Agora, disse Lula, “o time do governo está passando a bola para o time da Câmara e do Senado. A bola está com vocês”, afirmou o presidente, dirigindo-se aos presidentes da Câmara e Senado, presentes ao ato. “Quanto mais rápido a MP for votada menos os afetados vão sofrer”, destacou.
Lula elogiou o trabalho das equipes de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Para o presidente, crises não devem paralisar o país: “A crise existe para a gente criar novas coisas”, afirmou. As declarações do presidente foram dadas no mesmo evento que marcou a assinatura da medida provisória “MP Brasil Soberano”, no qual Lula defendeu a busca por novos mercados e rechaçou acusações de violações de direitos humanos no país.
Assista a solenidade de assinatura da MP Brasil Soberano
“Ninguém está desrespeitando regras de direitos humanos como estão tentando apresentar ao mundo”, disse Lula. “Nossos amigos americanos, toda vez que resolvem brigar com alguém, tentam criar uma imagem de demônio contra as pessoas que eles querem brigar. É assim com a América Latina, com o mundo árabe, com os russos, com países asiáticos”, assinalou o chefe do Executivo.
AQUI SE RESPEITA DIREITOS HUMANOS
“O Brasil não tinha efetivamente nenhuma razão para ser taxado e tampouco aceitaremos qualquer pecha de que no Brasil não respeitamos os direitos humanos e que o julgamento [de Jair Bolsonaro] está sendo feito de forma arbitrária”, declarou. “Na verdade o que estamos fazendo é o que é feito apenas em países democráticos: julgando alguém com base em provas coletadas e testemunhas e com total direito de presunção de inocência. Isso é democracia elevada a sua quinta potência. Coisa que eu não tive quando fui julgado. E eu não reclamei”, acrescentou o presidente.
Ao rebater as críticas de Trump, Lula citou o processo brasileiro e o comparou aos episódios de 2022 e citou conversa com o presidente dos Estados Unidos. “Eu disse ao presidente Trump: o que tivesse acontecido no Brasil o que aconteceu no Capitólio ele estaria sendo julgado aqui também”, afirmou. “Aqui, depois da Constituição de 1988, a gente pode encontrar algum defeito, mas a verdade é que a justiça nesse país tem que ser para todos, para brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, para empresas brasileiras e empresas estrangeiras radicadas no Brasil”, apontou Lula.
O presidente cobrou reação com foco em diversificação comercial. “Não vamos chorar perdas. Vamos ter que procurar outros parceiros”, disse, ao relatar contatos recentes: “Liguei para o Xi Jinping essa semana e uma das coisas que eu falei foi dos pés de galinha. Nós vamos continuar vendendo… Se os Estados Unidos não querem comprar, vamos procurar outro país. Em vez de ficar chorando aquilo que nós perdemos, vamos ficar procurando ganhar em outro lugar. O mundo é grande, está ávido para fazer negociação com o Brasil”, argumentou.
ATAQUE AO MULTILATERALISMO
Para Lula, a motivação das sanções extrapola o campo econômico. “Acho que existe por trás uma necessidade muito grande destruir uma coisa chamada ‘multilateralismo’, que é o que permitiu que o mundo tivesse um comércio mais equilibrado, uma coisa mais harmônica, feita através da OMC”, afirmou. “Estamos num debate que não é econômico. É um debate político com teor ideológico. A razão pela qual o presidente norte-americano anuncia punir o Brasil por causa do ex-presidente, se ele conhecesse a verdadeira história, ele daria parabéns à Suprema Corte brasileira por estar julgando alguém que tratou de bagunçar a democracia brasileira”, destacou.
Lula disse que o governo não aceitará interferências. “Quero dizer para empresários e trabalhadores: a gente vai tentar fazer o que estiver ao nosso alcance para minimizar o problema que foi causado conosco”, afirmou. “A única coisa que precisamos exigir é que a nossa soberania é intocável. Ninguém dê palpite nas coisas que temos que fazer. Falar de direitos humanos no Brasil já foi importante em outras épocas. Mas agora para falar em direitos humanos no Brasil tem que olhar para o país que está acusando o Brasil”, defendeu.
O presidente criticou o comportamento de Trump e lembrou que ele está alterando uma relação bilateral que tem mais de dois séculos. “O que está sendo jogado fora é uma relação de 201 anos de história. Nós relevamos até o golpe de 1964”, disse. “Nem lembramos o que foi o papel da embaixada americana aqui no Brasil, o que foi o papel de navio de guerra dos EUA no nosso mar. Tudo isso a gente não esqueceu mas não coloca mais em conta. Porque nós somos da paz”, prosseguiu, destacando que acabou de ser informado de que “estamos fazendo 400 novos acordos comerciais em dois anos e meio”.
MEDIDAS DE SOCORRO
Durante a cerimônia, o governo apresentou a primeira parte do pacote de medidas para socorrer empresas afetadas pela cobrança de sobretaxa de 50% para produtos brasileiros pelos Estados Unidos. A principal medida anunciada foi a criação de uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para auxiliar empresas impactadas pelo tarifaço. O acesso às linhas estará condicionado à manutenção do número de empregos.
Também foi prorrogado, por um ano, o prazo para que as empresas consigam exportar mercadorias que tiveram insumos beneficiados pelo chamado “drawback”. O mecanismo foi criado para incentivar as exportações, permitindo a suspensão ou isenção de tributos na importação de insumos utilizados na fabricação de produtos que serão exportados. Além disso, a Receita Federal fica autorizada a fazer diferimento (adiamento) de cobrança de impostos para as empresas mais afetadas pelo tarifaço. Essa prática já havia sido adotada anteriormente durante a pandemia da Covid-19.
O governo também anunciou que as empresas exportadoras terão crédito tributário (valores a abater em impostos) para que suas vendas ao exterior sejam desoneradas. As grandes e médias empresas passam a contar com até 3,1% de alíquota, e as micro e pequenas, com até 6%. Essa medida terá impacto de R$ 5 bilhões até o fim de 2026. As empresas exportadoras, principalmente as pequenas e médias, terão mais acesso a operações de seguro, que protegem o exportador contra riscos como inadimplência ou cancelamento de contratos.
COMPRAS PÚBLICAS
Outra decisão é que a União, estados e municípios poderão fazer compras públicas para seus programas de alimentação (para merenda escolar, hospitais etc.). A medida vale apenas para produtos afetados pelas sobretaxas dos EUA. O governo anunciou, ainda, que continuará trabalhando para diversificar mercados, ou seja, buscando novos países compradores dos produtos sobretaxados pelos Estados Unidos. Para garantir a manutenção do emprego para as empresas beneficiadas, o governo anunciou a criação da Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego.
Geraldo Alckmin detalhou a prorrogação, por um ano, do crédito tributário para empresas que importam para produzir. Segundo ele, o chamado “drawback” é uma das ferramentas para a redução de custos em operações de comércio exterior. Também em resposta ao tarifaço, Alckmin mencionou que as compras governamentais, de municípios, estados e da União, devem priorizar produtos produzidos por empresas afetadas pelo tarifaço de Trump.
INDÚSTRIA SE DEFENDE
O presidente da CNI, Ricardo Alban, informou que a entidade contratou escritórios de advocacia para defender seus interesses nos EUA. A CNI também vai atuar com lobby para tentar reduzir as tarifas dos EUA. “Nada justifica sairmos de um piso para um teto”, disse. Alban destacou a importância de buscar novos mercados para os produtos brasileiros e elogiou as “medidas paliativas” adotadas pelo governo. “Vamos trabalhar para que essas medidas possam ser superadas o mais breve possível”, declarou.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a tarifa é “injustificável” do ponto de vista econômico e político. “O Brasil é um país que está sendo sancionado por ser mais democrático do que o seu agressor. É uma situação inédita e muito incomum no mundo”, disse.
Levantamento divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) na semana passada mostra que pouco mais da metade das exportações brasileiras aos EUA terão tarifa de 50% para entrar no país. Segundo o estudo, 41,4% da pauta exportadora brasileira aos EUA, com 7.691 produtos de variados setores, está sujeita à tarifa combinada de 50%. Os setores com maior número de produtos exportados afetados pela sobretaxa combinada de 50% seriam:
Vestuário e acessórios (14,6%)
Máquinas e equipamentos (11,2%)
Produtos têxteis (10,4%)
Alimentos (9,0%)
Químicos (8,7%) e
Couro e calçados (5,7%).
Leia o plano: