O segredo do jabuti das 4 igrejas

Bolsonaro com o "missionário" RR Soares, na Igreja Internacional da Graça de Deus, maior devedora do Fisco entre as igrejas (foto: Carolina Antunes/PR)

Apenas quatro igrejas concentram as dívidas tributárias que se pretende perdoar – e isentar para o futuro – através do hoje famoso “jabuti”, colocado, ao modo de um corpo estranho, em um projeto de lei sobre outro assunto (v. HP 22/09/2020, Lídice: isenção das igrejas “foi um jabuti que levou vários parlamentares ao erro”).

Matéria publicada na revista Piauí, com dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mostra que as dívidas dessas quatro igrejas constituem, sozinhas, 20% da dívida total das igrejas (cf. Luigi Mazza e Renata Buono, Dízimos e dívidas, Piauí ed. #24, 21/09/2020).

Todas “neopentecostais” e adeptas sequiosas da “teologia da prosperidade”, essas quatro igrejas são as seguintes:

1 – Igreja Internacional da Graça de Deus

Pertencente ao “missionário” R.R. Soares, pai do deputado que inseriu o jabuti para isentar as igrejas no Projeto de Lei nº 1581/2020, que tratava de precatórios (dívidas da União com particulares).

Com o jabuti, R.R. Soares e sua igreja teriam perdoadas dívidas de R$ 145,3 milhões.

R.R. Soares, cunhado de Edir Macedo – dono da Igreja Universal do Reino de Deus – foi listado pela revista norte-americana “Forbes”, em 2013, como o quarto pastor evangélico mais rico do Brasil, com fortuna estimada, na época, em US$ 125 milhões (125 milhões de dólares).

2 – Igreja Mundial do Poder de Deus

Pertencente ao “apóstolo” Valdemiro Santiago.

Santiago e sua igreja teriam perdoadas, pelo jabuti, dívidas, com o país, de R$ 90,5 milhões.

Valdemiro Santiago, na lista de 2013 da “Forbes”, é o segundo neopentecostal mais rico do Brasil, com uma fortuna de US$ 220 milhões (220 milhões de dólares).

Acima dele, somente está Edir Macedo, proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus, com fortuna, segundo a “Forbes”, de US$ 950 milhões (950 milhões de dólares).

3 – Igreja Apostólica Renascer em Cristo

De propriedade do “apóstolo” Estevam Hernandes e da “bispa” Sônia Hernandes.

Os Hernandes, que, em 2007 foram presos e condenados à cadeia, nos EUA, por lavagem de dinheiro e falsificação de documento público, teriam perdoados, pelo jabuti, uma dívida com o fisco de R$ 33,4 milhões (sobre a prisão do casal, v. Bispos da Renascer escondiam dinheiro até em Bíblia, G1 09/01/2007).

O “apóstolo” e a “bispa” estão em quinto lugar entre os evangélicos que mais enriqueceram no Brasil, com fortuna estimada pela “Forbes” em US$ 65 milhões (65 milhões de dólares).

4 – Associação Vitória em Cristo

Seu dono é o “pastor” Silas Malafaia.

Malafaia, pelo jabuti inserido no projeto, teria perdoada uma dívida com a União de R$ 35,7 milhões.

POUCOS E RICOS

Todos esses grandes beneficiários do jabuti são bolsonaristas.

Aliás, a história do jabuti é, a esse respeito, exemplar (isto é, um exemplo do que é o charlatanismo bolsonarista e suas ramificações pseudo-religiosas).

Recapitulando:

O Congresso examinava o Projeto de Lei nº 1581/2020, que tratava de títulos precatórios, ou seja, do reconhecimento da dívida da União com cidadãos, através da emissão de um título para posterior pagamento.

Foi então que o deputado Davi Soares – filho do “missionário” R.R. Soares, bolsonarista que é proprietário da Igreja Internacional da Graça de Deus – inseriu um artigo – o agora famoso jabuti – que perdoaria dívidas passadas e isentaria as igrejas, futuramente, das contribuições tributárias (sobretudo a Contribuição Previdenciária e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido).

O total das dívidas das igrejas com a União está em R$ 1,3 bilhão (um bilhão e trezentos milhões de reais).

Como notam os repórteres da revista Piauí, essa dívida “é praticamente o triplo da dívida de todos os times de futebol dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (juntos, eles devem R$ 491 milhões à União)”.

Mas essa dívida se concentra em poucas igrejas. Basicamente, nas quatro que citamos:

Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares (R$ 145,3 milhões);

Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago (R$ 90,5 milhões);

Igreja Apostólica Renascer em Cristo, de Estevam Hernandes e Sônia Hernandes (R$ 33,4 milhões);

– e Associação Vitória em Cristo, de Silas Malafaia (R$ 35,7 milhões).

Para termos uma ideia da concentração da dívida nessas poucas igrejas, todas pertencentes a cabos eleitorais bolsonaristas, notemos que “a Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, deve R$ 145,3 milhões à União. É quase tanto dinheiro quanto devem todos os centros de espiritismo e umbanda listados na dívida pública – juntos, eles acumulam débitos de pelo menos R$ 156 milhões” (cf. Piauí, artigo cit.).

Ou seja, milhares de centros espíritas, centros de candomblé ou centros de umbanda devem tanto quanto uma única igreja neopentecostal bolsonarista.

E repare o leitor que, acima, não incluímos o extinto Instituto Geral Evangélico, que não era uma igreja, mas uma entidade filantrópica com sede no Rio de Janeiro.

Esse Instituto Geral Evangélico deve R$ 555 milhões à Previdência.

A PROMESSA

Ao vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 1581/2020, Bolsonaro manifestou-se a favor da “imunidade” tributária das igrejas, apresentando tal privilégio como inerente à liberdade de culto ou liberdade religiosa.

Bolsonaro foi mais longe: aconselhou, pela Internet, deputados e senadores a derrubar o seu próprio veto (“caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”).

Disse que somente vetou parcialmente o jabuti de Soares, Malafaia, etc., porque, se não vetasse, incorreria em “crime de responsabilidade”, por desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, e, portanto, em risco de impeachment.

Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República declarou que Bolsonaro “se mostra favorável à não tributação de templos de qualquer religião” e anunciou – o que foi confirmado por Bolsonaro – que será enviada ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) “a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”.

O que são essas dívidas?

A Constituição de 1988 (artigo 150, inciso VI) isentou igrejas e partidos políticos do pagamento de impostos (tributos sem destino definido), mas não do pagamento de contribuições (tributos com destino específico, como são a Contribuição Previdenciária e a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido).

A igrejas dos cabos eleitorais bolsonaristas querem, entretanto, não pagar também as contribuições.

Assim, “a cada R$ 100 devidos à União [pelas igrejas], R$ 70 são dívidas previdenciárias, R$ 28 são dívidas em geral (tributárias, multas trabalhistas, criminais, entre outras) e R$ 2 são contribuições não recolhidas do FGTS” (cf. Piauí, matéria cit.).

Mas é uma fraude tratar essa questão como se a isenção tributária do missionário R.R. Soares beneficiasse igualmente todas as igrejas que existem no Brasil, todos os cultos, inclusive o candomblé, a umbanda e a Igreja Católica.

Não é verdade.

O segredo do jabuti é que ele foi pré-fabricado para beneficiar alguns poucos charlatães que enriquecem com a extorsão de incautos – todos, por sinal, bolsonaristas.

É isso que Bolsonaro chama de “justa demanda das entidades religiosas”.

A diferença entre religião e charlatanismo – ou entre justiça e privilégio de um grupelho de apaniguados – é, para Bolsonaro, nenhuma.

Ou, para ser exato, ele prefere charlatanismo e privilégio do que religião e justiça.

CARLOS LOPES

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Uma resposta

  1. Muitas Igrejas cristãs, sobretudo neopentescostais, se transformaram em uma espécie de comércio bastante lucrativo.

    Os donos de algumas dessas igrejas têm como prática a comercialização da fé. Muitos deles, que possuíam patrimônio bastante modesto, são hoje donos de imensas fortunas, ficaram milionários à custa da ingenuidade de milhares de fiéis, em sua maioria pessoas simples que, obcecados pela crença, financiam a vida de luxo e riqueza desses falsos pastores, “mercadores do templo”, exploradores da fé.

    HOJE ALGUMAS IGREJAS ATUAM COMO VERDADEIRAS EMPRESAS, ONDE OS CLIENTES SÃO OS FIÉIS, O SERVIÇO PRESTADO É A CURA DA ENXAQUECA E O PRODUTO COMERCIALIZADO É A PALAVRA DE DEUS.

    Conforme referido na matéria em comento, os líderes religiosos mais ricos do Brasil, segundo a Revista Forbes, são: Edir Macedo, R R Soares, Estevam Hernandes Filho, bispa Sônia, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago. Tais proprietários de igrejas são hoje possuidores de imensas fortunas.

    Portanto, ao invés de isentarem as igrejas de impostos, os deputados e senadores deveriam é criar uma lei para tributar as fortunas dos seus dirigentes, fortunas essas que, para disfarçar, são declaradas como advindas de “dízimos” e doações.

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