O “pacote” que resolve não é de cortes sociais, é a redução imediata da Selic e a elevação dos investimentos públicos
A pressão para que o governo federal faça cortes nos investimentos e nos programas sociais está passando de todos os limites. Em todo lugar que o presidente vai a pergunta é a mesma. Quando virá o pacote de cortes? Em sua visita ao INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) neste domingo (3) para acompanhar o concurso do Enem, o presidente Lula se recusou a falar no assunto.
Há realmente uma necessidade urgente de um corte nos gastos públicos, mas com os juros da dívida. Só nos últimos doze meses deste ano, até setembro, o governo gastou R$ 855 bilhões apenas com o pagamento de juros aos bancos. Calcula-se que esse gasto pode chegar a R$ 1 trilhão até o fim do ano. O problema é que os banqueiros e sua mídia não querem cortar um tostão desses gastos. Pelo contrário, já se articularam, inclusive, para aumentar os juros e obrigar o governo a gastar mais.
Economistas calculam que a cada um ponto percentual de elevação na taxa de juros, o governo é obrigado a desembolsar mais R$ 50 bilhões por ano. E eles já estão fazendo campanha para que as próximas duas reuniões do Conselho de Política Monetária do Banco Central (Copom) eleve duas vezes a taxa Selic em meio ponto percentual cada uma, até o final do ano. Ou seja, querem embolsar mais R$ 100 bilhões dos cofres públicos. E o pior é que esse escândalo está sendo apoiado pelos diretores indicados por Lula para o BC.
Eles nem falam nessas despesas com juros. Escondem da opinião pública. É como se ela não existisse. Mas o gasto anual com juros é muito maior do que a quase totalidade dos ministérios. O único orçamento que é maior do que as despesas com a agiotagem é a Previdência Social, que atende 34 milhões de pessoas que contribuíram a vida toda (R$1,01 tri).
Todos os outros gastos, Educação (R$ 200,4 bi), Saúde (R$ 241,6 bi), Segurança (R$ 22 bi), Defesa (R$ 133,5), Ciência e Tecnologia R$ 16,6 bi), etc, nem chegam perto do que se gasta com os banqueiros e especuladores, que são uma meia dúzia de parasitas.
É urgente, portanto, cortar o gasto. Mas o gasto exagerado com os juros. Isso se faz reduzindo a taxa Selic e não aumentando. Não há justificativa séria para a elevação dos juros. Fala-se que a economia estaria superaquecida, mas não é verdade. O uso da capacidade instalada na indústria está em 83,4%. Ou seja, a indústria ainda tem quase 20% de capacidade ociosa. E numa capacidade instalada que vem caindo nos últimos anos.
A taxa de investimento no Brasil está em 16,8% (dados do segundo trimestre de 2024), muito abaixo do que o Brasil necessita para a retomada do crescimento. Especialistas avaliam que esta taxa de investimento mal e porcamente repõe o desgaste dos equipamentos das empresas. A taxa de crescimento, que já foi de 7%, está há décadas entre 2% e 3%.
O Brasil está estagnado e precisa de muito mais investimento. Portanto, não há superaquecimento nenhum. O subemprego está nas alturas e o chamado “empreendedorismo”, tão ensalsado, não passa de uma tentativa desesperada, em sua maior parte, das pessoas se virarem na ausência de empregos decentes.
Mas, qual é a orquestração dos bancos e de sua mídia? Tem que fazer logo um pacote cortando direitos sociais, reduzindo investimentos públicos, tesourando o Seguro Desemprego, o abono salarial, desvinculando a aposentadoria do salário mínimo, acabando com os pisos constitucionais em Saúde e Educação e retirando dinheiro do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). Ameaçam com uma catástrofe se o governo não fizer o cortes. Pura chantagem.
O Brasil não tem crise fiscal alguma. Ele tem uma crise aguda de juros altos e de especulação financeira desenfreada. O país não precisa de cortes de investimentos públicos e sim de corte de juros, que são o segundo maior taxa do mundo, em termos reais.
Países como EUA, Inglaterra, Japão e outros têm dívidas muito maiores do que a do Brasil e não têm esses juros escandalosos. Fazem um estardalhaço e um terrorismo se a relação dívida/PIB passa de 78,2% para 78,3%. Nos países ciados, elas são de 130%, 150% e até 200% e não houve hecatombe nenhuma.
Defendem cinicamente cortes até em programas dirigidos à população mais vulnerável, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que atende os idosos, miseráveis e impossibilitados de trabalhar, que recebem uma ajuda social de um salário mínimo.
Querem também cortar os investimentos públicos para sobrar mais para a especulação financeira. A indústria brasileira, que já foi mais de 30% do PIB, hoje está abaixo de 11% e será a mais duramente atingida pela tesourada nas verbas.
A reação da sociedade contra os cortes e investimentos e programas sociais está crescendo. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse publicamente que cortes no abono salarial e Seguro Desemprego só ocorrerão se ele for demitido. Economistas e personalidades lançaram há uma semana um manifesto contra os cortes sociais.
Já a comunidade científica repudiou publicamente, neste fim de semana, a intenção do governo de retirar os recursos do FNDCT, da alíquota de obrigatórios para discricionários, ou seja, passíveis de cortes. Nas recentes eleições municipais, também, a população demonstrou que não está satisfeita com a política neoliberal de arrocho social e estímulo à agiotagem, que ainda prevalece no país.