“Trata-se de uma medida que, na prática, transforma 100% da força de trabalho em trabalhadores informais, acabando com a CLT instituída pelo Presidente Getúlio Vargas na década de 1930. O Brasil retorna assim ao paraíso do capitalismo sem qualquer tipo de regulação, o sonho de Paulo Guedes”
Para o economista José Luís Oreiro, professor da UnB, a MP 927 de Bolsonaro que suspende os contratos de trabalho e os salários por 4 meses, “vai na direção contrária ao que está sendo adotado no mundo inteiro. É de uma burrice e de uma desumanidade inacreditável”.
A loucura de Bolsonaro aprofunda o liquidacionismo insano de Paulo Guedes
José Luís Oreiro
Acabei de ser surpreendido pela Medida Provisória 927 editada ontem, dia 22 de março, pelo Presidente da República a qual, estabelece entre outras coisas, a suspensão dos contratos de trabalho e o pagamento de salários por um período de até quatro meses enquanto durar o estado de calamidade pública. É de uma burrice e de uma desumanidade inacreditável. Burrice porque cria um mecanismo automático de interrupção do fluxo de renda de milhões de trabalhadores, sem que haja nenhum tipo de custo para as empresas. Dessa forma, mesmo aquelas empresas que poderiam manter o fluxo de pagamento aos seus funcionários por um certo período de tempo sem demiti-los, poderão interromper esses pagamentos instantaneamente. Isso irá acelerar a queda de emprego que, de outra forma, seria muito mais lenta. É uma desumanidade inacreditável porque tira dos trabalhadores formais o direito de acessar os mecanismos de proteção social previstos em lei como, por exemplo, o seguro desemprego ou a multa rescisória do FGTS por demissão sem justa causa. Dessa forma, os trabalhadores ficarão sem a renda do trabalho e sem qualquer compensação financeira porque não estarão formalmente desempregados. Trata-se de uma medida que, na prática, transforma 100% da força de trabalho em trabalhadores informais, acabando com a CLT instituída pelo Presidente Getúlio Vargas na década de 1930. O Brasil retorna assim ao paraíso do capitalismo sem qualquer tipo de regulação, o sonho de Paulo Guedes.
É inacreditável como o governo Bolsonaro insiste em adotar medidas que vão na direção contrária ao que está sendo adotado no mundo inteiro. No Reino Unido, o governo conservador de Boris Johnson vai pagar até 80% dos salários dos trabalhadores retidos pela quarentena e que não puderem realizar o tele-trabalho. Essa medida tem um custo previsto de 38 bilhões de libras esterlinas, o equivalente a R$ 240 bilhões (https://observador.pt/2020/03/20/no-reino-unido-o-governo-vai-pagar-80-dos-salarios-de-quem-esta-sem-trabalhar/). Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump irá enviar cheques de 1000 dólares para todos os americanos adultos de forma a estimular o consumo e assim manter os empregos. Essa medida tem o impacto previsto de US$ 1 trilhão (https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2020/03/trump-preve-pacote-com-envio-de-dinheiro-aos-americanos-para-enfrentar-coronavirus-ck7wkkm8800s601s2upypd740.html).
O Brasil pode e deve adotar medidas similares a essa para evitar o desemprego em massa e o caos social. Mais especificamente proponho o seguinte pacote de medidas que poderão ser aprovadas, em regime de urgência, pelo Congresso Nacional:
(i) Adoção do Programa Emergencial de Renda Mínima, com um pagamento de um salário mínimo, por um período de três meses, para todos os trabalhadores informais e por conta própria. O custo estimado desse programa é de R$ 120 bilhões.
(ii) Liberação de empréstimos do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para as pequenas e médias empresas, a uma taxa de juros de 1% a.a, para o financiamento de capital de giro, com a exigência de que as empresas beneficiadas com o crédito subsidiado não poderão demitir nenhum de seus trabalhadores e/ou reduzir sua jornada de trabalho.
(iii) Suspensão do pagamentos dos serviços das dívidas dos estados com a União. Esse dinheiro deverá ser usado, prioritariamente, para manter em dia os pagamentos dos salários dos servidores públicos e para o financiamento dos serviços de assistência médica.
(iv) Utilização imediata dos recursos disponíveis na Conta Única do Tesouro no Banco Central, os quais totalizavam em janeiro R$ 1,350 trilhão, para o financiamento dos gastos da União com os programas emergenciais e com a assistência aos Estados. Durante o período de calamidade pública o Banco Central fica proibido de executar operações compromissadas para o enxugamento da liquidez criada com os saques da conta unica do tesouro nacional. Para operacionalizar isso, o regime de metas de inflação fica suspenso e a prioridade do Banco Central passa a ser a manutenção do nível de renda e de emprego, bem como a solvência do sistema financeiro.
(v) O governo federal deverá retomar imediatamente todas as obras que estejam paradas por conta de contingenciamento de recursos em exercícios anteriores. O congresso Nacional deverá aprovar o crédito suplementar necessário para que o aumento do investimento público não seja impedido por conta da Emenda Constitucional do teto de gastos.
Uma última observação. Não é verdade que a MP 927 proteja as empresas em detrimento dos trabalhadores, como foi dito hoje por Mirian Leitão em sua coluna no jornal O Globo (https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/governo-ajuda-empresa-e-fragiliza-o-trabalhador.html?utm_source=notificacao-geral&utm_medium=notificacao-browser&utm_campaign=O%20Globo). Se os trabalhadores ficarem sem renda, as empresas também não terão para quem vender seus produtos. Trata-se de um autêntico jogo de soma negativa, onde todos saem perdendo. O que o Brasil precisa neste momento é de medidas inteligentes que permitem um jogo de soma positiva. Mas para tanto talvez seja preciso trocar toda a equipe econômica e, possivelmente, o Presidente da República.
Reproduzido do site do autor – https://jlcoreiro.wordpress.com/