
31 palestinos famintos que buscavam obter comida em Rafah, no sul de Gaza, em um centro montado pelos próprios invasores israelenses e operado por uma empresa privada, a norte-americana Fundação Humanitária de Gaza (GHF), foram mortos no domingo (1º) a tiros por tanques israelenses e drones e mais 170 ficaram feridos, no que organizações palestinas chamaram de “armadilha diabólica”. Ou, nas palavras de Philippe Lazzarini, chefe da ajuda humanitária da ONU, aliás impedida de entrar em Gaza, “armadilha mortal”.
Na terça-feira, a cena se repetiu, com mais 23 palestinos famintos mortos a tiros pelos soldados israelenses e dezenas de feridos, quando buscavam comida. No dia 28, três palestinos haviam sido mortos a tiros na fila da comida e 46 feridos em outro local de distribuição do GHF.
Durante três meses, desde que Israel rompeu o cessar-fogo, o regime genocida israelense impediu qualquer entrada de alimento, remédio, água ou combustível em Gaza, transformando a fome em arma de guerra, como amplamente denunciado, a ponto de 14 mil bebês estarem em risco de morte por inanição.
“FERIMENTOS DE BALA NA CABEÇA OU NO PEITO”
Sobre o domingo sanguinário, testemunhas oculares relataram que foram “emboscadas” enquanto faziam fila para receber ajuda alimentar, com os soldados israelenses abrindo fogo, mirando em cabeças e peitos dos palestinos de Gaza.
O Ministério da Saúde de Gaza afirmou que os mortos tinham “ferimentos de bala na cabeça ou no peito”, indicando clara intenção de matar e denunciou que a multidão havia sido atraída para o posto de distribuição de comida.
“Eles nos disseram para ir a esta zona humanitária para receber comida – então eles nos mataram”, disse Arafat Siyam, um sobrevivente, ao Middle East Eye. O irmão de Siyam foi morto. Os dois chegaram ao local de ajuda às 23h de sexta-feira, na esperança de trazer comida para seus filhos famintos.
“Meu irmão foi receber ajuda nos pontos de distribuição americanos em Rafah quando as balas começaram a cair sobre eles”, disse Yarin Abu al-Naja, de 44 anos. “Os soldados israelenses começaram a atirar nas pessoas ali. Meu irmão foi com dois amigos. Um deles ficou gravemente ferido na cabeça, o outro foi morto e meu irmão foi baleado nas costas.”
“Ele foi transportado para o hospital em uma carroça puxada por burros – ambulâncias não conseguem chegar à área, e havia dezenas de feridos e mortos”, acrescentou Naja. “Nós o vimos deitados no chão. Não havia leitos disponíveis devido ao grande número de feridos e mortos que chegavam do mesmo local. As cenas eram horríveis – pessoas sem membros, mãos ou pernas, outras decapitadas ou com abdômens abertos”.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) informou que seu hospital de campanha em Rafah recebeu um “fluxo em massa de feridos”: 179 pessoas, 21 das quais foram declaradas mortas ao chegar. “Todos os pacientes disseram que estavam tentando chegar a um local de distribuição de ajuda”, acrescentou o CICV, descrevendo-o como “o maior número de feridos por armas de fogo em um único incidente desde a criação do hospital de campanha, há mais de um ano”.
Imagens da Reuters mostraram ambulâncias transportando feridos para o hospital Nasser. Outros vídeos surgiram mostrando pessoas correndo e se abaixando, com aparentes tiros audíveis ao fundo. Uma parte das imagens parece ter sido filmada na Rua Salah al-Din, ao sul de um posto de distribuição de ajuda humanitária no corredor de Netzarim.
“A situação no hospital é catastrófica, devido ao massacre dos famintos na cidade de Rafah, perto do centro de distribuição de ajuda humanitária”, disse o Dr. Marwan al-Hams, 53, médico do departamento de emergência do hospital Nasser.
“A maioria dos ferimentos foi causada por tiros na parte superior do corpo – cabeça, tórax e abdômen – já que o exército israelense teria atirado de grandes altitudes usando aeronaves ou quadricópteros. Uma testemunha no local disse que tiros também foram disparados de um guindaste e de tanques.”
O LUGAR MAIS FAMINTO DO MUNDO
Na sexta-feira (30), Jens Laerke, porta-voz do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), afirmou que a região é hoje “o lugar mais faminto do mundo”. Ele disse também que o único alimento que pôde chegar a Gaza foi farinha, o que não ajuda, uma vez que a população não tem sequer condições de cozinhar. Ele completou dizendo que “100% da população de Gaza está correndo risco de passar fome”.
“É inaceitável. Civis estão arriscando — e em muitos casos perdendo — suas vidas apenas para conseguir comida”, disse o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, na terça-feira, acrescentando que o modelo de distribuição apoiado pelos EUA e Israel é “uma receita para o desastre, que é exatamente o que está acontecendo”.
Nesta quarta-feira (4) a entrega de alimentos pela GHF foi suspensa em todo o enclave de Gaza para “reestruturação”, com a organização privada alegando ter solicitado ao contratante, o exército israelense, que “oriente o fluxo de pessoas de forma a minimizar confusões ou riscos de escalada”. Apenas no terceiro massacre consecutivo o exército ocupante admitiu ter dado os tiros.
A ONU pediu uma investigação independente sobre os novos massacres na fila da comida, que vêm aos crimes perpetrados pelo regime genocida israelenses contra os palestinos, já sob investigação da mais alta corte de justiça mundial. A ONU também tem reiterado que a distribuição de comida deve ser devolvida à agência de assistência aos refugiados palestinos (UNRWA) e às entidades humanitárias internacionais, que é quem têm estrutura, como fazem há décadas, para socorrer os refugiados. Em sua distribuição de comida, remédios e combustível, a ONU organiza cerca de 400 locais por toda a Faixa, enquanto a arapuca GHF tenta concentrar a entrega em 4 locais no sul de Gaza.