O engenheiro Eugênio Miguel Mancini Scheleder é uma personalidade importante na história da Petrobrás.
Desde 1963 na empresa, foi gerente-geral de empreendimentos industriais do Serviço de Engenharia da Petrobrás (Segen). Posteriormente, no governo federal, entre 1991 e 2005, foi Secretário Nacional Adjunto de Energia, presidente da Comissão Nacional de Gás Natural e diretor de Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento.
Dele, publicamos, já, seu importante trabalho “Engenharia e Gestão de Empreendimentos” (v. HP 21/12/2016, Petrobrás: seu triunfo e seus sabotadores).
O artigo abaixo, sobre a importância da greve dos caminhoneiros na correção de rumos da Petrobrás, foi publicado na revista “Brasil Energia: Petróleo”, de 27/08/2018.
C.L.
O rei está nu
EUGÊNIO MIGUEL MANCINI SCHELEDER
Dirigir um caminhão de carga pelas estradas brasileiras não é uma tarefa fácil. Exige habilidades específicas, dedicação ao trabalho, desprendimento pessoal e muita coragem. Ser caminhoneiro significa estar disposto a conviver com longos afastamentos da família, a enfrentar o risco de acidentes provocados pela má conservação das vias e a se expor aos assaltos e roubos de carga que ocorrem, diariamente, no país. É uma vida dura, solitária e sofrida.
Justamente pelas longas jornadas de trabalho, a escolaridade dos caminhoneiros tende a permanecer baixa. Com base nos dados da PNAD-IBGE, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) aponta que os níveis de escolaridade e renda não evoluíram, mesmo após a promulgação das leis da categoria e do descanso. Segundo a pesquisa, apenas 60% dos profissionais completou o ensino fundamental e, destes, somente a metade concluiu, também, o ensino médio completo. Essa falta de formação universitária não impediu, no entanto, que a categoria desse uma exemplar aula de economia, política e gestão às autoridades de Brasília e aos gestores da Petrobras. Ao exigir e obter a redução dos preços do diesel, os caminhoneiros colocaram em xeque, diante de toda a nação, a política de preços dos combustíveis praticada pela Petrobras.
O alinhamento com o câmbio e com os preços internacionais não atende ao interesse dos brasileiros porque obriga os consumidores a pagar mais caro pelos combustíveis produzidos no país, em especial gasolina, diesel e gás de cozinha. Também não interessa ao Brasil porque aumenta a exportação de petróleo em troca da importação de volumes crescentes de produtos com maior valor agregado. O trade-off resultante é prejudicial ao país, pois eleva o gasto com divisas e afeta, negativamente, o saldo da nossa balança comercial. A Petrobras, igualmente, sofre prejuízos, pois, o aumento artificial de preços no mercado interno favorece e estimula a importação de derivados, resultando em perda de market-share [participação no mercado], ociosidade do parque de refino e redução dos resultados da empresa.
A política de preços da Petrobras atende unicamente ao ente abstrato que costumamos chamar de mercado. Internacionalizado e apátrida, o mercado se interessa apenas pelo lucro e não tem qualquer compromisso com o nosso desenvolvimento. Essa política agrada o mercado porque viabiliza a importação de derivados por outros agentes, reduz a participação da Petrobras no mercado interno, estimula a venda de ativos de refino e de logística e abre oportunidades para que outras empresas atuem no setor de abastecimento nacional. Como os principais grupos empresariais brasileiros estão impedidos de transacionar com a Petrobras, o resultado dessa política será a desnacionalização da indústria de petróleo brasileira. Processo análogo já ocorre no setor elétrico, no qual, nos últimos dois anos, 95% do capital comprador de ativos foi de origem estrangeira.
Nos resultados consolidados do 1º semestre de 2018, publicados em 03/08/18, a Petrobras informa que “o lucro líquido de R$ 10.072 milhões, comparado ao lucro de R$ 6.961 milhões no 1T-2018, refletiu o aumento do market-share de diesel e gasolina, devido à redução de importação por terceiros, resultando em crescimento de 6% das vendas no mercado interno, com destaque para o diesel, que cresceu 15%”. Está aí, implícita, a confissão do malfeito embutido na atual política de preços.
Ao exigir a redução do preço do diesel, a mobilização dos caminhoneiros desarticulou o negócio de importação de combustíveis e mostrou ao brasileiro comum o absurdo da política aplicada pelo governo e apoiada pelo mercado. A discussão sobre os preços dos combustíveis, até então restrita aos escaninhos burocráticos de Brasília, passou a ser tema comum das conversas entre cidadãos de todas as classes sociais. Democratizada a informação, na marra e na prática, os erros associados à política de preços e à venda de ativos estratégicos terão que ser corrigidos no próximo PNG [Plano de Negócios e Gestão] da Petrobras.
Parodiando a criança do conto de Hans Christian Andersen, dois milhões de caminhoneiros bradaram, em uníssono: “O Rei está nu!” E a verdade veio à tona.