O Ministério Público de São Paulo e as forças de segurança do estado realizam nesta terça-feira (6) uma mega operação na Cracolândia, região conhecida pela venda e pelo consumo de drogas no Centro de São Paulo para prender GCMs acusados de participar de milícia e traficantes do PCC.
A ação tem como alvo três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM) suspeitos de integrarem uma milícia e dois traficantes de drogas investigados por venda de armas.
Mais de mil agentes públicos estão nas ruas para dar cumprimento a sete mandados de prisão, 117 de busca e apreensão, 46 de arresto, sequestro e bloqueio de bens e 44 de interdição de imóveis.
De acordo com o G1, um dos alvos havia sido preso pelas forças de segurança. Trata-se de Leonardo Moja, o “Léo do Moinho”. Ele é apontado como um dos chefes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho.
De acordo com o Gaeco, os testas-de-ferro são incluídos como sócios de empresas como ferros-velhos, salões de beleza, clínicas de estética e lojas de autopeças na região central de São Paulo sem ter lastro financeiro para figurar como tal.
Os cinco grupos criminosos atuavam da seguinte forma na Cracolândia, conforme o Gaeco:
- 1. Ferros-velhos: Empresários exploravam dependentes químicos para furtar fios de energia e trocar o cobre por drogas.
- 2. Milícia de GCMs: Guardas-civis, policiais militares e civis extorquiam comerciantes em troca de proteção, arrecadando cerca de R$ 6 milhões em propina em um ano.
- 3. Receptação de celulares: Comerciantes libaneses compravam celulares roubados e furtados para revenda de peças.
- 4. Hotéis e hospedarias: Controlados pelo PCC, armazenavam drogas e exploravam sexualmente mulheres, incluindo menores de idade.
- 5. Favela do Moinho: Base do PCC, usada para tráfico de drogas e armas, e realização de “tribunais do crime”.
Batizada de Salus et Dignitas — expressão latina que significa saúde e dignidade —, a operação tem participação do Ministério Público de São Paulo (MPSP), governo do Estado, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF), Receita Federal e do Ministério Público do Trabalho (MPT).
De acordo com os promotores do Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o PCC transformou a região central da capital paulista em um “ecossistema de atividades ilícitas explorado por diversos grupos criminosos organizados e caracterizado pela violação sistemática aos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade”.
As investigações apontam que o tráfico de drogas, controlado pela facção paulista, é apenas uma das atividades dentro do repertório criminoso da Cracolândia.
Diversos grupos criminosos seriam responsáveis pela prática de atividades como o comércio ilegal e receptação de peças veiculares, armas e celulares; contaminação do solo com reciclagem e ferro-velho; exploração da prostituição; captação ilegal de rádios transmissores da polícia e submissão de pessoas a trabalho análogo à escravidão.
CONTROLE DE TERRITÓRIO
Nos pedidos deferidos pela 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, os promotores do Gaeco afirmam que o PCC vem atuando de maneira estratégica na Cracolândia e em diversas outras áreas do centro, replicando a lógica dos agentes econômicos, só que no mercado ilícito.
“Ao garantir o controle de um território específico, consegue-se maximizar os lucros através de atividades ilícitas diversificadas, ao mesmo tempo em que restrições que limitam sua expansão são superadas. O ambiente de desordem favorece a prática de atividades ilícitas, sendo os consumidores de entorpecentes, dentre outros, vítimas das organizações criminosas”, afirma o MPSP.
Imóveis utilizados para a venda e o consumo de drogas serão lacrados no âmbito da operação. De acordo com o governo de São Paulo, uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais de saúde e da assistência social, será responsável pelo atendimento às famílias que vivem nos imóveis alvos da operação.
O governo afirmou ainda que a operação conta também com ações integradas de outras pastas e da Prefeitura de São Paulo para a emissão de documentos, alimentação, distribuição de kits com roupas e produtos de higiene pessoal.
Diferentemente das ações conduzidas pela Polícia Civil, do governo estadual, a Salut et Dignitas não tem como foco a concentração de usuários de crack conhecida como fluxo.
Ao contrário, os dependentes químicos que circulam pela cracolândia são alvo de um habeas corpus preventivo para que não sejam sujeitos a prisão nem a internação compulsória durante a operação.
“Tudo começou no ano passado, a partir de uma conversa com o então procurador-geral, Mário Sarrubbo [atual secretário nacional de Segurança Pública], sobre a necessidade de uma intervenção na região da cracolândia que fosse diferente daquelas ações policiais que focam no microtráfico e que acabam atingindo os usuários”, explica o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco, que liderou as investigações.
“Idealizei essa operação a partir da premissa de que existe uma situação de total desrespeito com a dignidade e os direitos humanos dessas pessoas. Não estamos agindo sobre o fluxo, que é vítima e será sujeito de direitos. Queremos mudar aquele ambiente como um todo”, afirma.
“Existe um grande risco de o PCC causar tumulto durante a operação para forçar intervenção policial. Mas não quero um tiro, nem de bala de borracha”, diz Gakiya.
A investigação foi possível a partir de medidas cautelares autorizadas judicialmente, dentre elas a ação controlada, a interceptação telefônica e a quebra de sigilos bancário e fiscal, além da colaboração de duas testemunhas protegidas que atuaram por anos nas redes criminosas locais.
“Quando constatamos que o problema não era só o tráfico de drogas, mas o ecossistema que permite que o tráfico esteja presente, convidamos instituições como a Receita Federal, a PM, a Polícia Rodoviária Federal, que tem grande expertise em desmanches, e o Ministério Público do Trabalho, entre outras, a participarem do trabalho”, relata o promotor.
EXTORSÃO
Um dos ex-guardas-civis metropolitanos suspeitos de integrar uma milícia armada em SP se apresentou à polícia no início da tarde desta quarta-feira (7). Elisson de Assis chegou ao 93° DP acompanhado de dois advogados. Ele é apontado como integrante de grupo que extorquia dinheiro de comerciantes em troca de segurança na Cracolândia.
De acordo com o MP, os integrantes da milícia chegaram a movimentar nos últimos anos pelo menos R$ 3 milhões em dinheiro extorquido dos donos de comércios na Cracolândia.
A polícia ainda procura por Rubens Alexandre Bezerra, também apontado como miliciano e considerados foragido da Justiça, que decretou as prisões preventiva.
Elisson e Rubens chegaram a integrar a GCM, mas foram expulsos da corporação, respectivamente em 2019 e em janeiro deste ano. Os motivos dos desligamentos não foram divulgados pelas autoridades.
Outros dois agentes da ativa da Guarda Civil Metropolitana foram detidos nesta terça-feira (6) durante a Operação Salus et Dignitas: Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava.