“O presidente eleito do país sul-americano pretende rever radicalmente sua política externa em favor dos Estados Unidos e de Israel”, destaca Valentin Katasonov, presidente da Sociedade Econômica Russa
O economista russo Valentin Katasonov, presidente da Sociedade Econômica Russa, afirmou nesta quarta-feira (22), em artigo publicado no site da instituição, que Javier Milei, eleito presidente da Argentina, pretende rever radicalmente sua política externa em favor dos Estados Unidos e de Israel.
“Milei, que expôs suas ideias sobre a economia e como a economia da Argentina deveria ser reformada, trabalhava como consultor para grandes empresas. Em particular, assessorou o maior banco britânico HSBC. Desde 2012, colabora com o centro analítico argentino Fundación Acordar, onde chefiou a direção econômica. Na economia, Milei considera intelectuais como Milton Friedman, Robert Lucas e Murray Rothbard como seus ídolos”.
FÃ DE MILTON FRIEDMAN
“Desse trio de economistas”, prosseguiu o articulista, “Milton Friedman é provavelmente o mais familiar aos nossos leitores. O mesmo que desenvolveu o conceito da chamada terapia de choque. Na prática, a terapia de choque na esfera econômica foi testada pela primeira vez pelo general Pinochet no Chile após o golpe militar de setembro de 1973. Duas décadas depois, a mesma terapia de choque foi usada na Rússia (em primeiro lugar, a privatização em massa da propriedade estatal)”.
“J. Milei é frequentemente comparada ao herói dos quadrinhos Wolverine. Em primeiro lugar, suas costeletas extravagantes e seu penteado desgrenhado, que o The Wall Street Journal descreveu como ‘um cruzamento entre um boi almiscarado e Ozzy Osbourne’, chamam a atenção. Em termos de gestos e temperamento, Donald Trump é chamado de o análogo mais próximo de J. Milei. Alguns comparam o “herói do dia” com o atual presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Tipo, o mesmo ‘palhaço’”, prosseguiu Katasonov.
“Ele promete que uma das primeiras medidas será a transferência da embaixada do país em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. As viagens anunciadas, como enfatizou Milei, têm uma ‘conotação espiritual’ para ele: ele planeja fazer uma visita a seus ‘amigos rabínicos’ em Nova York e Miami. Isso confirma mais uma vez as suspeitas daqueles observadores que, mesmo antes da eleição presidencial, disseram que Milei era judeu, mas o esconderam, já que a Argentina é um país tipicamente católico”, observou o economista.
“No que diz respeito aos países árabes, Milei não fala diretamente sobre eles. Mas é óbvio que, se ele vai ser um amigo próximo de Israel, ele está, assim, programando inimizade com todo o mundo árabe, e talvez até muçulmano”.
NÃO SE JUNTARÁ AOS BRICS
O autor comentou as hostilidades com o Brasil e disse que “ao mesmo tempo, ele está pronto para abandonar os investimentos chineses em uma série de projetos de infraestrutura que foram acordados com Pequim. Além disso, a Argentina não será amiga da Rússia, Milei apoia totalmente as medidas de sanções do Ocidente contra o nosso país. É óbvio que, sob o atual presidente, a Argentina não se juntará aos Brics, para onde foi convidada a partir de 1º de janeiro de 2024”, apontou.
O programa de Milei, diz Katasonov, visa expulsar o Estado de qualquer atividade econômica. “Ou seja, através da privatização. Milei primeiro prometeu privatizar a empresa de petróleo e gás Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF). E também para colocar à venda um dos maiores depósitos de xisto do mundo, chamado Vaca Muerta (“Vaca Morta”). Até a mídia estatal deveria ser privatizada. A mídia argentina chamou o programa de Milei de ‘turboprivatização’’, prosseguiu.
“Aliás, o ídolo do novo presidente é o ex-presidente da Argentina Carlos Menem (que ocupou esse cargo de 1989 a 1999), sob o qual foi realizada a privatização em larga escala da propriedade estatal”, lembrou o economista russo. “Carlos Menem também era um político extremamente excêntrico, de certa forma até mesmo exteriormente reminiscente de Milei. Vale ressaltar que, pouco antes da saída de Menem da presidência, iniciou-se uma crise econômica no país, que durou até 2002. Foi sob Carlos Menem que a Argentina caiu em uma armadilha da dívida e, em dezembro de 2001, a Argentina anunciou o maior calote da história (dívida externa pública de US$ 80 bilhões)”, acrescentou.
“Milei (como seu ídolo Menem) defende o cerceamento máximo das funções sociais do Estado, ou seja, as funções na esfera da educação, saúde, seguridade social e cultura”, observou Katasonovo. “Tudo isso deve ser deixado à mercê do capital privado. E para os negócios privados, haverá uma dupla vitória: por um lado, poderá prestar serviços pagos, transformando as pessoas em ‘novo petróleo’; Por outro lado, será possível reduzir os impostos para as empresas, porque o orçamento do Estado será drasticamente reduzido. Restam apenas gastos orçamentários para o Exército e a polícia”, denunciou.
VAI DERRUBAR TARIFAS DE IMPORTAÇÃO
Valentin Katasonov destaca que na esfera econômica externa, “J. Milei propõe abandonar completamente as tarifas de importação, bem como outras formas (não tarifárias) de protecionismo. E quaisquer restrições ao movimento transfronteiriço de moeda, capital e trabalho são chamadas de selvageria por ele”.
“Mas”, prossegue o analista russo, “a principal característica do programa econômico do novo presidente é a liquidação do Banco Central e da moeda nacional, o peso. Em contraste com os políticos de muitos países latino-americanos, que pedem a restauração da ordem nos bancos centrais por meio de sua subordinação direta ao governo, J. Milei exige a abolição dessa instituição. Em entrevista, o “loco” disse: “Quero explodir o Banco Central com dinamite. E isso não é uma metáfora. Dizem que ‘estelionatários’ trabalham no Banco Central, cujas atividades só estimulam a inflação”.
“Sobre a questão do Banco Central”, destaca Katasonovo, “Milei claramente quer superar seu ídolo Carlos Menem. Este último fez uma tentativa de transformar o Banco Central da Argentina em uma instituição chamada ‘currency board’. Sob Menem, o peso foi rigidamente atrelado ao dólar americano, e a moeda argentina foi transformada em um dólar verde repintado. A instituição que cuida dessa repintura é chamada de Currency Board. Milei sugere ir além: abandonar os ‘papéis repintados’ e a empresa se dedicar à ‘repintura’.” “O que Miles está propondo é uma dolarização completa da Argentina”, denunciou.
Ele lembrou que “há países exóticos no mundo com dolarização total. No entanto, estes nem sequer são países no sentido pleno da palavra, mas jurisdições exóticas: Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Timor-Leste, Micronésia, etc. Por uma questão de justiça, deve admitir-se que estes países emitam moedas simbólicas com os nomes da moeda nacional. Mas esta é uma “folha de figueira” que cobre a perda completa da soberania nacional”.
PERDA COMPLETA DA SOBERANIA NACIONAL
“Mas, prosseguiu o economista russo, “a Argentina não é comparável em economia e população nem ao Panamá nem ao Equador. A Argentina é a segunda maior economia da América Latina em termos de PIB real (ou seja, medido pela paridade do poder de compra da moeda nacional) (depois do Brasil). No final de 2022, a Argentina estava em 29º lugar no ranking mundial para este indicador, enquanto o Equador estava em 68º lugar, e o Panamá estava em 80º lugar.”
“Aliás, nos países onde a dolarização total foi realizada, o esperado ‘milagre econômico’ não aconteceu. No Equador, por exemplo, foi possível conter a inflação após a introdução do dólar como unidade monetária em 2000. Não se tornou muito diferente da inflação nos Estados Unidos. Mas não houve avanço econômico. No período 2000-2023, a taxa de crescimento econômico do Equador ficou até um pouco abaixo da média mundial. A dolarização perpetuou o atraso econômico do país”, apontou.
O analista disse que considera difícil entender como um “economista louco” conseguiu chegar à presidência do segundo maior país da América Latina. “Provavelmente, os cidadãos votaram por desespero. Guiado pela lógica, simplesmente não pode ser pior do que é. E às vésperas das eleições, foi muito ruim, pode-se dizer terrível”, avaliou.
“Mesmo as estatísticas oficiais admitem que 40% dos cidadãos estão abaixo da linha da pobreza. Na realidade, a parcela de pobres é muito superior a 50%. A inflação foi medida em dois e até três dígitos. No final de outubro deste ano, a inflação anual era de 143%. Ao mesmo tempo, houve uma contínua depreciação do peso em relação ao dólar dos Estados Unidos. Só em agosto, o peso se desvalorizou 18%”, afirmou o economista russo.
“É óbvio que o principal beneficiário de todas as propostas contidas no programa do novo presidente deve ser os Estados Unidos. Um presente particularmente valioso para eles seria o abandono do peso pela Argentina e a transição para o dólar americano. E as empresas americanas esperam se tornar beneficiárias da privatização argentina”, denunciou.
SEU ÍDOLO, CARLOS MENEM, ACABOU PRESO
O analista avalia que “os primeiros passos de Milei para a implementação prática de um programa tão radical podem causar uma reação aguda na sociedade”. Segundo ele, “o fervor do novo político pode ser esfriado por uma oposição muito poderosa no Congresso (o parlamento do país). Afinal, o próprio partido de Milei, o Freedom Advances, não tem maioria no Parlamento. Se o partido de Milei conseguirá formar uma coalizão com alguém no Congresso é uma grande questão”.
“As paixões dentro e ao redor da Argentina devem esquentar nos próximos meses. Muitos já estão prevendo que Mil não poderá sentar na cadeira do presidente até o final de seu mandato. Se esse cenário se concretizar, então Washington pode acabar com a Argentina ainda mais antiamericana do que era antes de 19 de novembro deste ano”, observou Katasonov.
Katasonov lembrou que se Milei “considera o presidente argentino Carlos Menem seu ídolo e segue seus passos, não deve esquecer como a vida de seu ídolo se desenvolveu após deixar a presidência. Menem foi preso mais de uma vez e chegou a ser condenado a várias penas de prisão”. “Os fundamentos das sentenças eram diferentes – principalmente abuso de poder, corrupção, engano. É verdade que ele foi salvo pela imunidade de senador. Ele foi salvo da prisão por sua morte em fevereiro de 2021, aos 90 anos”, concluiu o analista russo.