O que mais chama a atenção na Operação Rizoma, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) na quinta-feira (12/04), é que Marcelo Sereno – ex-secretário nacional de Comunicação do PT e assessor especial da Casa Civil no governo Lula – tinha a função de encruzilhada entre a quadrilha petista e a quadrilha de Sérgio Cabral.
A que ponto essa função foi conscientemente armada ou resultou de fatores fortuitos não é muito importante. O fato de existir uma conexão – além das que já se sabiam, de ordem política ou financeira – entre as duas quadrilhas, é mais importante.
A Operação Rizoma, que foi deslanchada por 140 agentes da PF, é um desdobramento das Operações Eficiência e Unfair Play, ambas organizadas para investigar a quadrilha de Sérgio Cabral.
A Rizoma, em especial, investiga as atividades de Arthur Pinheiro Machado, testa-de-ferro da “Nova Bolsa” – uma fachada, no Brasil, da NYSE Euronext, grupo de bolsas dos EUA e Europa – e dono da Americas Trading Group (ATG).
Arthur Machado passava propinas a diretores de fundos de pensão de estatais, para que colocassem dinheiro em suas empresas.
Marcelo Sereno, o ex-secretário nacional de Comunicação do PT, era intermediário entre Machado e os diretores dos fundos, nomeados pelo PT. Desde 2004, nota o MPF, Sereno operava no ramo dos fundos e suas relações com antros financeiros.
O dinheiro das propinas, por sua vez, era obtido com outros golpes, sobretudo no mercado de câmbio.
Os fundos de pensão existem para complementar a aposentadoria de trabalhadores de algumas estatais. O que Machado e Sereno faziam era roubar dinheiro dos fundos de pensão, através de “investimentos” em antros de picaretagem. Assim, o dinheiro não voltava ao fundo dos trabalhadores – e era dividido entre os membros das duas quadrilhas.
Os fundos Postalis e Serpros, sob ordens de Marcelo Sereno, colocaram, ao todo, meio bilhão de reais em “empresas” de Arthur Machado. Esse dinheiro foi remetido para os EUA, sob a forma de pagamento de mercadorias que nunca foram compradas. Dos EUA, esse dinheiro era enviado, por doleiros, para a China, com o objetivo de ocultar sua verdadeira origem.
Da China, o dinheiro era remetido outra vez para o Brasil, onde era, então, dividido entre Machado, Sereno e o resto da quadrilha – incluídas as propinas para os indivíduos que o PT colocara na diretoria dos fundos.
Em tom de deboche, Arthur Machado aparece em gravação feita pela PF: “Dilui a Postalis e o Serpros num valuation de 700, 800 milhões, e aí a empresa passa a faturar 80 milhões de reais por ano”.
Em julho de 2017, o Postalis, falido, declarou um rombo de R$ 7,4 bilhões. Os aposentados dos Correios, em vez de receber o correspondente ao que pagaram ao fundo, passaram a descontar 18% dos seus proventos, por 23 anos, para cobrir esse buraco.
O Serpros (fundo dos funcionários do Serpro) teve um rombo – até onde os dados atuais permitem perceber – de R$ 650 milhões (valores de 2016).
A principal causa desse rombo foi o dinheiro enfiado na ATS Brasil, uma joint venture entre a Bolsa de Nova York (Nyse) e a America Trading Group (ATG), de Arthur Machado.
Uma comissão de inquérito instalada no Serpros concluiu que, além de não ter avaliado o projeto, os diretores do fundo de pensão omitiram a enorme divergência entre o valor econômico da ATG e seu valor patrimonial. Os laudos de avaliação apresentados pela ATG lhe atribuíam um valor quase oito vezes maior que seu patrimônio.
A. MACHADO
Machado “está ligado a 38 (trinta e oito) sociedades empresárias e grande parte da captação de seus recursos parece vir de investimentos de Fundos de Pensão, em especial Serpros e Postalis (Correios). A ATG (Americas Trading Group) criou o fundo de investimentos ETB (Eletronic Trading Brazil), tendo recebido numerosos investimentos dos fundos de pensão Postalis (funcionários dos Correios) e Serpros” (cf. Decisão do juiz Marcelo Bretas, 09/04/2018, p. 3).
O esquema de fraude no mercado de câmbio (através de operações de “dólar-cabo invertido”) tinha o objetivo “de dissimular capital e manter o numerário inserido na organização criminosa, bem como repassar de forma cautelosa vantagens indevidas aos agentes públicos”.
Sucintamente, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que autorizou a Operação Rizoma e decretou a prisão de Arthur Machado, Marcelo Sereno e mais oito escroques, descreve a atuação de Machado:
1) “Arthur Machado é um dos fundadores e atual CEO da Americas Trading Group (ATG), empresa que atua diretamente no mercado financeiro e foi considerada a ‘nova bolsa de valores brasileira’.
2) “Em 2010, mesmo ano da fundação da ATG, Arthur Machado constitui o fundo de investimentos em participação Eletronic Trading Brazil (FIP-ETB), com o fito de angariar recursos para a ‘nova bolsa’. Tal projeto teve dois grandes investidores iniciais, empresas de responsabilidade de Arthur Machado e o fundo de pensão Postalis, que ingressou como cotista investindo R$ 118.475.000,00.
3) “Em 2013, o Serpros começou a adquirir cotas do FIP-ETB, realizando, até 2015, o aporte total de R$ 71.714.141,59 no fundo de investimento.
4) “Coincidentemente, os fundos Serpros e Postalis compraram debêntures nos valores de R$ 107.082,00 e R$ 241.680,00, respectivamente, de outra empresa ligada a Arthur Machado, a Xnice Participações S.A.
5) “Já a empresa Alubam Participações S.A, criada por Arthur Machado e Milton Lyra, teve o Postalis como único comprador de debêntures, no valor de R$ 62.000.000,00.
6) “O Relatório de Inteligência Financeira do COAF n° 30387.3.3391.4803 identificou que a conta da empresa Americas Trading Group S/A (ATG), de Arthur Machado (…) movimentou, no período de outubro de 2010 a abril de 2016, o valor de R$ 2.545.810.300,00 (dois bilhões, quinhentos e quarenta e cinco milhões, oitocentos e dez mil e trezentos reais). Por fim, o COAF conclui: ‘nos chamaram a atenção além dos valores expressivos movimentados, o grande volume de transações entre empresas do mesmo grupo econômico, as ordens de câmbio enviadas para localidade considerada paraíso fiscal, ordens de câmbio com natureza de aquisição de mercadorias entregues no exterior’.
7) “Arthur Machado tinha contato constante com os membros da organização criminosa chefiada por Sérgio Cabral e se utilizou do mesmo esquema de doleiros para conseguir fomentar seus investimentos através de pagamentos de propina aos representantes de fundos de pensão”.
Milton Lyra, “sócio” de Arthur Machado na Alubam Participações S.A, é operador do PMDB – isto é, da quadrilha de Cabral e, também, de Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Eunício Oliveira.
M. SERENO
Um dos depoentes no inquérito, Alessandro Laber, confessou que, por ordem de Machado, entregou R$ 900 mil ao ex-secretário nacional de comunicação do PT, Marcelo Sereno:
“… aproximadamente em 2013/2014 conheceu Marcelo Sereno na residência de Arthur Machado;
“… esteve com Sereno em mais de uma oportunidade na residência de Arthur;
“… entregou reais em espécie a Sereno por três oportunidades;
“… os reais foram entregues por emissários de Tony [doleiro da quadrilha de Cabral] na residência do colaborador na Barra da Tijuca;
“… o colaborador combinou com Marcelo Sereno o local e dia da entrega;
“… as entregas foram todas realizadas na recepção da academia Bodytech da Barra da Tijuca, localizada na Av. Lucio Costa n° 4446, ao lado da residência do colaborador;
“… sabe que Sereno é ligado ao PT, mas não sabe qual a finalidade do pagamento;
“… o valor de cada pagamento foi de aproximadamente R$ 300.000,00, totalizando R$ 900.000,00”.
Além disso, Laber relatou um episódio, um “encontro no restaurante Duo, na Barra da Tijuca, aproximadamente em 2013″:
“Ricardo [Siqueira Rodrigues, por apelido, “Ricardo Grande”] e Sereno estavam cobrando pagamento de vantagem indevida de Arthur;
“… não se recorda o valor exato da cobrança, mas sabe dizer que era acima de R$ 3.000.000,00;
“… como o clima da reunião ficou muito tenso, Arthur se retirou do local e solicitou que o colaborador o auxiliasse no pagamento da vantagem indevida;
“… conseguiu, posteriormente, operacionalizar o pagamento com o auxílio do doleiro Tony”.
Diz o juiz Bretas:
“… o afastamento dos dados telefônicos de Sereno e de sua empresa Espartacus Consultoria comprova o intenso contato entre esse investigado e os demais sujeitos vinculados aos fundos de pensão. Nota-se que com Adeilson, do Fundo Postalis, foram pelo menos 582 ligações. Já com Carlos Alberto, assessor de Ricardo Rodrigues e relacionado ao Fundo Serpros, foram realizadas 148 ligações”.
Sobre a vinculação de Marcelo Sereno com os fundos de pensão, lembra o juiz que, já em 2005, quando era secretário nacional de Comunicação do PT, ele esteve envolvido em irregularidades no Fundo de Pensão Nucleos (dos servidores das estatais de energia nuclear).
Em 2006, o MPF apontou, na CPI dos Correios, que Sereno fora “indicado como o responsável pelas transações financeiras operadas pelo Nucleos, tendo manipulado o fundo para desviar dinheiro diretamente para o PT”.
Além disso, o MPF citou investigação semelhante no FAPES, fundo de pensão dos funcionários do BNDES, em que Sereno também apareceu como envolvido.
C.L.
Engraçado…até agora nenhum gerente de banco foi responsabilizado pelos saques astronômicos em espécie.
Parabéns a Hora do Povo. Jornalistas sérios em favor do Brasil e dos humanos.