
O aumento do salário mínimo contribui para o crescimento do país e da arrecadação, melhorando as contas públicas, ao contrário do que dizem os neoliberais, afirma o professor de economia da UnB
O professor de Economia da UnB, José Luis Oreiro, desmontou em seu artigo “O Cochilo Lógico de Fábio Giambiagi sobre os Efeitos da Regra do Salário Mínimo sobre a Dívida Pública”, publicado em seu blog nesta segunda-feira (15), a ladainha neoliberal que apregoa a permanência “praticamente eterna” de arrocho do salário mínimo. Oreiro defende a valorização do salário mínimo brasileiro – um dos menores da América Latina -, em polêmica com seu colega de profissão, Fábio Giambiagi.
O pretexto de Giambiagi para o arrocho do salário mínimo baseia-se na tese de que o aumento do mínimo agravaria o endividamento público. Esta tese foi derrubada com apresentação de dados pelo professor Oreiro. Ele comprovou, através do estudo de Carolina Tavares Resende, da Assessoria Econômica da Câmara dos Deputados, e Manoel Pires, do IBRE-FGV, que, ao contrário do que diz Giambiagi, a elevação do salário mínimo, apesar de significar maiores gastos previdenciários, traz muito mais recursos ao Tesouro com a elevação do PIB e da arrecadação.
Oreiro conclui seu texto mostrando que o problema da possível insustentabilidade das contas públicas não está na regra de reajuste do salário mínimo, como diz Giambiagi. Pelo contrário, como mostra o estudo citado, ela contribui para a redução da dívida pública. O que causa problemas fiscais, na opinião do professor José Luis Oreiro, são as restrições auto impostas pelo Arcabouço Fiscal criado pelo ministro Fernando Haddad. Confira o artigo na íntegra!
O Cochilo Lógico de Fábio Giambiagi sobre os Efeitos da Regra do Salário Mínimo sobre a Dívida Pública
JOSÉ LUIS OREIRO [*]
Na edição do Valor Econômico do dia 15 de setembro de 2025 foi publicada uma matéria citando estudo do economista Fábio Giambiagi sobre os efeitos da Regra de Reajuste do Salário Mínimo do governo Lula 3 sobre a variação da dívida pública (Ver https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/09/15/regra-do-minimo-deve-elevar-divida-em-r-165-bi-sob-lula-3.ghtml).
De acordo com os dados apresentados na matéria o fluxo acumulado de gastos adicionais decorrentes da política de valorização do salário mínimo no período 2023-2026 é da ordem de R$ 145,9 bilhões sem levar em conta os juros pagos sobre os títulos emitidos para financiar o aumento do déficit público decorrente desses gastos adicionais. Na projeção para o período 2027-2030 o fluxo acumulado será de 169,6 bilhões, considerando a mudança ocorrida em 2025 a respeito da regra de reajuste do salário mínimo que limita o aumento real a 2,5% a.a.
Uma coisa que me chamou imediatamente atenção na matéria é que aparentemente (digo isso porque não tive acesso ao estudo feito por Fábio Giambiagi) Fábio Giambiagi cometeu um cochilo lógico e desconsiderou o impacto que o aumento do salário mínimo – o qual é o valor de referência para uma parte significativa dos gastos com aposentadorias no Brasil – tem sobre o nível de atividade econômica e, dessa forma, sobre a arrecadação de impostos.
Como John Maynard Keynes demonstrou em sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, todo o gasto implica, ao ser realizado, na criação de uma renda de igual magnitude dado o caráter bilateral de qualquer transação numa economia de mercado, a qual envolve necessariamente um lado que efetua o gasto e outro que recebe esse gasto como renda. Soma-se a essa criação inicial de renda uma série de efeitos de propagação sobre o sistema econômica, com gastos adicionais de consumo induzidos pela criação inicial de renda. Esse efeito é conhecido como efeito multiplicador.
Os economistas Carolina Tavares Resende da Assessoria Econômica da Câmara dos Deputados e Manoel Pires do IBRE-FGV publicaram um artigo intitulado “O impulso de multiplicador fiscal: implementação e evidência para o Brasil” em 2021 na prestigiosa revista Estudos Econômicos da Universidade de São Paulo (Ver https://www.scielo.br/j/ee/a/T9FPWkTwmwGDhymrxLjtY4D/?format=pdf&lang=pt). Nesse artigo os pesquisadores fazem uma importante contribuição para a literatura sobre multiplicadores fiscais, calculando os valores dos multiplicadores para 4 classes de gastos do governo a saber: folha de pagamento, transferências, investimento e outros. O período da análise é do primeiro trimestre de 1997 ao quarto trimestre de 2018. Os autores também calculam 5 tipos de multiplicadores: impacto, de horizonte (n), de pico, cumulativo e cumulativo a valor presente.
Para avaliarmos corretamente o impacto sobre a dívida pública da política de valorização do salário mínimo adotada no governo Lula 3 não basta calcular o aumento acumulado das despesas com transferências que decorreu dessa política; mas é preciso, respeitando o fato de que todo e qualquer gasto realizado pelo governo se transforma em renda, avaliar também o aumento induzido do PIB por essa política, parte do qual irá necessariamente retornar ao governo na forma de maior arrecadação de impostos.
Para fazer esse exercício, irei utilizador as estimativas de Resende e Pires (2021) para o multiplicador cumulativo dos gastos com transferências. Com base nos dados da Tabela 2 (reproduzida abaixo) de Resende e Pires verificamos que o valor do multiplicador cumulativo de 16 trimestres ou 4 anos (o equivalente a duração do mandato de Lula 3) é igual a 4,352. Dessa forma, um aumento acumulado dos gastos com transferência (incluindo aqui apenas os gastos previdenciários) de R$ 145,9 bilhões tem um efeito cumulativo de R$ 634, 95 Bilhões sobre o PIB brasileiro no período 2023-2026.
Considerando uma carga tributária média (em todas as instâncias) de 32% do PIB, um aumento de R$ 634, 95 Bilhões gera um aumento de R$ 203,18 Bilhões!!!!! Ou seja, quando levamos em conta, como é elementar, o impacto que o aumento do salário mínimo tem sobre o nível de atividade econômica e, consequentemente, sobre a arrecadação de impostos constatamos, ao contrário do afirmado por Fábio Giambiagi, que a política de aumento do salário mínimo contribuiu para a redução da dívida pública em R$ 57,28 Bilhões !!! Trata-se de uma política que mais do que se paga a si mesma, contribuindo positivamente para o crescimento econômico e geração de empregos.

Fabio Giambiagi argumenta, com razão, que dadas as regras de crescimento das despesas impostas pelo arcabouço fiscal de Fernando Haddad a atual política de valorização do salário mínimo é insustentável no médio prazo pois, devido a lógica interna do arcabouço fiscal, irá impor um esmagamento progressivo das despesas discricionárias, as quais deverão ficar negativas em R$ 40 bilhões em 2029. Essa afirmação está correta, mas o problema não é a regra de reajuste do salário mínimo, a qual já vimos que contribui para a redução da dívida pública, mas a restrição auto-imposta decorrente do Arcabouço Fiscal de Fernando Haddad.
Desse arrazoado se segue que o que é realmente insustentável para o próximo mandato presidencial não é a política de valorização do salário mínimo; mas as regras que impõe um limite ao crescimento do gasto do governo a nível agregado, como é feito no atual Arcabouço Fiscal. O próximo governo terá necessariamente que rever esse arcabouço.
[*] Professor do Departamento de Economia da UnB e Professor e Pesquisador Visitante do Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco