O Orçamento da União foi aprovado no dia 21 (quinta-feira) meio de qualquer jeito pela Câmara Federal e pelo Senado. A matéria está na mesa de Bolsonaro para ser sancionada.
Trata-se de um orçamento que não enfrenta nenhum dos grandes desafios que a nação tem pela frente. Não tem engajamento na solução do desemprego, do subemprego, da queda na renda, dá uma merreca para a menor parte dos vulneráveis e libera dezenas de bilhões de reais para a campanha eleitoral de Bolsonaro e os seus, não se sabe até quando, aliados do centrão.
O item que ganhou maior visibilidade nas discussões estabeleceu um espaço fiscal de R$ 110 bilhões, através das manobras da PEC dos Precatórios, parte para financiar o Auxílio Brasil substituindo o Bolsa Família. Deixou R$ 37,6 bilhões para emendas de parlamentares, R$ 21,1 bilhões para as emendas (individuais e de bancada) e R$ 16 bilhões das emendas do relator, também conhecido como o orçamento secreto, outros R$ 1,7 bilhão para o reajuste salarial dos policiais federais, rodoviários e agentes penitenciários e mais R$ 4,9 bilhões para garantir o fundão eleitoral.
Dinheiro para uma farra eleitoral inédita, mesmo depois das farras das recentes eleições, e o dinheiro irá especialmente para a campanha de Bolsonaro, que a seu modo tenta sequestrar o Estado para seu projeto de poder, a “cosa nostra”.
O item, no entanto, mais profundamente prejudicial ao contribuinte obedece a lógica da economia neoliberal e impõe arrocho aos salários ao fixar o valor em R$ 1.210,00 para o salário mínimo. Sob o argumento de que as contas do governo e da previdência explodem se fossem fixados, digamos em R$ 1.400,00, aceitam, no entanto, gastar o dobro, o triplo, talvez o quíntuplo com o pagamento de juros, com o R$ 1,8 trilhão na rolagem da dívida do governo, conforme a peça orçamentária.
Cortar uns pontinhos da Selic atenderiam às necessidades das folhas de pagamento do governo, do INSS e resolveriam o assunto.
Da mesma forma se colocam como “defensores” dos empresários que não poderiam fazer frente a um aumento nesse valor de exemplo. Mesmo que alguns tivessem que pegar dinheiro emprestado, a juros civilizados, para garantir o pagamento da folha, a injeção de consumo no conjunto da economia, em pouco tempo, traria os lucros para pagar os empréstimos e ir adiante.
Não ficar como hoje, tomando um empréstimo para pagar o anterior, olhando para o futuro e não ver nada bom, com o receio de que o que não se enxerga seja o precipício.
O investimento previsto no orçamento aprovado é uma piada se não fosse uma tragédia. Quarenta e quatro bilhões de reais (R$ 44 bilhões), o menor da história, para novas escolas, creches, saneamento, incremento na indústria da saúde, formação profissional e outras tantas coisas. Nem para manter a infraestrutura atual, com estradas se desmanchando por exemplo.
Esse valor insignificante traz uma imagem que é local, mas mesmo assim é emblemática. Você andando na marginal do Pinheiros, em São Paulo. A segunda via mais importante da maior cidade do país, e Bum… , o trecho em viaduto desaba. Literalmente desaba e você com ele. Não é coisa de filme, quem não viu pode pesquisar.
“É uma situação dramática. Não estamos sequer repondo a depreciação dos nossos ativos. Temos de potencializar o investimento privado, mas é difícil que o privado dê conta de tudo”, afirma o diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha.
Diante desse cenário, o diretor da Abdib defende retirar os investimentos públicos do teto de gastos. “Os investimentos têm sido a variável de ajuste do teto, e não estão cortando programas ineficientes”, disse o diretor da Abdib ao Estadão.
Com a imposição da lei do Teto de Gastos, regra aprovada no governo de Michel Temer em 2016, o nível de investimento público ficou ainda mais crítico, visto que o valor destinado à rubrica ficar para o fechamento do orçamento. Ou seja, o que sobra, depois de todas as outras, o que resta é o que fica para o investimento.
Ao invés de determinar um valor, depois do estabelecimento de um programa dos investimentos necessários e as fontes, que podem ser inclusive aumento da dívida pública. Faz sentido tomar emprestado quando a taxa de retorno dos investimentos é maior do que o custo do dinheiro captado. Não é preciso dizer que esse endividamento é bem melhor do que aquele feito para pagar juros
Estamos todos embrulhados no Orçamento, mais uma vez pelo neoliberalismo. O Estado deve investir na educação, na saúde, na segurança, etc., etc., etc., MAS, deixar o resto para a iniciativa privada. Os grandes investimentos viriam das privatizações.
É uma política econômica em vigor há 40 anos e que trouxe muito, muito mais desvantagens, se alguma vantagem trouxe.
Privatizaram até a BR Distribuidora, assim “facinho” pela bolsa de valores, a segunda maior empresa nacional e brasileira em faturamento. Até mesmo privatistas moderados, como o consultor Gesner de Oliveira fez questão de ressaltar, em participação recente no Jornal da Cultura, que em 2021, foram privatizados algo em torno de R$ 200 bilhões em estatais. Não os mais de trilhão pretendido pelo Guedes, mas o que ele considerou um cifra expressiva.
Claro, querem o Banco do Brasil, mais a Caixa e o sonho dos entreguistas desde que ela nasceu, privatizar, acabar com a Petrobrás.
A receita é mais do mesmo.
Com as privatizações acontecendo ano a ano, nada do que se prometeu com essas ações, aconteceu. Quando mais se privatiza piora a situação do país. A economia está em frangalhos e o orçamento impõem pífios R$ 44 bilhões para investimentos. A sociedade vai cobrar por esse abandono.
De 2010 para os dias de hoje, a dotação de R$ 44,00 bilhões é a menor para os investimentos. Em 2012 com R$ 201 bilhões foi o de maior valor. Um achatamento próximo de 80%.
As privatizações estão falindo o país, com os nossos ativos públicos e privados transferidos a preço de banana predominantemente para o capital estrangeiro. Os capitais que compram nossas empresas pouco ou nada investem, sugam-nas até a “medula” com transferência de lucros e evasão de divisas com compras super faturadas de suas matrizes, entre outros expedientes. Fecham algumas, de primeira, para reserva de mercado, outras vão se exaurindo e com poucos investimentos, via de regra, vão tocando as que permanecem.
O nível de investimento é baixo, completamente insuficiente para as necessidades do Brasil. Para crescer, mais do que isso, se estabelecer como uma nação rica, desenvolvida, com uma indústria forte, desenvolvida tecnologicamente, enfim como uma nação próspera precisa de um nível de recursos, que os capitais estrangeiros dos recursos dispõem, mas não querem bancar. É querer que a leoa amamente os filhotes de qualquer de suas presas.
Na prática, o orçamento reafirma-se privatista, sem investimentos públicos que puxam os investimentos privados em qualquer economia do planeta. Sem crescimento econômico garante-se cada vez menos para a educação e as demais demandas sociais, pretensamente o que dizem querer fazer. Foi como chegamos aos R$ 44 bilhões.
Foi impossível não ver o aumento para a Polícia Federal, entre outras forças de segurança, e o arrocho de salário para o conjunto do funcionalismo há cinco anos sem reajuste. Justiça com uns, injustiça com outros. Agir tentando cooptar uns hoje, descartando outros amanhã, ao pior estilo miliciano de Bolsonaro que deve trazer problemas que vão repercutir com a inoperância da máquina do Estado.
Atos como os pedidos de exoneração de Delegados e chefes de divisão da Receita Federal que entregam seus cargos, após cortes nos recursos previstos para a divisão em 2022, sinalizam um cenário bastante difícil para a administração de pessoal da União.
As Forças Armadas passaram anos amargando orçamentos restritivos, o que debilitou muito a capacidade das forças, inclusive operacionalmente. Também para os investimentos estratégicos. Para 2022 a dotação veio bem boa para as forças.
O general Braga Neto, ministro das Forças Armadas, apresentou no início dos trabalhos do orçamento uma avaliação das três armas, suas necessidades viscerais e o volume de recursos para garantir o funcionamento das instituições, inclusive a urgente compra de mais aeronaves.
Se foi oportunismo de Bolsonaro, inclusive para reforçar a lealdade do ministro a ele, é o que parece, não altera em nada a correção do atendimento às forças em suas necessidades. Aos órgãos de controle e, a quem mais se interesse pelo assunto, cabe a vigilância da aplicação dos recursos.
Líderes do PCdoB, Cidadania, Rede, Psol, Podemos e Novo orientaram as respectivas bancadas a votarem contra o projeto, por defenderem um montante menor para as verbas do fundo eleitoral, que são públicas e vão financiar as campanhas eleitorais do ano que vem. O posicionamento desses partidos também teve como base a oposição aos R$ 16,5 bilhões para o orçamento secreto.
Ainda sobre os R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral para o financiamento das campanhas registre-se o posicionamento do diretor do nosso jornal, Carlos Lopes, que afirmou num recente seminário.
“Houve um aumento de 571,69% nos gastos eleitorais totais dos candidatos entre 2002 e 2014, para uma inflação de 158,22%”.
“Em muita medida, as eleições no Brasil tornaram-se uma falsificação operada pelo poder econômico, eliminando candidatos populares e progressistas pelo mero esmagamento de suas campanhas, através do poder financeiro de candidatos reacionários, muitas vezes obscurantistas”.
“Esse é, aliás, o segredo da permanência do “Centrão” como algo tão importante na política do país, atravessando, com algumas composições diversas, todo o período que sucedeu a ditadura, o mais das vezes formando com quem está no governo.”
“Então, a principal questão (Democrática), na minha opinião, é discutir como baratear as eleições, como ter um sistema que permita aos candidatos saídos do povo, e com caráter popular, ter alguma chance nas eleições, ao invés da margem a que eles estão hoje relegados”.
Pontualmente, algo positivo, um acordo fechado pela maioria das siglas para a aprovação do projeto incluiu, entre outros pontos, o reforço das verbas da Saúde e da Educação, que, em 2022, terão pouco mais de R$ 147 bilhões e de R$ 113 bilhões, respectivamente. Além disso, foram reservados R$ 800 milhões para reajustar os salários dos agentes comunitários de Saúde e dos agentes de controle de endemias.
Outra questão assim considerada foi: “A área de Educação foi um ponto de união. Nós priorizamos a Educação nesta comissão. E ela foi priorizada por todos. Todos votaram pela prioridade e por ela trabalharam, mesmo quando faltou um pouquinho do cobertor”, disse a senadora Rose de Freitas (MDB-ES), presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO).
A rigor os dois pontos acima, considerados positivos, o são dentro ainda de um orçamento tolhido pelas “tesouras” do limite dos salários e dos investimentos, entre outras limitações e podem ser considerados nesse contexto. Ainda assim, exigiram grandes esforços para serem garantidos na Lei de Diretrizes do Orçamento (LDO).
Não se pode ser contra um parlamentar conseguir verba para uma creche, hospital, escola, ponte, viaduto ou mesmo para um time de futebol do bairro, mas isso não pode ser feito pela anarquia do quem pode mais chora menos ou por ser “amigo do rei”.
A destinação do dinheiro do contribuinte deve observar a prioridade da coletividade, e não o interesse exclusivo deste ou daquele parlamentar, através do planejamento para efetivação dos planos de governo.
O orçamento prevê um déficit de R$ 79,3 bilhões nas finanças do governo federal. É o que se chama de orçamento primário. Depois disso são incluídas as despesas de juros, algo pelo menos de R$ 300 bilhões, que estão incluídos nos R$ 1,8 trilhões, junto com as amortizações, da rolagem da dívida.
Poderia e precisaria ser maior para financiar os investimentos, cujo aumento das receitas tributárias dariam cobertura para a amortização da dívida mais à frente. Enquanto não fosse cotejado os estímulos econômicos, a semelhança do que fizeram os países do primeiro mundo, ampliando as ferramentas para alavancar nosso desenvolvimento.
Enfim, é de um outro orçamento que a nação precisa. Um orçamento engajado na solução do desemprego, do subemprego, da queda na renda, das políticas para o desenvolvimento da indústria. Também do comércio e dos serviços. Das questões ambientais, entre outras mais.
A votação da LDO foi de 358 votos pela aprovação e 97 contra. Infelizmente a atual legislatura do nosso Congresso, especialmente pelo fenômeno Bolsonaro e a de Arthur Lira na presidência da Câmara, reuniu o que há de mais atrasado na política. Daqueles que são menos republicamos e até mesmo os que se alinham ao fascismo de Bolsonaro. É o que temos, no momento.
J.AMARO