Quando se tem um gasto de R$ 855 bilhões com pagamento de juros, querem economizar alguns trocados tirando dos mais pobres, denunciam
Os economistas José Luis Oreiro e Paulo Kliass afirmaram, em live realizada no domingo (3), pela TV Fórum, que propostas de cortes em investimentos e programas sociais vão contra o projeto que elegeu o presidente Lula, de colocar o pobre no orçamento e os ricos no imposto de renda , e defendem que o “ajuste fiscal” tem que ser feito sobre o topo e não na base da sociedade.
Oreiro alertou que o gasto do Estado com o pagamento dos juros da dívida pública é o que desequilibra as contas públicas. Na avaliação do economista, fazer ajuste fiscal em cima dos pobres “não faz nenhum sentido”.
“Desempregado é o quê? Virou milionário no Brasil? O BPC [Benefício de Prestação Continuada], que é destinado a pessoas doentes, é renda de milionário?”, questionou. “É de uma cretinice inacreditável”, observou o professor, que defende a reintrodução da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a pessoas físicas – que estão isentas desde 1996.
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) afirmou que “a natureza do desequilíbrio fiscal brasileiro é financeira”. “A maior fonte de déficit é o pagamento de juros da dívida pública, que no acumulado em 12 meses até agosto de 2024 representou R$ 855 bilhões ou 7,5% do PIB”, denunciou Oreiro.
Segundo ele, a decisão de cortar verbas e direitos sociais vai “contra a promessa de campanha do presidente Lula”, lembrou.
“Olha que coisa curiosa”, prosseguiu Oreiro, “quando você tem um gasto de R$ 855 bilhões com pagamento de juros você quer economizar alguns trocados, por exemplo, nessa proposta horrorosa de usar a multa do FGTS para abater as parcelas de seguro-desemprego, que o trabalhador teria o direito, caso seja demitido sem justa causa. Quer dizer, quanto que pode dar isso? Eu não fiz as contas, mas vamos lá, que seja R$ 10 bilhões”.
“O que são R$ 10 bilhões comparados com R$ 855 bilhões”, questionou o economista. “Não faz nenhum sentido isso, enquanto a questão dos juros não for colocada no centro do ajuste fiscal brasileiro”, ressaltou.
O economista Paulo Kliass, especialista em políticas públicas e gestão governamental, também condenou “a ideia de colocar o ajuste fiscal em cima dos mais pobres”, ao mesmo tempo que segue a isentar e oferecer benefícios para os bancos e rentistas.
“A política fiscal é regressiva no sentido que ela penaliza os setores da base da nossa pirâmide da desigualdade… mas beneficia os setores do topo”, criticou.
Paulo Kliass afirmou que “a questão da austeridade fiscal, do ajuste fiscal, é sempre no primário”. “Porque o primário significa, na terminologia deles, o não financeiro… Retiram as contas financeiras do orçamento. Você tem, por exemplo, esses R$ 850 bilhões, ou quase R$ 870 bilhões, que são pagos anualmente a títulos de juros da dívida pública, que é dinheiro que sai do governo”, denunciou.
“Esse mesmo dinheiro que eles dizem que não existe, isso não entra na conta. E quando você vai fazer o ajuste, você pega da saúde, educação, previdência, salário dos servidores, saneamento, segurança pública etc., e deixa de lado a conta dos juros. Isso também é um contrassenso”, acrescentou Kliass.
Para o economista, abraçados às previsões do “mercado” nada confiáveis no Boletim Focus, os diretores do Banco Central (BC) estão contribuindo para que os juros sigam prejudicando o Orçamento público.
“A gestão do Gabriel Galípolo [que assumirá a presidência do BC a partir de janeiro de 2025], além de apresentar uma tendência – pelo menos essa é expectativa da maioria da população – declinante da Selic, deveria ter outras opiniões, por exemplo: rever essa questão da escuta do sistema financeiro [boletim Focus] concentrada nessas 170 instituições, o que ele vai fazer com “spread bancário”, que no Brasil “é um escândalo”.
“O Banco Central é o órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro, ele deveria defender a grande maioria da população contra esse punhado de banqueiros, que joga [para] o maior escândalo que é a taxa que se cobra nas operações do cartão de crédito, quase 400% ao ano… Ele deveria atuar e impedir que esse tipo de abuso e distorção continue a ser praticado”, condenou
“Isso tudo fora os outros impactos que a Selic [hoje em 10,75% ao ano] tem sobre justamente a conta de juros. Porque a Selic é a taxa referencial de juros. Então, no mínimo a dívida pública tem que ser rolada nesse percentual. Se a Selic está lá nas esferas, essa é uma das razões da nossa conta anual de juros também ser impactante do ponto de vista do nosso orçamento”, afirmou.
A entrevista à “TV Fórum” foi ao ar neste último final de semana. Veja, a seguir, a íntegra da live com o jornalista Mauro Lopes