“É inaceitável tornar o Al Shifa em campo de batalha”, diz a declaração expedida pelo secretário para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths
A invasão foi repudiada pelo secretário da ONU para assuntos humanitários, Martin Griffiths, que se disse “horrorizado com os relatos das incursões militares no hospital Al Shifa em Gaza”.
A proteção de recém-nascidos, pacientes, equipe médica e todos os civis deve se sobrepor a todas as outras preocupações, disse Griffiths, reiterando que “hospitais não são campos de batalha.”
“A invasão militar israelense ao hospital al-Shifa na cidade de Gaza é totalmente inaceitável”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesuse, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), sublinhando que a entidade que dirige está muito preocupada com a segurança da equipe e dos pacientes do hospital e perdeu toda a comunicação com o maior hospital do enclave palestino.
“Nos últimos três dias, não houve atualizações sobre o número de mortos e feridos em Gaza, tornando mais difícil avaliar o funcionamento do sistema de saúde. Ele advertiu, ainda, que antes do início da guerra, em 7 de outubro, havia cerca de 3.500 leitos hospitalares em Gaza, hoje reduzidos a 1.400 e mesmo estes em vias de colapsar.
A invasão do Al Shifa aconteceu na noite de ontem, depois de cinco dias de ataques e cerco por tanques israelenses, além de repetidas ordens do comando da ocupação para “evacuar o hospital”. 700 pacientes, entre eles, 36 prematuros; 700 médicos, enfermeiros e paramédicos; e mais de seis mil refugiados estão nas dependências do hospital.
“Mãos ao alto todos os homens de mais de 16 anos”, gritou um soldado israelense falando em árabe, de acordo com relato de um jornalista à AFP. “Saiam do prédio em direção ao pátio e se rendam”, acrescentou o soldado.
Cerca de 1,000 palestinos do sexo masculino com suas mãos para cima se dirigiram ao pátio onde alguns deles tiveram que tirar a roupa para se submeterem a revista pelos invasores. Já sem roupa, tiveram os olhos vendados e foram submetidos a interrogatório, segundo informes da AFP, do portal Al Jazeera e do jornal The Guardian.
INDIGNAÇÃO
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan advertiu que se Israel continuar seus massacres, “será universalmente condenado em toda a parte como um ‘Estado terrorista’”.
A Autoridade Palestina denunciou a invasão do maior hospital de Gaza pelas tropas de Israel. “Esse ataque é uma flagrante violação da lei internacional”, declarou o ministério das Relações Externiores, que exigiu “uma intervenção internacional urgente para proteger os civis lá”.
“Nós estamos confrontando uma guerra de agressão bárbara e uma guerra aberta de genocídio contra o nosso povo na Faixa de Gaza e na Margem Ocidental”, disse o presidente palestino Mahmoud Abbas, em Ramallah, no 35º aniversário da Declaração de Independência palestina.
O embaixador da Jordânia na ONU, Ayman Safadi, responsabilizou o Conselho de Segurança por permitir a “barbárie” da incursão de Israel no principal hospital de Gaza por meio de seu “silêncio”. “Nós condenamos o silêncio sobre essa brutalidade. Está propiciando cobertura a crimes de guerra. É inaceitável, injustificável. O Conselho tem de agir”.
Depois de Macron, outros dois chefes de governo sentiram a necessidade de colocar alguma separação entre eles próprios e o regime genocida de Netanyahu. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, exigiu “um cessar-fogo imediato por parte de Israel em Gaza e o cumprimento rigoroso do direito humanitário internacional, que hoje claramente não é respeitado”, além de rejeitar “o assassinato indiscriminado” de palestinos em Gaza e na Cisjordânia.
Por sua vez, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, alertou Israel que “o mundo está assistindo. O mundo está testemunhando essa matança de mulheres, de crianças, de bebês. Isso tem que parar.”
ISRAEL CHAMA CHACINA DE “OPERAÇÃO PRECISA”
Porta-voz militar israelense cinicamente chamou o crime de guerra cometido contra o Al Shifa à vista do mundo de “operação precisa e direcionada” contra o Hamas, plagiando as alegações de repetidos presidentes norte-americanos que descreviam como “ataques cirúrgicos” as chacinas que cometiam mundo afora.
O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sulivan, fez questão de co-assinar o crime de guerra de Netanyahu no Al Shifa, alegando ter – mas sem mostrar nenhuma – “informações” sobre o uso dos hospitais de Gaza pelo Hamas para “ocultar suas operações militares e manter reféns”.
A ONG norte-americana Human Rights Watch já havia reiterado na véspera que o exército israelense não forneceu evidências suficientes para justificar seus ataques a Al Shifa e outros hospitais do norte de Gaza, a maioria dos quais parou de funcionar devido à falta de combustível e outros suprimentos, bloqueados por Israel.
BARBÁRIE INSANA
O ataque ao maior hospital de Gaza continua, disse o diretor Muhammad Abu Salmiya à Al Jazeera, com as forças israelenses em vários edifícios em todo o complexo. “O exército de ocupação está no prédio da diálise sem se preocupar em levar combustível para ajudar os pacientes”, disse. “Não podemos chegar à farmácia para tratar os pacientes, pois a ocupação atira em todos que se movem.”
Segundo outros relatos, parte do hospital foi transformada em QG para os soldados israelenses e, ao invadirem, como disse à Al Jazeera um funcionário do pronto-socorro do Al Shifa, eles “detiveram e agrediram brutalmente alguns dos homens que estavam se refugiando no hospital”. “As forças israelenses levaram os homens detidos nus e com os olhos vendados”, acrescentou o funcionário. “[Eles] não trouxeram ajuda ou suprimentos, só trouxeram terror e morte.”
Abu Salmiya relatou não conseguir se comunicar com médicos de todo o hospital para perguntar sobre a condição dos pacientes, acrescentando que não tem conhecimento do estado dos bebês prematuros que estão sendo tratados lá.
Ele acrescentou que ninguém do exército israelense entrou em contato com ele desde que o hospital foi invadido, e água, eletricidade e oxigênio estão completamente cortados no interior. “Os ferimentos dos pacientes começaram a apodrecer significativamente depois que todos os serviços do hospital pararam. O cheiro da morte paira por toda parte.”
Na terça-feira, havia sido preciso cavar uma vala comum no pátio de Al Shifa, já que não havia outra maneira de enterrar mais de uma centena de corpos mortos com segurança fora do complexo hospitalar, por causa dos ataques israelenses, que já duravam cinco dias.
TERROR ISRAELENSE
O diretor-geral dos hospitais em Gaza, Munir al-Bursh, disse que os soldados israelenses destruíram equipamentos no porão e em outros edifícios, incluindo os que abrigam os departamentos de emergência e cirurgia. “Eles ainda estão aqui (…) pacientes, mulheres e crianças estão apavoradas”, disse. Al-Bursh disse que os médicos prometeram ficar com seus pacientes “até o fim”.
Ele pediu que as Nações Unidas e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha garantam um corredor seguro para pacientes, funcionários e famílias deslocadas presas na instalação partirem. Mesmo antes da invasão, a situação dentro do hospital era “horrível”, com procedimentos médicos ocorrendo sem anestesia, famílias com pouca comida ou água vivendo nos corredores e o mau cheiro de corpos em decomposição enchendo o ar, relatou.
ZONA DE GUERRA
O cirurgião Ahmed El Mohallalati relatou por telefone que a equipe se escondeu enquanto os combates se desenrolavam e tanques entravam no complexo hospitalar. “Um dos grandes tanques entrou pelo portão principal leste e estacionou na frente da emergência do Al Shifa.”
“Todos os tipos de armas foram usados ao redor do hospital. Eles atacaram diretamente o hospital. Tentamos evitar ficar perto das janelas”, disse. É como “uma zona de guerra”.
“É um momento totalmente assustador; é um momento horrível para as famílias, os civis abrigados no hospital com seus filhos. É terrível para a equipe que está cuidando de seus pacientes e para os próprios pacientes”, disse.
“Imagine estar em um hospital onde a água não está lá, a higiene básica das pessoas que vão ao banheiro é um desafio. Comida e água potável não chegaram ao hospital pelo sexto dia agora, sem ter como conseguir nada no hospital”, acrescentou Mohallalati.
PROPAGANDA BARATA DE NETANYAHU
O Hamas e a equipe médica dentro do Al Shifa têm rejeitado as alegações israelenses sobre o uso militar do hospital como uma “grande mentira”. O comentário “nada mais é do que uma continuação das mentiras e propaganda barata, através das quais [Israel] está tentando dar justificativa para seu crime destinado a destruir o setor de saúde em Gaza”, disse o Hamas em um comunicado.
A alegação militar israelense “é uma farsa que não engana mais ninguém”, acrescentou. “Esta é a mesma propaganda absurda que fez durante a invasão do Hospital Infantil de Rantisi, onde a ocupação está plantando armas.”
Os crimes de guerra cometidos no hospital Al Shifa aconteceram, antes, no assalto israelense ao Hospital Infantil Al-Rantisi, forçado a fechar e evacuar todos os pacientes. “O hospital foi cercado por tanques. E água, energia e oxigênio foram cortados, e houve vários alvos do hospital, então fomos forçados a evacuar o hospital, de pacientes e equipe médica, bem como as famílias deslocadas que vieram para proteção para residir nas proximidades do hospital e prédios. … Muitos pacientes foram carregados por seus familiares. As ambulâncias não conseguiram chegar ao hospital. Seus parentes os carregaram e se mudaram. Outros pacientes foram transportados pela equipe médica. Infelizmente, havia três pacientes na unidade de terapia intensiva que foram colocados nos únicos dispositivos em funcionamento, mas sem fornecimento de oxigênio. Eles foram deixados na UTI”, disse o médico Mustafa Al-Kahlot.
“RACISMO PROFUNDAMENTE ENRAIZADO”
Também Mads Gilbert, um médico norueguês com muitos anos de experiência no hospital Al ShIfa –, e que não conseguiu retornar agora a Gaza, repudiou, em depoimento ao programa norte-americano Democracy Now, de Amy Goodman, o ataque militar israelense ao maior hospital de Gaza, onde milhares de palestinos estão abrigados, o que chamou de um “ataque sem precedentes à sociedade civil” no “momento mais sombrio da história moderna”, que está sendo justificado no Ocidente por “um racismo profundamente enraizado e assustador”.
“Você não faz essas coisas com pessoas que considera iguais”, ele ressaltou, apontando que a população civil de Gaza não fez nada de errado “além de nascer palestina em Gaza”. A impunidade israelense – ele sublinhou – “atingiu um novo nível, e todos nós estamos afundando nesse abismo de desrespeito à vida humana.”
Ele também reprovou a repetição monocórdia, por setores da grande mídia, das mentiras israelenses sobre centros de comando subterrâneos em hospitais em Gaza. Alegações que, acrescentou, são feitas para desviar a atenção daquilo que é o verdadeiro problema – os bombardeios e o morticínio de palestinos em Gaza.
“Não há absolutamente nenhuma prova, até agora, que eu saiba, nem da inteligência dos EUA nem da inteligência israelense, e ouvimos essas acusações por 16 anos. Mostre-nos a prova. Mostre-nos as evidências.”
Gilbert salientou que a Convenção de Genebra, a Quarta Convenção, diz às partes em conflito para fazer distinção e precaução. Se for um alvo misto militar e civil, a precaução civil tem prioridade sobre os militares novamente.
E eles têm bombardeado não apenas Al Shifa e Al Quds. Bombardearam o hospital turco. Bombardearam o Hospital Pediátrico Al Rantisi. Agora, o Hospital Al Quds está sendo evacuado com todos os pacientes e toda a equipe – uma vergonha para o mundo ocidental e para os Estados Unidos.