Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, o engenheiro Frederico Barbosa, funcionário da Odebrecht, responsável para atuar no sítio de Atibaia, revelou em detalhes como foram realizadas as obras no imóvel do ex-presidente Lula. O vídeo com o depoimento de Barbosa – prestado em fevereiro de 2017 – foi anexado pela força-tarefa na terça-feira (6) aos autos da ação penal contra o ex-presidente, acusado de receber vantagens indevidas da empreiteira referentes às benfeitorias no imóvel, em Atibaia.
“Em meados de dezembro de 2010, eu estava numa obra em Heliópolis, bairro que fica ao lado de São Caetano, quando fui convocado pelo meu superior, Emyr Costa, para entrar em contato com o senhor Rogério Aurélio Pimentel, ex-assessor especial da Presidência da República, para que fizesse uma vistoria em apartamento situado em São Bernardo do Campo, de propriedade do presidente Lula”, relatou o engenheiro.
Barbosa contou que, no dia seguinte à conversa por telefone, encontrou-se com Aurélio em São Caetano e, de lá, foram para a residência de Lula em São Bernardo. Ao chegar no local, foi até a laje e verificou problemas de infiltração. Ele, então, sugeriu a Pimentel que contratasse uma empresa de impermeabilização. Este fato, um engenheiro da Odebrecht ser deslocado, a mando de seu superior, para se encontrar com um assessor de Lula, para avaliar um vazamento de uma laje na residência do ex-presidente, sem remuneração ou contrato, foi registrado por ele como um acontecimento “incomum”.
Ao deixar o local, Rogério Aurélio Pimentel pediu ao engenheiro que o acompanhasse até um sítio em Atibaia. O sítio já estava em obras, que estavam sendo conduzidas por José Carlos Bumlai, amigo de Lula. “Eu fui até o sítio verificar o que estava ocorrendo. Chegando ao local, o portão foi aberto pelo caseiro. Percorremos o imóvel e ele mostrou a situação: existiam três blocos em construção, com apenas a fundação executada, com a parte metálica toda soldada, mas tudo paralisado”, disse Barbosa. “Fui informado pelo Aurélio que tínhamos 15 dias, no máximo um mês para realizar a obra”. Depois de avaliar o local, Barbosa informou seu superior, Emyr, de que haveria a necessidade de uma empresa para realizar a obra. Com a concordância de Emyr, foi acionada uma empresa, sugerida por Barbosa. A empresa de propriedade de Carlos Rodrigues, já havia prestado serviços para ele, Barbosa, e para o próprio Emyr Costa.
Carlos Rodrigues, responsável pela empresa que assumiu a obra do sítio, informou ao engenheiro que não dispunha de pessoal para cumprir a obra no tempo desejado. Barbosa então foi questionado por Emyr, se a obra que ele comandava em Heliópolis poderia dispor de pessoal para ajudar a concluir o sítio no prazo. Barbosa respondeu que sim e deslocou 18 funcionários, entre engenheiros, encarregados e operários. Ele disse, no depoimento, que foi orientado por Emyr a não identificar os funcionários porque a Odebrecht “não poderia aparecer nesta obra”. “Em todas as obras da Odebrecht há a identificação da empresa, ou até da obra no uniforme dos funcionários. Nesta não houve”, disse.
O engenheiro disse que a obra não tinha contrato assinado. “Era um obra informal. Não havia CNPJ”, afirmou. “Os fornecedores eram pagos em dinheiro vivo que eu recebia diretamente do Emyr em envelopes fechados”, informou Barbosa. O que se pretendia fazer no sítio eram a construção de um anexo à sede com 4 suítes; a construção de uma sauna, campo de futebol de grama e uma guarita; a realização de acabamento na sede; a construção de uma adega e quarto de empregada; a conclusão de uma casa para acomodação de seguranças.
Rogério Aurélio Pimentel disse ao engenheiro que ainda se pretendia a “construção de uma quadra de tênis, de um pomar e a ampliação de lagos existentes na propriedade”. Esses itens foram rejeitados por Barbosa, exatamente porque Pimentel lhe disse que “as obras eram urgentes e deveriam ser concluídas em aproximadamente 30 dias”.
“Foram feitos pagamentos semanais, de acordo com o andamento da obra”, apontou Barbosa. A estimativa inicial, segundo depoimentos de funcionários da Odebrecht, era de que as obras custariam R$ 500 mil, o que foi comunicado a Alexandrino Alencar – e, por consequência, a Emílio Odebrecht. Este autorizou a liberação de dinheiro do Setor de Operações Estruturadas.
“… Lúcia Tavares [secretária] do Setor de Operações Estruturadas, (…) providenciou a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em espécie e mandou entregar os valores no escritório onde Emyr Costa trabalhava, tendo este, inclusive, adquirido um cofre para armazenar os valores em sua sala de trabalho. Os valores foram disponibilizados semanalmente para [o engenheiro] Frederico Barbosa. No final, o custo total acabou ficando em R$ 700 mil.
“Eu recebia os envelopes fechados com o dinheiro em valores que giravam em torno de R$ 60 mil a R$ 70 mil semanalmente para fazer os pagamentos”, acrescentou. “Algumas vezes eu comprei alguns materiais, como luminárias e material das suítes com recursos próprios, mas fui ressarcido pela empresa”, informou Barbosa. Ele disse que alugou um carro em seu nome. “Fui ressarcido pelo aluguel do carro por meu superior”, acrescentou. “Os pagamentos ao Carlos Rodrigues eram feitos pelo Aurélio Pimentel e eu não sei como eram feitos”, adendou o engenheiro.
Notas fiscais apreendidas pela PF na residência de Lula, confirmaram o depoimento de Barbosa. Numa delas, obtida durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência de Lula e Marisa, em São Bernardo do Campo/SP, foram encontradas dezenas de pedidos de venda/entrega de materiais de construção do Depósito Dias Materiais de Construção Ltda para as reformas do Sítio de Atibaia”; cf. Denúncia, p. 151). Barbosa informou que o principal fornecedor da obra foi o depósito Dias, de Atibaia. Uma nota em nome do engenheiro Barbosa, que utilizou seu cartão de crédito pessoal em compras realizadas na loja de material de construção Telhanorte (ao todo, R$ 12.986,87), foi encontrada na residência de Lula. Este valor foi ressarcido ao engenheiro pelo “setor de operações estruturadas” da Odebrecht.
Perguntado se em algum momento esteve com Jonas Suassuna e Fernando Bittar [proprietários formais do sítio], Barbosa disse que nunca os viu no sítio. Que a única pessoa que estava lá, além do caseiro e dos funcionários que ele e Carlos Rodrigues levaram, era o Aurélio Pimentel, assessor de Lula. Barbosa relatou também que viu na varanda da casa umas caixas cobertas com uma lona onde se podia ler na madeira que guardava o material, que a orígem era Brasília. No depoimento, o engenheiro disse também que informou aos três dirigentes da empreitada que a obra era para o presidente Lula e que o responsável pelo canteiro de obras era Aurélio Pimentel, assessor especial do ex-presidente.
SÉRGIO CRUZ
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