“Ao invés de renda emergencial decente, temos o bolsa banqueiro”, diz economista
Para o economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, a decisão do Banco Central de elevar a taxa Selic para 3,5% ao ano “trata-se de um grande equívoco do ponto de vista da condução da política monetária”. E concluiu: “o que nós temos é uma situação na qual, ao invés de ter um programa de renda emergencial decente, nós temos o bolsa banqueiro. Quer dizer, você vai destinar milhões, bilhões, de reais do orçamento público para engordar, para enriquecer ainda mais, os economistas e os demais membros do sistema financeiro”, afirmou o especialista.
“Em primeiro lugar, a aceleração do índice de inflação cheia (IPCA acumulado em 12 meses) desde o final do ano passado decorre de um choque de oferta. Quais são os choques de oferta? Basicamente, o aumento do preço das commodities e dos alimentos nos mercados internacionais – devido em parte à recuperação da economia da China e, em parte, ao fato de que vários países, ao contrário do Brasil, constituíram estoques precaucionais de alimentos por conta do risco que a pandemia do Covid-19 teria sobre as cadeias globais de suprimentos e alimentos”, afirmou Oreiro em entrevista ao Hora do Povo.
Segundo Oreiro, “a segunda causa desse choque de oferta foi a desvalorização imensa da taxa de câmbio ocorrida no ano passado”.
“O dólar passou de R$ 4 em janeiro para mais de R$ 5,50 em dezembro. Foi uma desvalorização de mais de 40%. Aí a segunda causa desse choque de oferta. Além do aumento do preço das commodities agrícolas foi a desvalorização imensa da taxa de câmbio ocorrida no ano passado. O dólar passou de 4 reais em janeiro para mais de 5,50 em dezembro. Foi uma desvalorização de mais de 40%. Então você não combate um choque de oferta com elevação da taxa de juros. Por que? Porque a elevação da taxa de juros, ela vai agravar a queda de demanda que já é consequência do próprio choque de oferta, o choque de oferta negativo produz redução do nível de atividade econômica. Lembrando que, além desse choque de oferta, a gente tem a própria pandemia que reduz a interação entre as pessoas e afeta muito o setor de serviços”, argumentou o professor.
Ressaltando que a economia brasileira apresentou uma queda no nível de atividade econômica de 4,1% no Produto Interno Bruto no ano passado, José Luis Oreiro destacou que com o cenário de queda do nível de atividade e elevação da inflação por conta do choque de oferta, “essa elevação da inflação é temporária”.
“Por que? Porque quando você olha para os núcleos de inflação, que excluem alimentos e eletricidade, os núcleos de inflação apontam para uma inflação base de 3% ao ano, ou seja, confortavelmente dentro do regime de metas de inflação. Então, de acordo com o protocolo do regime de metas de inflação, você não deveria elevar a taxa de juros. Porque, primeiro, o nível de atividade econômica está muito baixo. E segundo, a elevação do IPCA acumulado em 12 meses, desde o final do ano passado, foi devido a um choque de oferta e, como tal, é de natureza temporária. Segundo ponto é que o Banco Central, os modelos do Banco Central, eles estão subestimando a capacidade ociosa da economia brasileira. Por razões técnicas que não convêm mencionar aqui, mas as estimativas que o Banco Central têm de hiato do produto, são consistentemente menores do que as estimativas feitas por outras instituições e outros economistas. Se você comparar, por exemplo, a estimativa de hiato do produto da instituição fiscal independente com a estimativa de ato do produto do Banco Central, você vai ver que a EAP do Banco Central é bem menor que o da instituição fiscal independente. Então, tem algum problema aí também no modelo de cálculo de produto potencial e hiato do produto do Banco Central que está levando o Banco Central a subestimar o nível de ociosidade dos recursos produtivos e portanto a reduzir o peso do nível de atividade econômica na formulação da política monetária. Então, essas são as razões de ordem técnica. Minha crítica técnica”, explicou Oreiro.
O especialista considera “completamente incorreta”, a “narrativa de que a economia brasileira está com uma pressão inflacionária, crônica, que precisa ser debelada por um aumento da taxa de juros”.
“Há muito tempo se sabe que no Brasil existe uma porta giratória entre os membros da diretoria do BC e o sistema financeiro. Ou seja, pessoas que ocupam cargos na diretoria do BC, ao saírem da diretoria do BC, vão ocupar altos cargos em bancos comerciais, bancos de investimento, consultorias ligadas ao sistema financeiro etc. Bom, tudo isso cria um sentido perverso que leva a cooptação da autoridade monetária pelo sistema financeiro. Cooptação essa que foi agravada, recentemente, pela lei que tornou os mandatos do presidente e dos diretores do BC fixos e portanto protegidos contra demissão arbitrária por parte do presidente da República. E por isso esse cooptação ficou mais forte. E o fato que o sistema financeiro agora está interessado numa elevação da taxa de juros”, asseverou Oreiro.
O economista pergunta: “Por que? Porque os ganhos financeiros que eram possíveis de ser obtidos por intermédio de um aumento da cotação do Bovespa estão esgotados. Você vê que há uma enorme resistência do índice Bovespa para passar dos 120 mil pontos. Então, ganhos de capital com a elevação do Bovespa, é basicamente… estão muito limitados a curto e médio prazo. Então, a outra alternativa é você recuperar os ganhos de tesouraria por intermédio da elevação da Selic. Com a elevação da Selic, a renda fixa volta a ser atrativa e com isso você vai ter ganhos nos ativos de renda fixa, que eu acho que é isso que esse pessoal está pressionando, por intermédio da imprensa, que é quase toda ela controlada pelo sistema financeiro, direta ou indiretamente, e expressa apenas a opinião dos economistas do sistema financeiro. Com raríssimas exceções, têm os economistas que são convidados para falar nos grandes meios de comunicação, são economistas direta ou indiretamente ligados aos interesses do sistema financeiro. Então, eles criaram uma narrativa – do meu ponto de vista, completamente incorreta – de que a economia brasileira está com uma pressão inflacionária, crônica, que precisa ser debelada por um aumento da taxa de juros, isso no contexto da maior crise econômica e da maior crise sanitária da história desse país”, afirmou o especialista.
O BC elevou a taxa básica de juros (Selic) de 2,75% para 3,5% ao ano, na quarta-feira (5). Foi a segunda alta consecutiva que o BC eleva a Selic em 0,75 ponto porcentual, encarecendo o crédito quando o Brasil vive sua pior crise sanitária e econômica. O BC apontou a alta da inflação como o principal motivo para o aumento da Selic, e sinalizou que a taxa de juros deve ser novamente elevada daqui a 45 dias.
ANTONIO ROSA