
Se você, caro leitor, achava que já tinha ouvido de tudo que sai da boca dos integrantes do clã Bolsonaro, pode tirar o cavalo da chuva, pois, rigorosamente, o festival de asnices não tem limites.
O mais provável é que novas sandices venham por aí, especialmente, agora, quando perceberam que os ventos da tempestade que apostavam contra o País e o governo Lula se voltaram contra eles próprios e com uma intensidade cada dia maior.
Não bastou o deslocamento do filho 03 aos EUA para conspirar, aberta e permanentemente, contra o Brasil e os brasileiros. Não bastou a adulação pública de Tarcísio de Freitas a Trump e o vergonhoso pedido ao STF para autorizar Bolsonaro viajar aos EUA e negociar o “tarifaço”. Não bastou a mediocridade de Zema e Caiado, atribuindo à Lula os arreganhos da Casa Branca. Isso tudo, preterido pela continência do “capitão” à bandeira americana em pleno exercício da Presidência da República. Haja conspurcação aos interesses nacionais por quem se diz “patriota”. Patriota de fancaria!
Pois bem, não bastaram todos esses gestos e atitudes de traição à Pátria.
Um novo e humilhante capítulo surgiu com Flávio Bolsonaro, conhecido nacionalmente pelas rachadinhas no legislativo fluminense, os escândalos das franquias de chocolate e, mais recentemente, a aquisição milionária de mansão na Capital Federal com recursos de financiamento do banco público de Brasília, incompatível com a renda familiar. No desespero de salvar a pele do pai, resolveu subir o tom das ameaças de Trump ao lembrar o uso pelos EUA de duas bombas atômicas no final da 2º Guerra Mundial contra o Japão.
Disse ele:
“A gente vai continuar com o nosso orgulho, né? Somos brasileiros? Todos nós temos orgulho de ser brasileiros, mas como é que se resolve essa situação? Se você olhar para a Segunda Guerra Mundial, o que os Estados Unidos fizeram com o Japão? Lança uma bomba atômica em Hiroshima para demonstrar força”, citou.
“Qual foi a reação do Japão naquela época? Falou: ‘Olha, nós aqui somos patriotas; isso é uma interferência dos Estados Unidos aqui no nosso país; nós aqui vamos resistir; fora ianques’. Qual foi a consequência três dias depois? Uma segunda bomba atômica em Nagasaki para, aí, depois, sim, haver, no dia 16 de agosto de 1945, portanto duas semanas da primeira bomba, haver uma rendição formal por parte do Japão”, prosseguiu.
“Então, essa situação tem que ser encarada como uma negociação de guerra, sim, onde nós não estamos em condições normais; nós não estamos em condições de exigir nada por parte do governo Trump; ele vai fazer o que ele quiser, independente da nossa vontade”, continuou.
“Cabe a nós termos a responsabilidade de evitar que caiam duas bombas atômicas aqui no Brasil para, depois, nós anunciarmos que vamos fazer anistia; para depois nós anunciarmos… Eu acho que é uma segunda coisa que ele vai querer também colocar na mesa de negociação porque é o que está na carta dele, que é a questão da liberdade de expressão nas redes sociais”, concluiu o sujeito que, para infortúnio do povo do Rio de Janeiro, ostenta o título de senador daquele valoroso estado da União.
Pelo raciocínio do serviçal, não resta outra alternativa ao Brasil senão ceder aos desatinos de Trump, anistiando os golpistas criminosos do 8 de janeiro, a começar pelo chefe do clã, a quem deve ser devolvido o direito de disputar as eleições de 2026, mesmo depois de condenado pela Justiça Eleitoral e estando prestes a colecionar nova condenação, dessa vez por ter liderado uma tentativa de golpe de estado no país.
O complexo de vira-lata é escrachado, pois, em sua avaliação rasteira, o 01 diz que o país não tem nenhuma condição de reagir, ignorando deliberadamente que, mantido o vergonhoso sobretarifaço de 50% a partir de 1º de agosto, serão afetados, além dos exportadores brasileiros, entre os quais norte-americanos situados aqui, as empresas e a população dos EUA que dependem e consomem os produtos e serviços exportados pelo o Brasil. Os dados do déficit comercial brasileiro com os EUA já foram divulgados largamente e em nada contestados.
A “guerra” apontada por Flávio Bolsonaro não passa de uma chantagem utilizada por Trump na tentativa de salvar o comparsa Jair e manter as big techs sem nenhuma regulação, cujo desfecho poderá ameaçar empresas e milhares de empregos no Brasil, algo pelo qual o clã não tem o menor compromisso.
Nisso – e em tantas outras coisas, Trump e Bolsonaro se assemelham e muito. Farinha pouca, meu pirão primeiro, e que se danem os interesses de seus respectivos países, a não ser os deles próprios e de uma casta econômica apodrecida e decadente.
Não por acaso, os dois, cada um a seu tempo, articularam movimentos golpistas para manter-se no poder e não reconheceram o resultado das urnas depois de serem derrotados, com diferença de que Trump, 4 anos depois, com a mediocridade do governo Biden e o apoio bilionário dos megamonopólios digitais, conseguiu voltar, numa cabal demonstração de que a “democracia” dos EUA está muito longe de ser aquilo que hipocritamente alardeiam aos quatro ventos. Basta ver as agressões e perseguições aos opositores do atual inquilino da Casa Branca e a cruzada fascista contra os imigrantes.
Mesmo hoje, com o BRICS fortalecido e as novas relações que o Brasil estabeleceu em todo mundo, livrando-se do alinhamento contumaz e parasitário aos interesses dos EUA durante o desgoverno Bolsonaro, para o 01 o país não tem “poder de barganha” e, portanto, tem que ter “responsabilidade de evitar que caiam duas bombas atômicas no Brasil, para depois anunciar que vamos fazer anistia”, blasfemou.
Que duas bombas atômicas, fariseu? Certamente, não são daquelas que foram, covardemente, jogadas contra o povo japonês quando o seu império já se encontrava praticamente na lona, pois, agora, ao contrário daquela época, muitos outros países têm a bomba, inclusive os que se alinham com o Brasil no BRICS.
Serão novas sobretaxas? Trump, para salvar Bolsonaro e socorrer as big techs, será capaz de escalar a crise que afetará empresas e consumidores norte-americanos para garantir a “liberdade” do comparsa e a lei da selva para seus financiadores? E o Brasil, não disporá de novos e emergentes mercados para destinar as exportações que hoje são endereçadas aos EUA?
São perguntas que, certamente, incomodam o clã, cada vez mais isolado e desgastado, dessa vez com amplos setores do empresariado brasileiro – do agro à indústria, as primeiras vítimas caso a ameaça trumpista se concretize.
A degradação do clã confirmou-se, também, hoje, pelo seu chefe maior, que se declarou “apaixonado” por Trump, pelos Estados Unidos e pela política norte-americana.
Tem lógica: Bolsonaro transferiu a adoração que tinha – e ainda tem – pela ditadura que infelicitou o país por 21 anos e seus torturadores para outro tipo de ditadura, todavia, dissimulada, como a dos EUA, onde os rumos da política são ditados, crescentemente, nas últimas décadas, pelos monopólios da guerra, do petróleo, dos bancos e, agora, das corporações digitais.
Resta saber se tal paixão persistirá quando Trump, confrontado como está pelo Brasil e outras nações que rechaçam suas chantagens – e diante das inevitáveis reações internas, enfiar a viola no saco e recuar, como já aconteceu com a China, por exemplo.
Desde que foi desencadeada essa guerra comercial pelos EUA, reflexo da profunda decadência política, econômica e moral daquele império, Trump tem se mostrado, acima de tudo, um blefador, um cego que atira para todos os lados para, depois, fingir que não era bem assim e tentar reduzir o prejuízo.
Provavelmente, não será diferente nesse caso, diante da postura altiva do Brasil e de seu governo, agora, munido com a lei da reciprocidade que poderá ser utilizada em caso extremo.
Quanto às “bombas” do 01, até o momento, representaram o sinal mais eloquente e caricato do desespero que tomou conta das hostes bolsonaristas, diante da iminente condenação e prisão de seu chefe, após amplo e irrestrito direito de defesa frente às robustas provas apuradas na investigação da trama golpista.
Como é sabido, a expressão “complexo de vira-lata” foi popularizada pelo escritor brasileiro Nelson Rodrigues, referindo-se a um sentimento de inferioridade que alguns nutrem em relação a outros países, especialmente os desenvolvidos.
Nela, “complexo” é o substantivo e “vira-lata” o adjetivo, que qualifica o substantivo.
Agora, com tamanho capachismo, o 01 virou o próprio vira-lata, o vira-lata 01, que parece substantivo e não adjetivo, invertendo a lógica gramatical da expressão, com todo respeito a essa espécie animal que, como sabemos, alegra e protege muitos lares brasileiros.
MARCO CAMPANELLA