A Assembleia Geral da ONU aprovou na quarta-feira (22) uma resolução exigindo que a Inglaterra acabe com a administração do Arquipélago de Chagos o mais rapidamente possível e reconheça a soberania da (Ilhas) Maurícia sobre este território. A resolução foi apresentada pelo Senegal, em nome do Grupo Africano e obteve a aprovação com 116 votos a favor, seis contra ( EUA, Reino Unido, Israel, Hungria, Austrália e Ilhas Maldívias) e 56 abstenções.
O Arquipélago de Chagos é um grupo de sete atóis, com mais de 60 ilhas tropicais situado no Oceano Índico e a maior e mais conhecida delas é a Diego Garcia, onde o Pentágono instalou uma base militar norte-americana.
Em 1965, o Reino Unido separou este território das Ilhas Maurícia, que conquistou a independência de Londres em 1968. O arquipélago subtraído teve o nome mudado para Território Britânico do Oceano Índico. “No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o governo britânico de Harold Wilson expulsou toda a população das Ilhas Chagos para dar lugar a uma base militar americana em Diego Garcia, a maior ilha”, relata John Pilger, escritor, jornalista e cineasta. “Em alto sigilo, os americanos ofereceram um desconto no submarino nuclear Polaris como pagamento pelo uso das ilhas”, denuncia o cineasta. (Leia abaixo o texto completo de Pilger).
TRIBUNAL
A 25 de fevereiro deste ano, o Tribunal Internacional de Justiça, TIJ, emitiu um parecer consultivo sobre as consequências jurídicas da separação de 1965. O TIJ afirmou que o Reino Unido devia devolver o arquipélago à Maurícia imediatamente. O parecer do Tribunal serviu de base para a proposta de resolução apresentada à Assembleia Geral da ONU.
Na sua resolução, os Estados-membros afirmam que “o Arquipélago de Chagos é parte integrante do território da Maurícia” e pedem que as Nações Unidas e todas as suas agências reconheçam este fato.
A Assembleia afirma ainda que a separação do arquipélago “não teve como base a expressão livre e genuína da vontade do povo Maurício” e que “a descolonização não foi concluída de forma valida”.
O órgão da ONU acrescenta que a descolonização “não foi conduzida de maneira consistente com o direito dos povos à autodeterminação” e que, por isso, a administração do Reino Unido “constitui um ato ilícito que envolve a responsabilidade internacional desse Estado”.
RETIRADA
Os Estados-membros pedem que o Reino Unido dissolva a administração destas ilhas “o mais rapidamente possível” e afirma que todos os países são obrigados a cooperar com as Nações Unidas para “completar a descolonização da Maurícia.”
A Assembleia Geral exige que retirada aconteça “incondicionalmente dentro de um período máximo de seis meses a partir da adoção da resolução.”
A resolução também trata a questão do reassentamento de cidadãos mauricianos, incluindo os que têm origem em Chagos. Os Estados-membros dizem que o tema deve ser examinado sem demora quando o processo de descolonização estiver concluído.
Por fim, pede-se ao governo do Reino Unido que coopere com as Maurícias “e não obstrua nem impeça este reassentamento” da população expulsa pelo colonizador britânico.
Limpeza étnica: Reino Unido expulsou toda a população das Ilhas Chagos
JOHN PILGER*
Há momentos em que uma tragédia nos diz como todo um sistema funciona por trás de sua fachada democrática e nos ajuda a entender o quanto do mundo é administrado em benefício dos poderosos e como os governos muitas vezes justificam suas ações com mentiras.
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o governo britânico de Harold Wilson expulsou toda a população das Ilhas Chagos, uma colônia britânica no Oceano Índico, para dar lugar a uma base militar americana em Diego Garcia, a maior ilha. Em alto sigilo, os americanos ofereceram um desconto no submarino nuclear Polaris como pagamento pelo uso das ilhas.
A verdade dessa conspiração não surgiu por mais 20 anos, quando arquivos oficiais secretos foram desenterrados no Public Record Office, em Londres, por advogados que atuavam para os antigos habitantes do arquipélago de corais. O historiador Mark Curtis descreveu o despovoamento forçado em Web of Deceit, seu livro de 2003 sobre a política externa do pós-guerra da Grã-Bretanha. A mídia britânica praticamente ignorou; o Washington Post chamou isso de “sequestro em massa”.
Ouvi pela primeira vez a situação dos chagossianos em 1982, durante a Guerra das Malvinas. A Grã-Bretanha enviara uma frota para a ajuda de 2.000 habitantes das Ilhas Falkland no outro extremo do mundo, enquanto outros 2.000 cidadãos britânicos de ilhas do Oceano Índico haviam sido expulsos pelos governos britânicos e quase ninguém sabia.
A diferença era que os habitantes das Ilhas Falkland eram brancos e os Chagossianos eram negros e, crucialmente, os Estados Unidos queriam que as ilhas – especialmente Diego Garcia – fossem uma importante base militar para comandar o Oceano Índico.
As Ilhas Chagos eram um paraíso natural. Os 1.500 ilhéus eram auto-suficientes com uma abundância de produtos naturais, e o clima extremo era raro. Havia aldeias prósperas, uma escola, um hospital, uma igreja, uma estrada de ferro e um modo de vida tranquilo – até que uma pesquisa anglo-americana secreta de 1961 de Diego Garcia levou à deportação de toda a população.
As expulsões começaram em 1965. As pessoas foram levadas para o porão de um navio enferrujado, as mulheres e crianças forçadas a dormir sobre uma carga de fertilizante. Eles foram despejados nas Seychelles, onde foram mantidos em celas de prisão, depois enviados para as Ilhas Maurício, onde foram levados para um conjunto habitacional abandonado sem água ou eletricidade.
Vinte e seis famílias morreram aqui em pobreza brutal, houve nove suicídios; e as meninas foram forçadas à prostituição para sobreviver.
Eu entrevistei muitos deles. Uma mulher relembrou como ela e o marido levaram o bebê para as Ilhas Maurício para tratamento médico e foram informados de que não poderiam retornar. O choque foi tão grande que o marido sofreu um derrame e morreu. Outros descreveram como os britânicos e americanos atacavam seus cães – animais de estimação amados pelos ilhéus – como uma intimidação para que fizessem as malas e fossem embora. Lizette Talate contou-me como seus filhos haviam “morrido de tristeza”. Ela mesma já morreu.
O despovoamento do arquipélago foi completado em 10 anos e Diego Garcia tornou-se o lar de uma das maiores bases dos Estados Unidos, com mais de 2.000 soldados, duas pistas de bombardeiros, 30 navios de guerra, instalações para submarinos nucleares e uma estação de espionagem satélite. O Iraque e o Afeganistão foram bombardeados do antigo paraíso. Após o 11 de setembro, os inimigos presumidos da América foram “processados” aqui e há evidências de que foram torturados.
Todo o tempo, o Chagos permaneceu uma possessão britânica e seu povo uma responsabilidade britânica. Depois de se manifestarem nas ruas da ilha Maurícia em 1982, os ilhéus exilados receberam uma compensação irrecusável de menos de 3.000 libras cada pelo governo britânico.
Quando os arquivos do Foreign Office britânico foram desclassificados, a história sórdida foi exposta. Um dos arquivos foi intitulado “Mantendo a ficção” e instruiu as autoridades britânicas a mentirem que os ilhéus eram trabalhadores itinerantes, e não uma população indígena estável. Secretamente, as autoridades britânicas reconheceram que estavam abertas a “acusações de desonestidade” porque planejavam “fraudar os livros” – mentira.
Em 2000, o Supremo Tribunal em Londres considerou as expulsões ilegais. Em resposta, o governo trabalhista de Tony Blair invocou a Prerrogativa Real, um poder arcaico investido no “Conselho Privado” da Rainha, que permite ao governo contornar o Parlamento e os tribunais. Desta forma, o governo esperava que os ilhéus pudessem ser impedidos de voltar para casa.
O Supremo Tribunal voltou a julgar que os chagossianos tinham o direito de regressar e, em 2008, o Ministério dos Negócios Estrangeiros recorreu para o Supremo Tribunal. Embora baseado em nenhuma evidência nova, a apelação foi bem sucedida.
Eu estava no Parlamento – onde a mais alta corte então estava na Câmara dos Lordes – no dia do julgamento. Eu nunca vi juízes com cara de vergonha no que era claramente uma decisão política.
Em 2010, o governo britânico procurou reforçar isso estabelecendo uma reserva natural marinha ao redor das Ilhas Chagos. O truque foi exposto pelo WikiLeaks, que publicou um boletim diplomático da embaixada dos EUA de 2009 que dizia: “Estabelecer uma reserva marinha poderia, de fato, como o FCO [Colin] Roberts declarou, ser a maneira mais eficaz de evitar o reassentamento de qualquer um dos antigos habitantes das ilhas Chagos ou seus descendentes.
Agora, a Corte Internacional de Justiça decidiu que o governo britânico da época não tinha direito legal de separar as Ilhas Chagos das ilhas Maurício quando concedeu a independência das Ilhas Maurício. A corte, cujos poderes são consultivos, disse que a Grã-Bretanha deve acabar com sua autoridade sobre as ilhas. Por extensão, isso quase certamente torna a base norte-americana ilegal.
É claro que a campanha incansável dos chagossianos e seus apoiadores não vai parar aí: não até o primeiro ilhéu ir para casa.
*John Pilger é escritor, jornalista, cineasta e realizou em 2004 o filme Roubando uma Nação, quando alertou grande parte do mundo sobre o crime cometido contra os ilhéus expulsos de seu território nas ilhas Chagos.