‘O que esperar do 20º Congresso do PC da China’, que terá início neste domingo, 16, é o tema do Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, desta semana. Trata-se do maior evento político da China, que ocorre a cada cinco anos, dali sai o núcleo da direção para o próximo período, assinala o pesquisador e escritor Elias Jabbour.
Uma reunião de baixo para cima, primeiro os delegados da base são eleitos até chegar ao congresso nacional, num processo em que participaram mais de 90 milhões de membros do PCCh, que elegeram ao cabo mais de 2 mil delegados à plenária final do congresso.
Xi Jinping – ele acrescenta – deverá ser reeleito para um terceiro mandato, em certa medida quebrando uma tradição que vinha desde o tempo de Deng Xiaoping, que cada geração de dirigentes tinha a possibilidade de dois mandatos, é o primeiro que incorpora à constituição a possibilidade de um terceiro mandato – e também toda a direção do Partido, comitê central.
Jabbour sublinha que a China passa por uma circunstância muito especial da sua história, muito diferente das de cinco, 10, 15, 20 anos atrás, o que explica o terceiro mandato. Foram profundas transformações que a China passou desde que XI Jinping assume o poder em 2013.
De um início de mandato muito comedido, aos poucos Xi Jinping foi imprimindo um ritmo muito próprio ao processo político chinês, começando por um vasto e profundo processo de combate à corrupção.
Houve uma verdadeira limpa no PCCh e no Estado chinês, alcançando inclusive membros do politburo.
Historicamente as dinastias chinesas foram derrubadas por revoltas camponesas que percebiam a crescente incapacidade e inépcia das dinastias de entregar as obras públicas necessárias para a produção da vida material de milhões de famílias chinesas. E a inépcia e a corrupção andam lado a lado.
E no diagnóstico de muita gente na China, lembra Jabbour, a corrupção estava diminuindo a legitimidade do Partido Comunista perante o povo chinês. Xi Jinping parte então para uma profunda campanha anticorrupção, atingindo gente da alta cúpula, cortando na própria carne, para enfrentar esse problema, e nesse confronto arrumou muitos inimigos internos.
O pesquisador observa que Xangai, que é uma ala poderosa do Partido Comunista, que praticamente vem nomeando seguidos secretários-gerais, e Xi Jinping andou se estranhando muito com esse pessoal. Por exemplo, no combate ao Covid, que em Xangai foi muito mais relaxado do que no resto do país.
Na análise de Jabbour, Xi Jinping entra, assume e elege o inimigo interno. Ele pega uma fração da burguesia chinesa, a burguesia nacional, os bilionários, e os coloca como alvo. Não todos os bilionários, mas os que eram militantes abertos da abertura de capitais do país.
Ou seja, a favor da desregulamentação financeira da China, de forma que a China pudesse abrir seu setor financeiro e entrasse no rol da chamada financeirização.
Jack Ma, o homem mais rico da China, passou meses criticando Xi Jinping, criticando a chamada burocracia chinesa, que não deixava os negócios andarem do jeito certo, que para ele era a desregulamentação.
Ao que tudo indica, Xi Jinping esperou uma semana antes do lançamento do maior IPO da história, da Ali Baba, para cancelar de cima para baixo esse IPO e fazer com que Jack Ma prestasse depoimento para funcionários de terceiro escalão do Ministério da Justiça.
“No front interno, acho que é um momento muito difícil em que a luta de classes aflora no país, e Xi Jinping tem tomado lado. O Congresso deverá legitimar esse avanço sobre o capital privado e principalmente sobre o capital privado interessado na abertura da conta de capitais”, diz Jabbour.
Para o pesquisador, o 20º Congresso poderá abrir as portas para aprofundar as mudanças institucionais que ocorreram no país no último período, diante da percepção de que a China é um país muito desigual, que tem o segundo maior número de bilionários do mundo e centenas de milhões de pessoas que vivem com 150 dólares por mês.
Passou a ser uma questão de honra para a atual liderança enfrentar a questão da desigualdade social e territorial chinesa, sob o lema de prosperidade comum.
O que está havendo é uma mudança do esquema de propriedade, onde o capital estatal tem avançado sobremaneira sobre o capital privado. Vai se concretizando uma primazia do setor estatal público cada vez maior, numa nova onda de inovações institucionais.
E não é somente isso: esse enquadramento do setor privado, das Big Techs, que ocorre na China hoje também tem relação com as prioridades estratégicas do país, destaca Jabbour. A energia do país está sendo direcionada , os cursos de engenharia na China hoje estão completamente voltados para a formação de um tipo específico de engenheiro, não para trabalhar numa Big Tech, para construir jogos, Tik Tok, e sim para a construção das infraestruturas necessárias para o enfrentamento dos semicondutores.
Tudo leva a crer que a grande cartada após o Congresso é aprofundar as mudanças, inclusive avançando para a taxação das grandes fortunas, e aprofundar isso no sentido da construção de um imenso Estado de bem-estar social com características chinesas, conclui o escritor.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.