Com Israel pressionado mundialmente, inclusive por grande parte das comunidades judaicas, a anexação leva a tensão para dentro do governo. O atual vice-premiê e ministro da Defesa, Benny Gantz, diz que “a data de 1º de Julho não é sagrada” e acrescenta que “qualquer coisa que não esteja relacionada ao coronavírus deve esperar”
Já Netanyahu, que faz da anexação seu cavalo de batalha, respondeu: “Esta questão não é da alçada do Kahol Lavan [partido de Gantz]”
“A anexação é ilegal. Ponto final”, afirmou a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em comunicado em que esclarece que a anexação de quaisquer territórios palestinos de forma unilateral por parte de Israel fere as leis internacionais, “sejam 30% ou 5% da Cisjordânia”.
No comunicado do dia 25 de junho, Bachelet prosseguiu expressando sua “profunda preocupação” e destacou ainda: “Peço com insistência a Israel que escute a seus próprios ex-ministros e generais, assim como a numerosas vozes pelo mundo, que advertem para que não tome esta via perigosa”.
Ela alerta que a anexação “provocará ondas que irão se expandir, durarão décadas e serão extremamente prejudiciais a Israel e aos palestinos, assim como para toda a região”.
A desastrada anexação de 30% do território palestino da Cisjordânia está dentro do projeto combinado por Trump e Bibi Netanyahu, apresentado como ‘Acordo do Século’, e que já motivou a ruptura da Autoridade Nacional Palestina (ANP) com os EUA e Israel.
Prevista para ser apresentada oficialmente ao parlamento no dia 1º de julho, a data é questionada pelo ministro da Defesa e vice-premiê, Benny Gantz, em meio a pressões que incluem, além da ANP e de todas as correntes palestinas, os governos árabes, a maioria dos governos europeus, a maioria dos senadores democratas, deputados democratas que se mobilizam pedindo que, com a anexação, Washington reveja o apoio militar a Israel, e ainda dezenas de organizações judaicas por todo o mundo. Gantz afirmou que “a data de 1º de julho não é sagrada” e que “tudo o que não for relacionado ao coronavírus deve esperar”.
“Esta foi exatamente a razão pela qual o Kahol Lavan, junto com o Likud (partido de Netanyahu) estabeleceram este governo de unidade e preveniram uma quarta eleição”, acrescentou o general Gantz.
Netanyahu, que respondeu imediatamente a Gantz dizendo que “este assunto não é da conta do Kahol Lavan”, na terça-feira, véspera da data fatídica, parece balançar e agora diz que “estaremos trabalhando no assunto nos próximos dias”.
Diante de três processos em curso que o julgam por fraude, suborno e quebra de confiança, processos que podem colocá-lo atrás das grades, Netanyahu e seus correligionários buscam, na elevação da tensão com os vizinhos, desviar o foco dos tribunais e salvar da prisão o governante de extrema-direita. É neste contexto que a ideia da anexação, que não trará nenhum benefício aos israelenses, se produz.
“ISRAEL NÃO ESTÁ ACIMA DA LEI”
“Parem de tratar Israel como um Estado acima da lei e barrem a anexação”, declarou o secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Saeb Erekat, em artigo, com este título, publicado no portal Information Clearing House, no dia 25.
“O plano de Trump e Netanyahu é um ataque a toda a comunidade internacional assim como aos palestinos”, diz Erekat.
Ele observa que, ”muitas vozes de lideranças judaicas norte-americanas têm se oposto veementemente à anexação”
“Dias atrás” prossegue o secretário-geral da OLP, “mais de 100 parlamentares assinaram uma carta contra a anexação e o candidato presidencial dos democratas, Joe Biden, se opõe a ela”.
“AGORA OU NUNCA”
“Trump e seu grupo dispensaram a lei internacional e as resoluções da ONU como ferramentas para fazer a paz e, em seu lugar, endossaram os pontos de vista mais radicais de Israel. Para os que advogam a anexação este é o momento para ativar seus objetivos baixos e de curto prazo”, segue Erekat.
As eleições de novembro [nos Estados Unidos] empurram este campo a dizer que é “agora ou nunca”.
Erekat segue em seu artigo:
“Nossa posição é a de que parar a anexação é possível. Também se pode alcançar o fim da ocupação colonialista. Da nossa parte tomamos algumas medidas, a exemplo de declarar findos todos os acordos bilaterais após anos de sistemáticas violações israelenses.
“Há alguns dias, milhares de palestinos foram acompanhados por dezenas de diplomatas em Jericó para dizermos não à anexação. Uma poderosa imagem que mostrou uma rejeição unânime à anexação fora da bolha Trump/Netanyahu.
“A resolução 3.414 de 1975 requer que ‘todos os Estados parem de prover Israel com qualquer apoio militar ou econômico enquanto ele continuar ocupando território árabe e negando os inalienáveis direitos nacionais do povo palestino.
“Em 2004, a assessoria jurídica da Corte Internacional de Justiça também estabeleceu uma série de responsabilidades para a comunidade internacional.
“Se tais medidas tivessem sido implementadas, Israel não estaria hoje falando em anexação. Estas novas falas acerca de mais anexação servem para lembrar da necessidade de prestação de contas, o que inclui sanções.
“Nossa visão da paz foi detalhada ao Conselho de Segurança da ONU e é baseada na lei internacional e nas relevantes resoluções da ONU.
“Isto requer passos determinados para reafirmar o apoio internacional a esta fórmula, incluindo o reconhecimento do Estado da Palestina e que se pare de tratar Israel como um Estado acima da lei. Uma conferência internacional de paz tem sido uma de nossas solicitações.
“Uma vez que o mundo falou alto contra a anexação, devemos prosseguir trabalhando em coordenação com as partes internacionais, de governos a parlamentos e sociedade civil, para que se detenha, com medidas concretas, as tentativas de Israel de perpetuar o apartheid na Palestina”, conclui o artigo de Erekat.
COALIZÃO JUDAICA MUNDIAL CONTRA A ANEXAÇÃO
Desde que foi anunciada a intenção de se proceder à anexação com o acordo Gantz/Bibi, teve início uma movimentação entre os judeus do mundo inteiro preocupados com as consequências da aventura.
Graças a esta movimentação, formou-se uma ampla união de forças que reúne 50 entidades judaicas atuando em 17 países e formando a Coalizão Judaica Mundial Contra a Anexação.
Durante a última semana foram realizados encontros entre integrantes dessa coalizão em 18 consulados e embaixadas israelenses em diversos países.
Nos encontros foi entregue uma mensagem ao governo israelense, contra a anexação unilateral.
Um dos líderes da iniciativa, Kenneth Bob, presidente da organização judaica norte-americana Ameinu (Nosso Povo, em hebraico), “esta ação contra a anexação foi nosso primeiro teste”.
Bob esclareceu ao jornal israelense Haaretz que três embaixadores, diretamente ligados a Netanyahu, recusaram-se a receber os enviados das comunidades judaicas. “Três embaixadores politicamente alinhados com Netanyahu negaram-se dizendo que não dispunham de tempo para nos encontrar”.
Um dos que se negaram a receber os judeus foi o embaixador de Israel nos Estados Unidos, Ron Dermer.
Houve encontros nos consulados das cidades norte-americanas de Chicago, Los Angeles, Miami e San Francisco, assim como nas embaixadas de Berlim, Paris, Madri e Copenhagen.
Bob também ressaltou que “tivemos a preocupação de não nos apresentarmos como representantes apenas da esquerda dentro das comunidades. Em diversos encontros estiveram presentes lideranças centrais das comunidades, todas preocupadas com a anexação”.
“Conversamos sobre o impacto da medida sobre a segurança de Israel, suas ligações com os vizinhos, seu posicionamento em termos internacionais e também as consequências para questões como direitos humanos e democracia”, acrescentou.
“Os diplomatas se disseram às escuras e confessaram desconhecer o que, em realidade, iria ocorrer”, disse ainda o presidente da Ameinu.
Ele informou também que a diversos dos encontros foram levados jovens de organizações como Ichud Habonim Dror (‘Aliança da Construção da Liberdade’, organização juvenil sionista tradicional) e também educadores.
Neste sentido, destacou, “procuramos mostrar o dano que a anexação iria causar na forma como Israel seria visto entre os jovens em geral, incluindo os jovens judeus”.
NATHANIEL BRAIA