O artigo 9 do Regulamento de Segurança Cibernética Aplicada ao Setor de Telecomunicações obriga as prestadoras de serviço a informar esse tipo de operação à Anatel. Elas não cumpriram a determinação
As investigações da Polícia Federal sobre as atividades criminosas de espionagem de grupos bolsonaristas dentro da chamada “Abin paralela”, montada por Alexandre Ramagem e Carlos Bolsonaro, concluíram que as operadoras de telefonia Claro, Tim e Vivo sabiam que suas redes estavam sendo atacadas pelo software espião FirstMile, mas não informaram a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
As operadoras são obrigadas a comunicar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) sobre atividades deste tipo. O artigo 9 do Regulamento de Segurança Cibernética Aplicada ao Setor de Telecomunicações obriga as prestadoras de serviço a “notificar à Agência e comunicar às demais prestadoras e aos usuários, conforme o caso e sem prejuízo de outras obrigações legais de comunicação, os incidentes relevantes que afetem de maneira substancial a segurança das redes”.
A Anatel confirmou em nota que as operadores não informaram sobre esses crimes. O órgão disse que abriu apurações internas e, entre outras coisas, investiga se as empresas “tinham conhecimento das vulnerabilidades sendo exploradas”.
A PF afirma que desde o início a Abin tinha conhecimento do caráter invasivo do software que havia sido adquirido de Israel. Sabia de sua capacidade de invadir a rede de telefonia nacional. Para os investigadores, já na proposta comercial, a empresa vendedora informou o uso pela ferramenta de “estrutura de telefonia no exterior (SS7) para simular chamadas em roaming, inclusive valendo-se de envios de SMS Spoofing, resultando na manipulação dos sinais da rede de telefonia”.
Os investigadores da Polícia Federal, que participam das operações contra esse grupo, afirmam que oficiais da Abin e policiais federais lotados na agência monitoraram os passos de adversários políticos de Bolsonaro e produziram relatórios de informações “por meio de ações clandestinas” sem “qualquer controle judicial ou do Ministério Público”.
As operações deflagradas pela PF, com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) e concordância da Procuradoria Geral da República (PGR), já identificaram computadores da agência nas mãos de pessoas ligadas a Alexandre Ramagem, indicado por Bolsonaro para a chefia da Abin, e na dele próprio. Ramagem estava com um computador e dois celulares da Abin dois anos depois de ter saído do órgão.
Mensagens detectadas pela PF no celular apreendido de Ramagem mostram uma assessora do vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, o “zero dois”, Luciana Paula Garcia da Silva Almeida, cobrando do então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, informações sobre inquéritos sigilosos conduzidos pela Polícia Federal e que envolviam investigações de pessoas próximas a Jair Bolsonaro e de seus filhos.
O equipamento de espionagem israelense, comprado pelo governo Temer, foi usado durante a administração Bolsonaro para monitorar adversários e desafetos do presidente. O programa espião investigado pela PF tem capacidade de obter informações de georreferenciamento de celulares. Segundo pessoas com conhecimento da ferramenta, ela permite que as pessoas sejam monitoradas sem saberem. O equipamento permitia que até dez mil pessoas podiam ser monitoradas por ano.