“Biden quer meramente tapar alguns buracos, enquanto Sanders propõe a construção de fortes estrutuas sobre fundações verdadeiramente democráticas”, opina Norman Solomon, coordenador nacional da organização RootsAction, no artigo que segue, originalmente publicado no portal Common Dreams, no qual analisa as diferenças entre as propostas que os dois candidatos apresentaram até agora durante a campanha pela nominação democrata para enfrentar Trump na disputa pelo próximo mandato à frente da Casa Branca. Publicamos esta matéria pois ela tem reflexos no debate acerca das deficiências que a crise estabelecida pelo Covid-19 aponta assim como das soluções que, a partir dela, se impõem
N.B.
NORMAN SOLOMON*
Na superfície, a emergência do coronavírus não tem qualquer relação com a disputa Joe Biden vs. Bernie Sanders. O que é óbvio é que fanfarronice e inação ensandecida de Donald Trump permitiu que a pandemia desse um salto letal nos Estados Unidos. As pessoas estão morrendo, enquanto é enorme o número de vidas sob risco, o que tornou medidas drásticas uma questão imperativa.
Ao mesmo tempo, as diferenças entre aquilo que Biden e Sanders advogam têm enormes implicações acerca do que poderia ser feito para deter o vírus mortal neste país.
A ausência de um sistema público de Saúde é consistente com uma linha de longo tempo de desgaste e massivos rombos no setor público.
Biden quer meramente tapar alguns dos buracos, enquanto Sanders quer construir fortes estruturas sobre fundações verdadeiramente democráticas.
“Chegou a hora de nos perguntarmos como chegamos ao ponto em que estamos, não apenas nosso despreparo para enfrentar o vírus, mas como terminamos com uma economia onde tantas pessoas estão feridas ao tempo em que há outras com ingressos massivos e há uma desigualdade em termos de distribuição de riquezas”, disse Sanders no recente debate com Biden [o debate foi realizado no dia 15, no Arizona].
“É hora de perguntarmos aonde está o poder na América. Quem possui a mídia? Quem domina o processo legislativo? Porque se oferta cortes de impostos aos bilionários e não há elevação do salário mínimo?
Enquanto os denominados democratas ‘moderados’, a exemplo de Biden, não querem responder e nem mesmo ouvir tais questões, Sanders insiste em seguir levantando-as.
Esta perseverança nunca foi mais necessária do que neste momento crucial, com tantas vidas em jogo. “Onde está o poder na América”, tem tudo a ver com o fato de que a resposta do governo dos EUA à catástrofe em andamento seguiu sendo tão anêmica, antevendo tantas mortes a mais e tanto luto.
É urgente a implementação de medidas fortemente abrangentes para conter a disseminação do coronavírus (na busca séria de contenção e não apenas nos contentando com o mero “achatamento da curva”).
Ao mesmo tempo, são necessárias políticas que garantam que as seguradoras voltadas ao lucro e outros setores da corporativa América do Norte, não sairão desta crise beneficiadas em sua ganância de tal forma a causar miséria sem precedentes para vasto número de pessoas.
Um par de documentos lançados esta semana – “Plano de Combate ao Coronavírus e Preparação para as Futuras Ameaças Globais à Saúde”, de Biden; e o denominado “Reposta Emergencial à Pandemia do Coronavírus”, de Sanders – trazem grandes diferenças na abordagem da atual crise sem precedentes.
Biden propõe ajustar o sistema de saúde e ajudar somente alguns que sofrem tensões econômicas. Em agudo contraste, Sanders está propondo medidas de largo alcance que incluem o Medicare for All (Saúde para Todos), que “vai garantir que todos nos Estados Unidos, independente de cobertura com plano, possam receber o tratamento de Saúde que precisarem durante esta crise”.
Também propõe uma assistência financeira “pagamentos emergenciais em dinheiro a todas as pessoas nos Estados Unidos todos os meses, enquanto durar a crise”
Ele sugere que se deveria investir US$ 2 trilhões em programas que respondam à emergência do coronavírus, em “uma mobilização em uma escala não vista desde o New Deal [programa de recuperação pós depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial para prevenir perdas de empregos e ruína econômica”.
A disputa Joe Biden vs. Bernie Sanders não é apenas uma concorrência eleitoral entre candidatos presidenciais. Também mostra um contraste entre uma malha de reparos e mudanças estruturais profundas. A recusa em incomodar a rede do poder corporativo vs. a disposição de lutar contra este poder. Ajustes tépidos vs. agendas transformadoras.
Sanders estava correto quando afirmou, na semana passada, que “pesquisa após pesquisa, incluindo pesquisas de saída das seções de votação, mostram que uma forte maioria do povo norte-americano apoia nossa agenda progressista” (Sanders admitiu que perdeu a disputa da elegibilidade, ou seja, a maioria dos democratas e apoiadores acha que Biden é o mais capaz de derrotar Trump e as últimas primárias mantêm esta percepção).
A dimensão com que as ideias que Sanders está defendendo possa, de forma apreciável, modelar a resposta governamental ao coronavírus, vai determinar o quão bem sucedidos os Estados Unidos podem ser em limitar seus terríveis efeitos.
* Coordenador nacional da organização RootsAction