“Cortar despesa pública real num momento em que a economia precisa crescer de forma acelerada e sustentada para melhorar substancialmente a vida das pessoas, em lugar de migalhas, é não apenas conspirar contra o desenvolvimento, mas contra a própria Democracia”, destacou o economista
O economista e professor Nilson Araújo de Souza, afirmou, nesta sexta-feira (5), em entrevista ao HP, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “está indo longe demais na implementação do engessamento fiscal que ele embutiu em sua proposta de Arcabouço Fiscal”. “No afã de zerar o déficit neste e no próximo ano, está jogando a população contra o governo e, por consequência, contra o presidente Lula”.
Nilson Araújo criticou as limitações impostas pelo arcabouço fiscal e pelas metas “incumpríveis” do ministro. “O engessamento fiscal do Arcabouço (limite máximo para crescimento da despesa e metas incumpríveis de déficit zero, a não ser que se promova um brutal arrocho nos “gastos primários”) está limitando o investimento público, fundamental para alavancar o crescimento da economia, e agora o Haddad pretendia também cortar o gasto social”, afirmou.
Para o economista, “desenvolver o país e evitar o retorno do fascismo ao poder, é preciso enfrentar com ousadia esses dois problemas. Com esses bilhões escorrendo pelo ralo, Haddad insiste em cortar tostões dos mais pobres, como reclama Lula. Além da submissão à banca da Faria Lima, esse comportamento denota falta de humanidade”. Confira!
HORA DO POVO – O que você acha dessa discussão sobre a mudança nos pisos constitucionais e a desvinculação dos benefícios da previdência?
NILSON ARAÚJO – Haddad está indo longe demais na implementação do engessamento fiscal que ele embutiu em sua proposta de Arcabouço Fiscal. No afã de zerar o déficit neste e no próximo ano, está jogando a população contra o governo e, por consequência, contra o presidente Lula.
Alguns exemplos revelam isso. Primeiro, ao impedir qualquer reajuste salarial para os professores e demais trabalhadores da educação das universidades federais, que, em resposta, realizaram vários meses de greve. Segundo, mandou para o Congresso um projeto de lei que elimina os incentivos às prefeituras dos pequenos municípios e pequenos empresários.
Terceiro, enviou projeto de lei para taxar em 60% as miudezas importadas da China pela população mais pobre; depois de muita reação do Congresso e da sociedade e, inclusive, do presidente Lula, ele aceitou uma taxa menor (20%). Por último, mas não menos importante, ganhou o governo para distribuir o lucro extraordinário da Petrobras entre seus acionistas, em lugar de realizar investimentos, como prometera Lula. O objetivo, além de beneficiar os acionistas minoritários (basicamente fundos estadunidenses), era “fazer caixa” no Tesouro rumo ao déficit zero.
E agora Haddad vem com essa de acabar com os pisos constitucionais da educação e saúde e desvincular do salário mínimo as aposentadorias e pensões, bem como os benefícios previdenciários. Ainda bem que Lula não aceitou essa excrescência financeirista contra os trabalhadores e a favor da Faria Lima, pois, se o fizesse, jogaria na sarjeta sua história.
Mas a alternativa encontrada foi igualmente ruim: para este ano, realizar contingenciamento e bloqueio do orçamento; para 2025, cortar despesa nos benefícios sociais, previdência, bolsa família, etc., em mais de 25,9 bilhões de reais, supostamente para combater a fraude (operação “pente fino”). Alguém acredita que vão encontrar aí esses bilhões ou irão aproveitar a “deixa” (“já que estamos aqui…”) para avançar na previdência e nos benefícios sociais?
Uma pergunta que não quer calar: já que se pretendia cortar gastos, por que não se aproveitou a “deixa” para cortar parcela importante dos chamados gastos tributários (um volume de quase R$ 600 bilhões), sendo que boa parte deles sem qualquer utilidade social, como, por exemplo, gerar emprego.
Ora, cortar despesa pública real num momento em que a economia precisa crescer de forma acelerada e sustentada para melhorar substancialmente a vida das pessoas, em lugar de migalhas, é não apenas conspirar contra o desenvolvimento, mas contra a própria Democracia.
HP – Fernando Haddad ajudou o governo Lula ao criar o arcabouço fiscal? Ele segue ajudando ao definir a meta de zerar o déficit fiscal este ano e no próximo?
NILSON ARAÚJO – Nem de longe. O engessamento fiscal do Arcabouço (limite máximo para crescimento da despesa e metas incumpríveis de déficit zero, a não ser que se promova um brutal arrocho nos “gastos primários”) está limitando o investimento público, fundamental para alavancar o crescimento da economia, e agora o Haddad pretendia também cortar o gasto social. Vimos na resposta anterior o que o Haddad vem fazendo para alcançar o déficit zero; um conjunto de medidas, todas elas com o condão de prejudicar o governo Lula e o próprio país, numa espécie de neoliberalismo tardio, à imagem do financeirismo da Faria Lima.
HP – Que achou do anúncio de cortes no orçamento, feito pelo ministro nos últimos dias?
NILSON ARAÚJO – Horrível. É bem verdade que Haddad queria mais: como vimos, queria acabar com os pisos constitucionais da educação e da saúde e desvincular do salário mínimo as aposentadorias, pensões e benefícios. O Lula não concedeu essa demanda da Faria Lima, mas, pressionado pelos especuladores, que estavam retirando dinheiro do país, e pelo atual representante da banca dentro do governo, engoliu essa outra forma de corte da despesa, que terá um efeito tão nocivo sobre a economia e a política. Como se diz no jargão: nessa questão, Lula foi “enquadrado”; Haddad não, ele já havia sido cooptado antes, haja vista o convescote que a banqueirada lhe ofereceu há pouco dias em São Paulo.
HP – Na sua opinião, estamos vivendo uma crise fiscal? Qual sua opinião sobre os juros do BC?
NILSON ARAÚJO – Não, crise fiscal alguma. Estamos vivendo uma crise financeira provocada pelos juros reais mais elevados do mundo (ora somos campeões; ora vice). Tirante a Previdência (que conta com contribuições patronais e dos trabalhadores), a principal despesa do governo é com juros (R$ 781,6 bilhões nos últimos 12 meses, 7% do PIB). E adivinhem o que vem em segundo lugar? Elas mesmo: as despesas tributárias (perto de R$ 600 bilhões por ano). Para desenvolver o país e evitar o retorno do fascismo ao poder, é preciso enfrentar com ousadia esses dois problemas.
Com esses bilhões escorrendo pelo ralo, Haddad insiste em cortar tostões dos mais pobres, como reclama Lula. Além da submissão à banca da Faria Lima, esse comportamento denota falta de humanidade.
HP – O Plano Real, de 1994, está sendo muito festejado. Qual sua opinião a respeito deste assunto?
NILSON ARAÚJO – A mídia, o tucanato e outros quetais estão fazendo a maior festança em loas ao “aniversário de 30 anos” do Plano Real. É claro que eles, com essas comemorações, querem celebrar uma data que consideram importante. Mas o objetivo principal é “enquadrar” a sociedade e o governo nos cânones subjacentes não apenas ao Plano Real, mas ao conjunto da política econômica de Fernando Henrique.
O Plano Real, na realidade, acabou na virada de 1998 para 1999, quando, depois de uma fuga em massa de capitais especulativos que carregaram consigo nossas reservas cambiais (em poucos meses evaporaram US$ 50 bilhões dos US$ 75 bilhões antes existentes), o governo FHC foi forçado a enterrar a tal da âncora cambial (o dólar só poderia subir até R$ 1) e começou a pôr em prática o chamado câmbio flutuante, um dos elementos centrais do “sistema de metas de inflação” que passou a vigorar a partir do enterro do Plano Real, no começo de 1999.
Entrava assim em vigor o famigerado “tripé macroeconômico”: metas de inflação, câmbio flutuante, juros altos (e tem um quarto pé: superávit primário), passando os juros a ser a nova âncora. Na verdade, desde o Plano Real, a âncora já eram os juros elevados (durante o primeiro governo de FHC, mais ou menos o tempo de vigência do plano, a taxa média real foi 22%).
Era a forma de atrair capitais especulativos para manter o engessamento cambial, ou seja, a “âncora”. Depois, com o tripé, a nova âncora, os juros elevados, passou a operar para atrair capitais especulativos a fim de valorizar nossa moeda e assim combater a inflação, pois os importados ficam mais baratos.
O problema é que essa forma de combater a inflação engendra aumento da vulnerabilidade externa e interna (o passivo externo do país aumentou de US$ 149 bilhões em dezembro de 1994 para US$ 354 bilhões em setembro e 2001; a dívida líquida do setor público aumentou de R$ 153 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 881 bilhões no mesmo mês de 2002), desnacionalização (a participação estrangeira nas 500 maiores empresas privadas e 50 estatais aumentou de 32% em 1994 para 46,4% em 2001), estancamento da economia (no período FHC, o PIB cresceu menos do que na década perdida: 2,3% ao ano contra 2,9% na década de 1980), desindustrialização (a participação do conjunto da indústria no PIB, que fora de 44% em meados de 1980 e estava em 40% em 1994, caiu para 34% em 1998 e seguiu caindo dali em diante), desemprego (a taxa em São Paulo, medida pelo SEADE/DIEESE, aumentou de 12,1% em janeiro de 1995 para 18,6% em janeiro de 2002), arrocho salarial (a pesquisa SEADE/DIEESE revela que o rendimento médio por trabalhador ocupado na região metropolitana de São Paulo caiu 42% em termos reais de 1995 a 2002).
Todo esse estrago foi feito em nome do combate à inflação. Mas o que ocorreu com esse flagelo? Às vezes, determinados membros da estirpe tucana reconhecem esse estrago, mas arrematam que esse custo foi necessário para garantir a estabilidade dos preços. Mas nem isso foi garantido. Em pelo menos dois momentos importantes, o primeiro em 1999, momento em que o Plano Real foi enterrado sem pompas nem circunstâncias, quando a inflação anual chegou a 20% e, no final do governo FHC em 2002, quando chegou a atingir quase 27%. Isso revelava que não estava garantida a tal de estabilidade de preços. Isso sem contar as várias vezes em que o governo se submeteu ao FMI.
Países com dívidas públicas superiores ao próprio PIB têm taxas de juros inferiores ao Brasil. País nas mãos de agiotas. ? Isentar todas as empresas do pagamento de tributos, salários e matéria-prima. Tributar, pagar salários e matéria-prima nos moldes da CPMF e sobre o consumo ano da PF. Diminuindo em 80% os preços, aumentando demanda, empregos. Investindo o consumo com base no compulsório, retornando ao consumidor o efeito multiplicador