O governo de Ortega impede a entrada de jornalistas da imprensa estrangeira para cobrir as eleições do próximo domingo, 7 de novembro, na Nicarágua. Mais de dez repórteres e fotógrafos, de diversos meios de comunicação internacionais, tentaram entrar no país, mas não obtiveram permissão, apesar de terem cumprido com todas as exigências legais de saúde e normas dos departamentos atinentes à imigração, segundo informações do portal jornalístico Confidencial de Manágua.
Frédéric Saliba, correspondente do jornal francês Le Monde, não poderá cobrir a votação deste domingo porque não pode entrar no país. Em 16 de outubro, um dia antes de sua viagem, a companhia aérea notificou-lhe que sua passagem foi cancelada por decisão das autoridades nicaraguenses que argüiram “motivos de imigração”. Não houve mais explicações, apesar do jornalista ter cumprido com todos os requisitos, incluindo vacinação completa, teste negativo para Covid, apresentar documentos pessoais válidos, para entrar no país.
Em 28 de outubro, uma equipe do jornal de Honduras El Heraldo – um fotojornalista, um motorista e um repórter – entrou no país pelo posto fronteiriço de El Guasaule, em Chinandega, mas ao chegar ao escritório da Direção-Geral de Migração e Estrangeiros, o responsável pelo local, capitão Osman Sáez, os expulsou. Todos eles também estavam em ordem com os requisitos de imigração e de saúde.
Sáez levou o jornalista Carlos Girón a um escritório e solicitou seus dados pessoais, além de questioná-lo sobre seu trabalho no jornal e o motivo de sua visita à Nicarágua. A certa altura, o capitão quis pegar o telefone do repórter, mas ele o impediu. Sáez disse-lhe que era proibido gravar qualquer conversa, relatou o comunicador em entrevista em Tegucigalpa.
É a primeira vez que uma equipe do jornal hondurenho é expulsa do país, assinalou Girón, explicando que em ocasiões anteriores, os jornalistas entraram e realizaram seu trabalho sem inconvenientes. O caso dele e o de Saliba são os mais recentes, mas não os únicos. No início de outubro, uma equipe da CNN International também tentou chegar à Nicarágua, pela fronteira terrestre com a Costa Rica, mas não foi autorizada a passar, segundo reportagem do Le Monde.
O Confidencial confirmou outros casos de correspondentes estrangeiros, que não divulgaram suas experiências, mas também não tiveram permição de entrar na Nicarágua, a exemplo do jornalista Anatoly Kurmanaev, do The New York Times.
Saliba e a jornalista nicaraguense Tifani Roberts, da rede Univisión, expressaram que o governo usa a pandemia como filtro para permitir a entrada ou não no país.
Comunidade internacional questiona falta de transparência
O processo eleitoral deste domingo, em que Ortega pretende ficar na presidência pela quarta vez, junto com sua esposa, Rosario Murillo, como vice-presidente, foi questionado pela comunidade internacional por falta de condições mínimas de transparência. A oposição o qualifica de “farsa” e “circo” por ter prendido e impedido importantes representantes políticos que se opõem ao regime de participar do pleito.
Mais de 150 pessoas foram detidas nesse último período no país, “por meio de uma estrutura regulatória repressiva que visa sufocar a sociedade civil nicaraguense”, que desde maio de 2021 prendeu 39 defensores de direitos humanos e opositores políticos, incluindo sete candidatos presidenciais, afirmou o Observatório para a Proteção de Defensores dos Direitos Humanos e o Centro Nicaragüense de Direitos Humanos (Cenidh), na quinta-feira (04).
“As eleições marcadas para o próximo domingo na Nicarágua são completamente fake” e nenhum “resultado legítimo” pode ser esperado delas, afirmou, na terça-feira (02) em Lima, o alto representante da União Européia (UE) para a Política Externa, Josep Borrell.
Em encontro com a imprensa estrangeira no Peru, aonde chegou na segunda-feira (01) em sua primeira visita à América Latina desde sua posse, Borrell indicou que a situação no país centro-americano é “uma das mais graves atualmente” no continente.
“Estou preocupado com a Nicarágua, onde há eleições que são completamente fake. Não vamos enviar nenhuma missão de observação eleitoral para lá porque o Sr. Ortega já se encarregou de prender todos os opositores políticos que se apresentavam para concorrer às eleições. Não podemos esperar que esse processo produza um resultado legítimo que possamos considerar, mas muito pelo contrário “, disse Borrell.
Candidatos de oposição presos
Cristiana Chamorro, a candidata à presidência da Nicarágua que tinha maior probabilidade de derrotar o atual presidente, Daniel Ortega, foi presa por “traição à pátria” e suposta lavagem de dinheiro e está em prisão domiciliar desde junho passado, impedida de participar nas eleições a pedido do Ministério Público.
As acusações são as mesmas apresentadas contra outros 26 adversários presos desde 27 de maio passado, entre eles os candidatos à presidência Arturo Cruz, Juan Sebastián Chamorro, Félix Maradiaga, Miguel Mora e Medardo Mairena.
Também foram detidos os ex-vice-chanceleres Víctor Hugo Tinoco e José Pallais, e os ex-guerrilheiros sandinistas dissidentes Dora María Téllez e Hugo Torres, assim como quatro dirigentes opositores, dois dirigentes universitários, um jornalista e dois empresários, entre outros.
O escritor Sergio Ramírez, vencedor do Prêmio Cervantes 2017, denunciou que “a mão desajeitada da injustiça ditatorial na Nicarágua está perseguindo e fazendo reféns mulheres e homens dignos de todas as condições sociais, aterrorizando suas casas”. Ex-vice-presidente durante o primeiro governo de Ortega (1985-1990) e dissidente da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) no poder, Ramírez reiterou que se sentia “totalmente identificado” com pessoas dignas que estão sofrendo por divergir.