Funções do Ministério do Trabalho serão pulverizadas entre as pastas da Justiça, da Economia e Cidadania
O coordenador da transição do governo eleito e futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), confirmou, na segunda-feira (3), que o Ministério do Trabalho deixará de existir no governo de Jair Bolsonaro. Criado logo após a Revolução de 30, pelo presidente Getúlio Vargas, o Ministério do Trabalho celebrou 88 anos de existência no dia 26 de novembro.
Sua fundação, 23 dias após a posse de Getúlio no Palácio do Catete, representou a principalidade que o novo governo daria aos direitos e à melhora de vida dos que trabalham, para tirar o país da profunda crise em que estava imerso.
Foi com base no mercado interno, possibilitado pela melhora das condições de vida da população – sobretudo pelo aumento de salário, inclusive com a instituição do salário mínimo – que a indústria nacional, e, consequentemente, a economia brasileira deram a arrancada que nos levou, durante quatro décadas, a ser o país capitalista de maior crescimento no mundo.
Esta é a razão porque a Constituinte, em 1988, aprovou o seguinte dispositivo:
“Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.”
Pois é evidente que o arrocho salarial – ou, no limite, o trabalho quase-escravo – são um obstáculo para o crescimento do país.
Mas essa não é uma questão que preocupe Bolsonaro, em sua vassalagem aos monopólios financeiros e cartéis imperialistas.
A extinção do Ministério do Trabalho, anunciada por Lorenzoni, significa, precisamente, o oposto do que fez Getúlio em 1930: que a política do governo que assumirá em janeiro será a de retirar os direitos dos trabalhadores – e afundar ainda mais o país na crise atual, achatando, mais, o mercado interno, a indústria nacional, e, como os agronegocistas estão quase descobrindo, inclusive a agropecuária (ou seguir Trump, no ataque à China, não é, exatamente, isso?).
A prioridade de Bolsonaro será, em poucas palavras, a economia dos EUA – até mesmo em relação à soja, pois só existe um país do mundo, exatamente os EUA, que pode substituir o Brasil nos fornecimentos à China (ou será que, em nome dos princípios de Trump – Deus nos livre e guarde -, os EUA se recusarão a vender soja aos chineses?).
Assim, a retirada de direitos dos trabalhadores e o fim do Ministério do Trabalho nada têm de auspiciosos para os empresários produtivos nacionais. Se existe algum (e, infelizmente, existe mais de um) que se iluda com isso, essas ilusões acabarão muito rapidamente.
Lorenzoni afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha, que o Ministério do Trabalho será esquartejado e dividido entre as pastas da Justiça, Economia e Cidadania. “O atual Ministério do Trabalho, como é conhecido, ficará uma parte no ministério do doutor Moro, outra parte com Osmar Terra e outra parte com Paulo Guedes”, disse Lorenzoni.
Segundo ele, a pasta da Justiça, chefiada por Sérgio Moro, cuidará da concessão de cartas sindicais. Já a estrutura ligada ao emprego será parte do Ministério da Economia, de Paulo Guedes, e outra parte ficaria com a pasta da Cidadania, cujo titular será Osmar Terra (MDB).
A parte de Guedes será o FGTS e o o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – que, juntos, somam R$ 800 bilhões pertencentes aos trabalhadores.
Defensor do fim dos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo das décadas, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, chegou a anunciar no início de novembro que pretendia extinguir o Ministério do Trabalho, tornando a pasta uma secretaria do Ministério da Indústria e Comércio.
Entretanto, depois de protestos do movimento sindical, da Justiça do Trabalho e dos auditores fiscais – assim como até mesmo de vários setores da imprensa – Bolsonaro disse, uma semana depois, que o Ministério do Trabalho continuaria com status de ministério.
“O Trabalho vai continuar com status de Ministério. Não vai ser secretaria, não… Vai ser Ministério disso, disso e Trabalho. É igual o Ministério da Indústria e Comércio, é tudo junto, está certo? O que vale é o status”, afirmou Bolsonaro naquela data.
Para o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, a extinção do Ministério do Trabalho significa uma carta branca para que empresários e fazendeiros possam impor trabalho análogo ao escravo e explorar impunemente o trabalho infantil.
“Vai na contramão da Constituição e de um Brasil democrático e justo, é um baita retrocesso. O Ministério do Trabalho desempenha importante papel na promoção do emprego e do desenvolvimento nacional e na progressiva humanização das relações sociais de produção, hoje submetidas a condições cada vez mais degradantes”, disse Araújo.
Na mesma segunda-feira, o Ministério do Trabalho divulgou parecer da Advocacia Geral da União (AGU), segundo o qual a extinção do Ministério é “totalmente incompatível com a Constituição“, assim como o seu esquartejamento:
“… eventual desmembramento do Ministério do Trabalho atenta contra o artigo 10, da Constituição, que estabelece a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação. Dissolver suas atribuições em diversas pastas, sem a adoção de medidas de compensação democrática, retiraria um dos palcos em que é promovida a interlocução entre trabalhador, empregadores e Estado regulador, essencial à garantia do equilíbrio das relações de trabalho” (v. a íntegra do parecer).
Além disso, a medida fere as “Convenções nº 144 e 160, da Organização Internacional do Trabalho, quais o Brasil é signatário e membro fundador, participante da primeira reunião em 1919“.