“Este é o custo da política monetária que iniciou em março de 2021. Nesta época, a taxa estava em 2%, agora em setembro de 2022 está em 13,75%. Você aumentou em um ano o pagamento dos juros da dívida em R$ 200 bilhões”, analisou o economista e professor da UnB
Com os aumentos na taxa básica de juros da economia (Selic) realizados pelo Banco Central (BC), a transferência de renda da sociedade para o setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, atingiu a soma de R$ 586,4 no acumulado de doze meses até julho.
A cifra bilionária gasta pelo governo Bolsonaro com juros representa 6,31% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo informações do BC. No mesmo intervalo de tempo do ano passado, a soma foi de R$ 323,5 bilhões (3,94% do PIB).
“É o maior programa de transferência de renda da história, de toda sociedade, para o 1% mais rico do País”, criticou o economista José Luís Oreiro, ao destacar que o aumento da taxa de juros não teve impacto sobre a inflação.
“Nós temos 33 milhões de brasileiros passando fome, e são quase R$ 600 bilhões transferidos para os mais ricos”, destacou em entrevista ao HP.
INFLAÇÃO
“Este é o custo da política monetária que iniciou em março de 2021. Nesta época, a taxa estava em 2%, e, agora, em setembro de 2022, está em 13,75%. Você aumentou em um ano o pagamento dos juros da dívida em R$ 200 bilhões. Chama a atenção que isto é três vezes o Auxílio Brasil. Isto é maior que todo o gasto do governo federal e dos Estados com a desoneração de combustíveis e energia elétrica, que está em torno de cerca de R$ 150 bilhões. Quer dizer, quando se fala da gastança do governo Bolsonaro, que ele está gastando para reduzir os impostos – o chamado gasto tributário – redução de impostos sobre combustíveis e sobre eletricidade, isso não passa nem perto do gasto com os juros da dívida”.
“O maior programa de transferência de renda da história, de toda sociedade, para o 1% mais rico do País’
“Qual foi o efeito que teve sobre a inflação este aumento da taxa de juros? Nenhum. A inflação só cedeu um pouco nos últimos dois meses porque o governo reduziu o ICMS sobre os combustíveis e sobre eletricidade e isto deu deflação em dois meses. É por isto que a inflação este ano vai fechar menor que a previsão, não foi por causa da elevação dos juros”, explicou o economista.
Oreiro observou, ainda, que o governo Bolsonaro faz “o maior programa de transferência de renda da história, de toda sociedade, para o 1% mais rico do País. Enquanto isso, estamos vendo os indicadores econômicos, por exemplo, o setor do varejo, na transição de julho para julho, veio em queda, o varejo restrito e ampliado. O efeito da reabertura da economia está se esgotando. Nós temos 33 milhões de brasileiros passando fome, e são quase R$ 600 bilhões transferidos para os mais ricos. É uma mentira dizer que há transferência no Brasil dos ricos para os pobres. O que tem é uma transferência de renda de toda a sociedade para os mais ricos. Eu repito, esse aumento em um ano de R$ 200 bilhões é três vezes o Auxílio Brasil. É transferir de toda a sociedade para os 1% mais ricos. Lógico que este pessoal está apoiando Bolsonaro, evidente, estão ganhando muito dinheiro”, avaliou o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB).
COPOM
Na próxima terça-feira (20), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reunirá para decidir se continuará elevando ou não a taxa de juros. A alta na Selic começou em 17 de março de 2021 e, desde então, a taxa subiu 12 vezes consecutivamente, de 2% para 13,75%, patamar mais alto desde 2016, quando a taxa começou o ano em 14%. Neste patamar, o Brasil lidera o ranking mundial de juros reais, isso é, descontada a inflação.
A elevação dos juros não teve impacto sobre a inflação, que vem de causas que não têm a ver com o aumento da demanda. Em 2021, o IPCA, que mede a inflação oficial do país, encerrou em alta de 10,06%, o maior aumento desde 2015 (10,67%). Nos últimos 12 meses até agosto, o índice geral acumula alta de 8,73%, de acordo com o IBGE.
Ao analisar o problema da inflação no Brasil, Oreiro destaca que “não existe pressão de demanda sobre a economia brasileira” que justifique o aumento da taxa de juros. “A inflação é um problema de choque de oferta persistente, mas não permanente”, disse o professor da UNB, em outra entrevista concedida ao HP. Em sua opinião, há inflação de alimentos e de energia subindo, “por conta de uma série de eventos que persistem no tempo, como: a guerra da Rússia e da Ucrânia, como os efeitos ainda da Covid-19 sobre a cadeia mundial de suplementos”. “Quer dizer, esses efeitos estão durando mais do que a gente havia esperado”, avaliou.
ENDIVIDAMENTO
O impacto dos juros altos foi ineficaz contra a inflação, mas agravou o endividamento das famílias e das empresas ao encarecer ainda mais o crédito aos consumidores, além de criar mais travas aos investimentos e ao consumo – afetando diretamente os empregos e a renda.
Com os altos custos dos alimentos e de outras despesas do dia a dia, as famílias que têm seus salários corroídos pela queda da renda e pela inflação estão sendo forçadas a se endividar com o cartão de crédito, cheque especial e até empréstimos – com seus juros exorbitantes.
Em agosto, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer atingiu 79% do total de lares no país em agosto – cresceu 6,1 p.p. na comparação com agosto do ano passado, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Já a inadimplência – a proporção de famílias que relataram ter dívidas em atraso, chegou a 29,6%.
Do lado do consumo, o resultado das vendas do comércio varejista brasileiro foi de queda pelo terceiro mês consecutivo e a quarta maior queda para o mês nos últimos quatro anos, segundo números divulgados pela Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE.
O volume de vendas do setor recuou 0,8% em julho na comparação com junho, após quedas de -1,4% e -0,1% nos meses anteriores. Na comparação com julho do ano passado o resultado também foi negativo, -5,2%. Nos últimos 12 meses, o comércio varejista nacional está em baixa de -1,8%.
INDÚSTRIA
Operando a níveis abaixo do patamar anterior à pandemia, a Indústria brasileira ao longo deste ano tem apresentado pequenas oscilações no fundo do poço. Em julho, a produção industrial teve um avanço de 0,6% ante junho, mas apresentou recuo de -0,5% no mês ante o mesmo período de 2021, de acordo com dados da Pesquisa Mensal da Indústria. O setor acumula queda de 2% no ano. Já no acumulado de 12 meses, está negativo em -3,0%.
Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), os dados revelam que 2022 “dificilmente será promissor para a indústria”. Com base no que foi apurado pela pesquisa do IBGE, o instituto lembra que no acumulado dos sete primeiros meses de 2022, 73% dos ramos da indústria permanecem desastrosamente no vermelho.
“Entre os macrossetores, a maior perda cabe a bens de consumo duráveis, com -10,5% ante jan-ago/21, seguidos de longe por bens intermediários (-1,7%) e bens de capital (-1,6%), que em 2021 como um todo tinham acumulado crescimento de dois dígitos (+27,8%). Bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, têm queda de -0,8%”, avalia a entidade.
ANTONIO ROSA