CARLOS LOPES
Já mencionamos, nesta série, que Mikhail Avilov foi um dos pintores realistas que, em 1930, foram expulsos da Associação dos Artistas da Rússia Revolucionária (AkhRR), então dominada pelos formalistas – em geral, abstracionistas.
Avilov, com Izaak Brodsky e Gavryl Gorelov, foram considerados “elementos burgueses”. Daí a expulsão, que acabou por motivar a atenção do Comitê Central do Partido Comunista (v. HP 15/10/2019, O realismo socialista na pintura (IV): Izaak Brodsky).
É de se perguntar qual era o critério para se tachar alguém de “elemento burguês”, quando se considera que a obra de Avilov é composta, em sua maior parte, de representações das batalhas em que os soviéticos triunfaram – ou em quadros onde é ressaltado o seu heroísmo.
Por exemplo, a tela que encima esta página, “Guerrilheiros nas florestas da Bielorrússia“, que tem como tema a guerra de guerrilhas dos “partisans” no território ocupado pelos nazistas, que se deu, principalmente, na Bielorrússia.
Nesta obra, há um elemento específico, que hoje necessita breve menção (na época em que foi pintada, esse elemento era de compreensão imediata): a maior parte da guerrilha – ou, pelo menos, o contingente que a unificava – era formada pelos integrantes do Exército Vermelho que, devido ao avanço dos nazistas na fase inicial da guerra, ficaram na retaguarda do inimigo. Na tela, isso é nitidamente representado.
Porém, na imagem, o heroísmo não é explícito. Mas pode ser sentido como latente, como possibilidade a qualquer momento. Não são muitos os pintores que conseguiram tal efeito em suas obras.
Entretanto, o quadro mais famoso de Avilov é “Duelo entre Peresvet e Chelubey no campo de batalha de Kulikovo”, algo que aconteceu no ano de 1380 (mais precisamente, em 8 de setembro de 1380).
Na batalha de Kulikovo, os russos, comandados por Dimitry, Grão Duque de Moscou e de Vladímir, venceram os ocupantes tártaros da chamada “Horda de Ouro”, considerados, até então, invencíveis.
Antes da batalha, diz a tradição, dois campeões, um russo e um tártaro, travaram um duelo.
O paladino russo era o monge Alexander Peresvet. O tártaro era Chelubey (ou, na língua dos tártaros, Temir-murza). O primeiro venceu o duelo, apesar de morrer em combate, porque conseguiu voltar, montado em seu cavalo, para as linhas russas. O corpo de Chelubey, ao contrário, ficou no campo, derrubado da montaria.
Em seguida, começou a batalha, que foi um acontecimento decisivo para a formação da Rússia. Travada às margens do rio Don, o comandante russo recebeu, por ela, o apelido de “Donskoy” – e passou para a história russa como Dimitry Donskoy.
[N.HP – Somente para evitar a preocupação de nossos leitores mais exigentes quanto à precisão dos fatos: houve uma batalha anterior, a batalha do rio Voja, travada dois anos antes de Kulikovo, em 1378, em que Dimitry já vencera os tártaros. Mas nem se compara à Kulikovo em importância estratégica e histórica – Dimitry tornou-se, a partir de Kulikovo, o líder de toda a luta contra a ocupação tártara.]
A tela de Avilov é sobre o duelo antes da batalha.
Por ela, o pintor recebeu o Prêmio Stalin, primeiro grau, em 1946.
No momento em que Avilov a realizou (1943), o Exército Vermelho ainda combatia contra as hordas nazistas em território soviético. A imagem de Peresvet predominando, mesmo à custa da própria vida, sobre Chelubey, imediatamente foi entendida pelo público.
Na II Guerra (ou, como diziam os soviéticos, Grande Guerra Patriótica), 27 milhões de homens e mulheres da URSS deram suas vidas – como Peresvet em Kulikovo – pela liberdade. Mais importante do que a vida individual era a vida de todos, a vida dos seres humanos.
Daí, o sucesso da tela de Mikhail Avilov.
CAMINHO
Mikhail Ivanovitch Avilov nasceu em S. Petersburgo, no ano de 1882.
Foi, como outros pintores desta série, educado na escola do realismo russo pré-revolucionário. Depois de um período como aluno na escola da Sociedade para a Promoção das Artes, passou a aprendiz no estúdio de Lev Evgrafovitch Dmitriev-Kavkazsky (1903).
Porém, Dmitriev-Kavkazsky dedicava-se, principalmente, à gravura – e o principal interesse de Avilov estava na pintura. Isso fez com que se transferisse para a Escola Superior da Academia Imperial de Artes.
Entretanto, lá, ele era uma espécie de aluno avulso, extra-oficial. Permaneceu nessa escola por 10 anos. É nessa época que adquire, com seu mestre Nikolai Samokish, o gosto pelas pinturas de batalha.
Para quem tinha esse gosto, Avilov viveu em uma época onde não faltavam oportunidades para exercitar a sua destreza – a começar por sua participação como soldado durante a I Guerra Mundial.
A pintura de batalhas é um gênero estabelecido, sobretudo, pelos neoclássicos franceses, que tinham farto material nas batalhas de Napoleão Bonaparte.
Mikhail Avilov não segue esse modelo – que nós, no Brasil, conhecemos pelos quadros de Pedro Américo (“Batalha do Avaí”) e Vitor Meireles (“Batalha dos Guararapes”).
Avilov ultrapassa esse modelo por boas razões: a guerra popular da Revolução Russa tem pouco ou nenhum parentesco com as guerras de Napoleão.
Entretanto, nos adiantamos demais. Voltemos ao soldado Mikhail Avilov, na I Guerra Mundial – mas somente para dizer que, com a Revolução de Outubro de 1917, e a desmobilização do exército russo, ele deixou de ser soldado e foi ajudar a construção do país na Sibéria, durante três anos, como professor de desenho e arte, artista gráfico e editor.
Em 1921, voltou à sua cidade-natal, primeiro como professor de desenho na Sociedade para a Promoção das Artes, e, depois, na Escola Técnica Industrial e de Arte do Estado, onde ficou até 1930.
Além do Prêmio Stalin, Mikhail Avilov foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho (1941) e com a Medalha por Valentes Serviços na Grande Guerra Patriótica (1945).
Recebeu os títulos de Artista Laureado da Rússia (1944) e Artista do Povo da Rússia (1953).
Membro da Academia de Artes da URSS (1947), Avilov faleceu em 1954, aos 72 anos.
Abaixo, algumas imagens de suas obras.
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