“Kiev terá muito pouco a celebrar” com a denominada “contraofensiva” para a qual estendeu suas linhas de frente expondo suas tropas a pesadas baixas diante do bombardeio russo, com suas forças reagrupadas a leste do rio Oskol, analisa o diplomata indiano Bhadrakaumar
Em seu artigo, divulgado no dia 12, o diplomata indiano Bhadrakumar, que atuou no Ministério do Exterior da Índia nos setores ligados ao Paquistão, Afeganistão e Uzbequistão e foi o último embaixador da Índia na União Soviética, analisa em detalhe a denominada “contraofensiva” ucraniana na região de Karkov e salienta que as forças russas haviam, de fato, estendido precipitadamente suas linhas e que agora, com redução da linha de frente de suas forças e com seu reagrupamento a leste do rio Oskol em Donetsk, tornará breve e ineficaz o avanço militar ucraniano que, por seu lado, ao ampliar suas próprias linhas, expõe suas tropas a intenso fogo de mísseis e artilharia da Rússia e que, assim, as forças ucranianas já estão acumulando baixas em nível acelerado e prevê que – ao contrário do que propala agora – logo “Kiev vai ter muito pouco a celebrar”.
Segue o artigo:
M. K. BHADRAKUMAR
O jornal The New York Times divulgou que informações secretas vitais dos EUA foram trocadas com os militares ucranianos e que a Casa Branca tomou parte na preparação da recente e ainda em andamento “contraofensiva” perto de Karkov. Sem que importem as motivações do governo Biden em expor seu papel naquilo que a mídia ocidental celebra como uma história de sucesso – presumivelmente de olho na política doméstica norte-americana –, a questão é se ela poderia ser de fato uma avaliação correta e se o vazamento midiático coloca os acontecimentos dramáticos da última semana em uma perspectiva apropriada.
Há duas formas de enxergar o avanço pelas forças ucranianas: primeira, a de que Kiev infligiu um pesado revés aos russo e os forçou a recuar, ou, que o serviço secreto norte-americano finalmente tomou ciência da exposição da linha de frente russa em Karkov e que isso tem se constituído, nas recentes semanas, como parte de um maior deslocamento de formações militares russas e compartilhou essas informações com Kiev que, alegremente atuou em consonância.
A reportagem do The New York Times efetivamente confirma a leitura da situação, a atestar o que tinha servido de material para comentários e exposição de segredos até aqui.
A RETIRADA DE KARKOV
O fato é que, quase não houve combates na região de Karkov durante o avanço ucraniano e o foco russo foi, de forma não surpreendente, o de retirar as forças residuais na sua linha de frente sob a cobertura de pesado fogo de artilharia. A operação russa garantiu que não tenha sofrido perda significativa. A nova linha de frente, que havia estado constantemente construída nas recentes semanas (ou meses) ao longo do rio Oskol se consolidou.
A retirada a partir da linha de frente Balakleysko-Izyum resultou da avaliação do comando militar russo de que não havia propósito útil em manter tal posicionamento. Em março, quando as forças russas assumiram o controle de Izyum, o que se presumia era que isso ajudaria a organizar uma operação desde o norte em direção à cidade de Sloviansk, no distrito de Kramatorsk, ainda dentro da região de Donetsk. Mas, o que se viu durante os últimos meses, foi que os russos aparentemente desistiram da ideia.
LIBERAR O DONBASS SEGUE PRIORIDADE DA RÚSSIA
Que não haja dúvida, a batalha pelo Donbass seguirá sendo a prioridade número um da operação militar da Rússia. O reposicionamento com a retirada da linha Balakleysko-Izyum vai fortalecer a ofensiva no Donbass ao invés de enfraquecê-la como alguns jornalistas ocidentais estão especulando. A confusão deriva de uma lenda antiga de que Izyum seria a porta de entrada para o Donbass e o Mar Negro. Enquanto que, hoje, com as modernas comunicações, as linhas de suprimento para o Donbass podem se sustentar mesmo sem uma “porta de entrada” a partir do norte.
Em segundo lugar, Izyum está localizada em uma região intensamente florestada – alguns a apelidam de Floresta de Sherwood – pelo seu lado oeste aonde as forças ucranianas se fortificaram e a presença russa ficou sob ataque mesmo antes de agora. Colocando a questão de forma simples, a contínua ocupação de Izyum seria apenas uma drenagem de material humano por parte da Rússia.
Dito isso, a visão dos acontecimentos na linha Balakleysko-Izyum desencadeou, até mesmo dentro da própria Rússia, críticas acerca da inépcia na condução dos acontecimentos por parte do comando militar e uma parte das críticas foram dirigidas contra o próprio presidente Putin.
O comando militar estava, até ali, sob pressão para mostrar “resultados” na campanha do Donbass. Isto é suficiente para perceber que deve estar havendo algum repensar também acerca da estratégia russa utilizada até aqui de se apoiar em grupamentos populares para os embates mais pesados ao invés de se basear mais intensamente nas tropas regulares de suas forças armadas.
Na realidade, a região de Karkov tem sido particularmente secundarizada até aqui – diferente de Kerson e Zaporozhia ao sul desde os primeiros dias de setembro – o que fala por si.
EM HISTERIA DE GUERRA, KIEV SE NEGA A NEGOCIAR
No entanto, é preciso deixar claro que os acontecimentos na linha Balakleysko-Izyum servirão de injeção moral sobre as forças armadas ucranianas. Isso terá implicações no futuro. Uma das conclusões é a de que Kiev não terá qualquer inclinação imediata para as conversações de paz.
A tonitruante declaração do ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksiy Reznikov, no domingo, deixa clara a determinação beligerante: “Kiev está pronto para negociar depois da retirada pela Rússia de todos os territórios da Ucrânia nas fronteiras de 1º de dezembro de 1991. Não há opções para um 24 de fevereiro para a Ucrânia”.
O que quer dizer que os planos do comando das Forças Armadas da Ucrânia são de completamente “liberar” todos os territórios “ocupados”, inclusive o Donbass e a Criméia e nada menos!
É interessante notar que Reznikov disse isso em reação a uma declaração do ministro de Exterior da Rússia, Sergey Lavrov, na qual deixou claro que Moscou não rejeita as negociações de paz com Kiev, mas que mais adiamentos irão complicar as possibilidades de se chegar a um acordo.
E mais, se escutarmos as colocações do secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa, Danilov, Kiev já está considerando até opções de “rendição” da Federação Russa, assim como de dividi-la em vários simpáticos pequenos Estados!
Um tal nível de loucura e de histeria de guerra vai tornar as coisas extremamente difíceis para o governo Biden de levar adiante sinais incipientes de moderação e realismo que se forçavam à superfície como na retórica do secretário de Estado Antony Blinken durante sua visita a Kiev na última sexta-feira.
Blinken reagiu de forma cautelosa quando perguntado pelo itinerante partido da mídia sobre a “contraofensiva” ucraniana. Ele disse: “sim, nós realmente tivemos uma abrangente atualização sobre a contraofensiva…é muito cedo, mas estamos vendo um progresso claro e real no terreno, particularmente na área em torno de Kerson, mas há também alguns interessantes desdobramentos no leste do Donbass. No entanto, de novo, ainda é cedo”.
Antes disso, em Kiev, Blinken não respondeu ao último comentário do presidente Zelensky, durante sua aparição conjunta para a mídia, no que diz respeito ao apoio dos Estados Unidos de ser “uma garantia da possibilidade de retorno de nossos territórios, nossas terras”.
NEM WASHINGTON ACREDITA NO REGIME DE KIEV
O general Mark Milley, que preside o Estado Maior dos EUA, também foi notadamente circunspecto em suas colocações no sábado em uma entrevista com a Rádio Pública Nacional ucraniana. O general disse que ainda precisa ser bem observado o que está acontecendo, dentro das próximas semanas. “É uma tarefa muito, muito difícil a que os ucranianos levam a cabo – a de combinar sua ofensiva com capacidade humana”, disse o general.
Enquanto isso, o reagrupamento das tropas na região de Karkov permitirá às forças russas concentrarem sua atenção no estabelecimento do pleno controle sobre o território de Donetsk, isso não quer dizer que o comando militar deu as costas a Karkov.
BAIXAS UCRANIANAS
O Ministério da Defesa na segunda-feira declarou que suas Forças Aeroespaciais, seus contingentes de mísseis e de artilharia “continuaram a lançar ataques de alta precisão” sobre as unidades ucranianas e forças da reserva na região de Karkov. As forças ucranianas que estavam em posições bem fortificadas naquela região florestal agora saíram a terreno aberto e estão sob fogo intenso por aviação, mísseis e sujeitas a bombardeio por artilharia.
O Ministério da Defesa da Rússia declarou no sábado que mais 2.000 combatentes ucranianos foram mortos nas proximidades Balakleysko e Izyum somente nos três dias anteriores. A partir da mesma informação, alguns milhares a mais de combatentes teriam sido feridos. Se considerarmos que a força ucraniana envolvida na operação de Karkov é de 15.000 soldados, isso é uma baixa muito pesada. Com o passar do tempo, Kiev vai ter muito pouco a celebrar.