(HP, 02/11/2016)
CARLOS LOPES
O segundo turno das eleições municipais confirmaram as tendências observadas no primeiro:
1) O PT não conseguiu eleger um único prefeito no segundo turno. Onde disputou a eleição, perdeu: Recife (PE), Juiz de Fora (MG), Santo André (SP), Vitória da Conquista (BA), Anápolis (GO), Santa Maria (RS), Mauá (SP).
Algumas dessas derrotas foram, como dizem alguns, emblemáticas: é o caso de Santo André, no ABCD paulista, município em que o vencedor, Paulo Serra (PSDB), teve 276.575 votos (78,21% dos votos dados a candidatos) contra apenas 77.069 (21,79%) do prefeito Carlos Grana, do PT, candidato à reeleição, reconhecidamente do círculo de Lula.
O candidato do PT perdeu até mesmo das abstenções, votos nulos e votos em branco, que totalizaram 216.018 votantes – ou eleitores. Aliás, em relação ao total do eleitorado de Santo André, 48,55% dos eleitores votaram no candidato que venceu, 37,92% não votaram em candidato algum e apenas 13,53% votaram no candidato do PT.
Em Mauá, também em São Paulo, onde o candidato do PT também perdeu, a preferência da maioria dos eleitores foi em nenhum candidato: as abstenções, nulos e brancos perfizeram 42,28% do eleitorado, contra 37,21% do candidato vencedor – do PSB – e 20,51% para o PT.
Porém, a mais importante eleição disputada pelo PT, no segundo turno, foi a de Recife, em que o seu candidato foi o ex-prefeito – por dois mandatos – João Paulo Lima e Silva, que perdeu a eleição para o atual prefeito, Geraldo Júlio, do PSB, que conquistou 47,20% do eleitorado contra 29,80% do petista, enquanto 23% (um dos menores índices do país) preferiram se abster ou votar nulo (ou branco).
A queda da votação do PT no segundo turno foi de 6 milhões, 987 mil e 961 votos em 2012 para 810 mil e 578 votos em 2014.
Certamente, algum petista dirá que essa comparação é falsa, pois, no segundo turno das eleições de 2012, o PT tinha 21 candidatos – e elegeu 8 – enquanto agora, o PT teve sete candidatos no segundo turno – e elegeu nenhum deles.
No entanto, essa é justamente a razão pela qual a comparação que fizemos tem alguma pertinência: alguma razão houve para que o número de candidatos no segundo turno decrescesse tão tremendamente…
Embora, é evidente que essa não é a comparação principal. Mas esta última nós já fizemos, ao considerar a votação para vereador em todo o Brasil:
“O partido que mais perdeu votos para vereador foi o PT, com -5,7 milhões de votos (-48%); depois, o PMDB, com -1,2 milhão (-11%). O PSDB e o DEM, supostamente vozes da oposição, no conjunto do país, estagnaram: o aumento de sua votação nacional para vereador foi ínfima: +0,09% (PSDB) e +0,68% (DEM)” (cf. HP 12/10/2016).
Quanto à votação para prefeito no primeiro turno, já assinalamos a perda de 10 milhões de votos do PT e de -2,1 milhões pelo PMDB.
A principal razão desse processo de extinção do PT, evidentemente, foi o estelionato eleitoral de 2014/2015.
No entanto, é preciso acrescentar qual foi o conteúdo desse estelionato, pois é a partir dessa consideração que é possível avaliar o conjunto do resultado eleitoral.
O estelionato de Dilma e do PT – que, em verdade, começou em 2011, mas chegou à completa falta de vergonha, de escrúpulos e de caráter em 2015 – consistiu em aderir à política neoliberal que haviam jurado “pela mãe morta” (como diziam antigamente as crianças) que nunca fariam no país.
Nisso, não há diferença alguma entre petistas e tucanos – ambos levaram essa política desastrosa ao limiar da destruição da economia, isto é, do país. Tanto isso é verdade, que o PT (isto é, Dilma, com o apoio de Lula) nomearam um tucano, Joaquim Levy, para executar a política petista.
Lula foi até pior, ao fazer campanha para colocar seu presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tucano amestrado em Wall Street, no Ministério da Fazenda – o mesmo Meirelles que Temer adotou e inferniza a vida do país.
Levy ou Meirelles são dois débeis mentais no que se refere à economia nacional. A única coisa de que entendem – desde que tenham proteção de alguém mais acima para fazê-lo – é aumentar a parte do produto nacional que vai para os bancos, fundos estrangeiros & demais rentistas. Isto é, eles sabem aumentar juros, o que, aliás, não demanda nenhuma sabedoria, apenas gana de matar o povo de fome.
Há meses (mais especificamente, em outubro de 2015, portanto, há um ano), em um debate, um desses neoliberais – por sinal, um tucano que escreveu o programa econômico de Serra para a eleição de 2002, o sr. Samuel Pessoa – deixou absolutamente a nu a sua afinidade com a política levada à prática por Dilma, assim como o seu conteúdo: “quanto mais os salários reais caírem, mais rápido e indolor o ajuste vai ser. Em maio, junho [de 2015], fiquei superfeliz porque as expectativas estavam mostrando uma queda de salário real de 5%” (cit. in P.P. Zahluth Bastos e L.G. Belluzo, “Uma crítica aos pressupostos do ajuste econômico”, FSP 09/10/2016).
O sujeito considera que, quanto menos o trabalhador receba de salário, em termos reais (ou seja, em termos de poder aquisitivo), mais “indolor” é o “ajuste”.
Indolor para quem, ô cara-pálida? Para quem passa fome, certamente, não.
Mas essa malta tornou-se tão deformada, tão insensível, tão monstruosa, que fica “superfeliz” (não apenas “feliz”, mas “superfeliz”) com a fome dos outros – o que inclui, é preciso lembrar, um massacre de crianças de deixar Herodes reduzido a um marginalzinho quase sem importância.
Obviamente, reduzir o salário real significa transferir recursos dos trabalhadores – e dos empresários nacionais, que dependem do nível salarial para vender os produtos das suas fábricas – para o setor financeiro.
Pois essa foi, precisamente, a política do PT desde 2011, piorada em 2015. O “ajuste” não começou com Levy, mas com Mantega.
Aliás, o brutal aumento do número de presos, entre 2003 e 2014, somente demonstra que a política supostamente “social” do PT foi a de distribuir migalhas para que o povo aguentasse mais sofrimento, mais roubo, mais corte nos direitos reais, enquanto o discurso oficial cantava loas a essas migalhas, como se elas fossem a antessala do Paraíso.
E nem tocamos ainda na questão fulcral: a quebra da produção industrial nacional para o mercado interno, substituída pelo penduramento do país no mercado externo de commodities (basicamente duas: a soja e o minério de ferro) com um importacionismo tresloucado, quase no estilo da República Velha, exceto pelo fato de que, naquela época, pelo menos as plantações de café eram nacionais. Basta ver o que ocorreu com a indústria do etanol – e com vastas plantações de cana – para sentir como essa política consegue, na essência, ser ainda mais submissa que a de Campos Salles ou Washington Luís.
Por que isso é importante na avaliação das eleições?
Porque existem alguns bobos que pretendem assustar o povo – embora não o consigam – com o espantalho do fortalecimento tucano, se o PT continuar a encolher, e, mesmo, deixar de existir.
Primeiro, o responsável por qualquer fortalecimento tucano é o PT, que trouxe de volta a política neoliberal tucana, quando ela já estava de vela na mão, ou, pior, já passara, no Brasil, para o além túmulo.
Segundo, a garantia de que qualquer fortalecimento tucano será passageiro é que a política tucana é a mesma do PT – ou, ao inverso, o PT, a partir de 2011, e mais ainda de 2015, aderiu, precisamente, à política tucana. Isso o levou à cova da mesma forma que levará os tucanos – como, aliás, já teria levado, se não fosse a traição petista.
Ulysses Guimarães, em um famoso discurso que reproduzimos em nossa última edição, falou do “castigo popular, que tem sido implacável com os traidores do Brasil. A pátria não condecora os traidores”.
Justamente, o que está acontecendo com o PT é o castigo popular que sempre aparece antes cedo do que tarde.
Quanto aos tucanos, vejamos a outra tendência que o segundo turno das últimas eleições confirmou.
2) A revolta contra o PT & satélites manifestou-se, antes de tudo, no aumento de abstenções, votos nulos e votos em branco.
Em 11 municípios, dos 57 onde houve segundo turno no domingo, a soma das abstenções, votos nulos e votos em branco superou a votação do candidato mais votado. E não são quaisquer municípios: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Niterói, São Gonçalo, São Bernardo do Campo, Ribeirão Preto, Diadema, Belford Roxo, Petrópolis e Mauá.
Em outros, isso ficou muito perto de acontecer.
Mas os índices dos que não votaram em nenhum candidato, na tabela desta página, é suficiente para demonstrar que não houve uma simples transposição dos votos que antes sufragaram candidatos do PT, ou assemelhados, para os tucanos.
Esse eleitorado que não votou em algum candidato não ficou com alergia à política, como dizem alguns desavisados – ou de mera má-fé.
O que esse eleitorado não aceita nem suporta é a política de petistas ou tucanos – que é a mesma, precisamente porque tanto uns quanto outros são apenas serviçais da dependência externa, vale dizer, do poder financeiro que se concentra e é simbolizado por Wall Street e outros lugares de igual má fama.
Logo, o que está surgindo não é uma substituição dos petistas pelos seus coirmãos tucanos – que têm como contradição principal a briga para ser o agente preferencial dos monopólios financeiros externos aqui dentro.
O que está surgindo é o espaço, cada vez maior, para um projeto nacional e uma política voltada para os interesses nacionais.
Ainda que petistas e tucanos tentem frear esse avanço com alguns casuísmos – é a isso que chamam “reforma partidária”: o banimento de partidos que estão crescendo, porque eles estão caindo na vala comum a que o Brasil sempre relegou os traidores – não é possível conter aquilo que constitui o cerne da própria Nação, o âmago do próprio povo brasileiro.