As Nações Unidas estão dispostas a reunir o presidente venezuelano Nicolas Maduro e o líder da oposição Juan Guaidó em “negociações sérias” a pedido deles, afirmou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, na conferência de imprensa que concedeu em Adis Abeba, capital da Etiópia, durante a cúpula anual da União Africana, a organização que congraça os 53 países africanos.
“As Nações Unidas e eu oferecemos nossos bons ofícios a ambas as partes a um pedido de negociação, uma negociação séria capaz de tirar o país do atual impasse”, assinalou Guterres em referência à crise na Venezuela.
A declaração foi feita no momento em que Washington articula a apresentação no Conselho de Segurança da ONU de uma resolução que sirva de folha de parreira para sua intervenção na Venezuela, o que deverá ser barrado pela Rússia e China.
Após dizimar a economia venezuelana com sanções que inviabilizaram a renegociação de sua dívida (agosto de 2017) e, agora, com um embargo ao petróleo venezuelano e furto de bilhões de dólares em ativos e receitas venezuelanas (janeiro de 2019), o governo Trump anuncia “ajuda humanitária” de 20 milhões de dólares aos venezuelanos que deixou sem remédios e alimentos.
As asfixiantes sanções de Trump contra a Venezuela foram facilitadas pelo decreto de 2015 de Obama que considerou a Venezuela “uma ameaça incomum à segurança nacional dos EUA”.
O autonomeado – depois de receber um telefonema da Casa Branca – “presidente interino” Juan Guaidó se disse na semana passada pronto para “autorizar” tropas norte-americanas a invadirem a Venezuela.
Segundo o “embaixador” indicado por Guaidó em Washington, será realizada uma “conferência internacional” na capital norte-americana na quinta-feira (14) para acertar a suposta “assistência humanitária de emergência” que, pelo que se sabe até aqui, não irá pelos canais humanitários reconhecidos internacionalmente, como a Cruz Vermelha, mas via “voluntários” e sob a marca da Usaid.
Por iniciativa do Uruguai, México e Comunidade de Estados do Caribe (Caricom), foi criado o “Mecanismo de Montevidéu”, que pretende contribuir para uma saída negociada, com um processo em quatro passos, diálogo imediato, negociação, subscrição de acordos e implementação com acompanhamento internacional.
Países europeus e a chanceler da União Europeia, Federica Mogherini, do Grupo Internacional de Contato, participaram da cúpula no Uruguai, buscando impor ao governo constitucional venezuelano pré-condições. O governo de Maduro se declarou favorável à proposta de diálogo do Mecanismo, mas sem exigências prévias. As ex-potências coloniais europeias, com exceção da Itália, reconheceram Guaidó.
O chanceler uruguaio Nin Novoa afirmou que seu país não reconhecerá Guaidó. “Achamos inadmissível que em um país uma pessoa se proclame presidente da República.” Ele também se mostrou preocupado com a “intransigência de Guaidó”.
Apesar de estar atento às dificuldades na Venezuela, Novoa advertiu que a suposta crise humanitária pode ter papel semelhante ao argumento dos EUA, antes de atacar o Iraque, quando dizia que o país árabe tinha armas de destruição em massa, que nunca existiram. “Será que a crise humanitária que os Estados Unidos propõem aqui não é o mesmo e os fuzis vão voltar?”, questionou Novoa.
Desde Caracas, o enviado do jornal mexicano La Jornada, Luis Hernández Navarro, também questionou a existência de crise humanitária das dimensões do que vem sendo pintado desde Washington.
Após descrever que “nas ruas e nas casas de Caracas a vida segue seu curso”, Navarro afirmou que “essa realidade nada tem a ver com a imagem da Venezuela como uma Somália latino-americana ou uma réplica do Haití, que os opositores ao governo de Nicolás Maduro querem difundir”.
O jornalista relatou, ainda, autovias engarrafadas, metrô entupido de gente nas horas de pico, crianças recebendo merenda gratuita em milhares de escolas públicas, McDonald’s e outros fast foods abertos, shopping centers funcionando normalmente e restaurantes elegantes dos bairros abastados apinhados. 32 mil comitês locais de abastecimento distribuem cesta básica a preços subsidiados.
“Isso não quer dizer que não existam problemas”, acrescenta Navarro, citando a hiperinflação que devora os salários, a escassez de remédios e o desabastecimento de produtos de higiene pessoal. “Mas não há nada que justifique o que querem fazer o governo Trump e Guaidó, uma intervenção humanitária de outras nações”.
Na sexta-feira, o presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador, pediu à comunidade internacional que forneça ajuda humanitária à Venezuela sem nenhuma “intenção política”.
“A ajuda humanitária não deve ser confundida com questões políticas e se houver um desejo de resolver a situação em torno da ajuda humanitária, deixe as Nações Unidas intervirem e distribuírem a ajuda humanitária sem quaisquer intenções políticas … Nós não queremos violência, queremos paz e diálogo”, disse Obrador.
ANTONIO PIMENTA