A Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH), uma das mais ativas organizações no resgate de manifestantes feridos, detidos ou hostilizados durante os protestos contra o governo de Daniel Ortega que eclodiram em abril, anunciou neste domingo (5) que vai fechar seus escritórios no país devido a sérias ameaças e ao assédio de grupos armados ilegais.
A ANPDH “tem se visto ameaçada após ter recebido informação alarmante sobre a ativação de práticas ilegais de perseguição judicial e criminalização sem fundamento legal que as motive contra seus ativistas”, denunciou a entidade em comunicado, responsabilizando por esses crimes as “forças combinadas” do Governo, compostas por policiais, parapoliciais, paramilitares e grupos de choque.
Em seu último informe sobre os danos humanitários da crise, a ANPDH denunciou a morte de 448 pessoas, em sua maioria jovens manifestantes, 2.800 feridos, assim como centenas de “seqüestrados” e desaparecidos pela ação dessas “forças combinadas”.
Sem as mínimas condições de segurança, a ANPDH decidiu fechar seus escritórios como medida preventiva, “a fim de garantir a integridade física e a segurança dos nossos defensores”, destacou. No entanto, informou que continuará atendendo as denúncias de vítimas através da internet.
O grupo, que tinha seu escritório central em Manágua, disse que o seu principal dirigente, Álvaro Leiva, também sofreu “o assédio permanente de grupos armados não autorizados e ligações telefônicas com ameaças” nos escritórios. “Fomos obrigados a tomar medidas que garantam sua integridade”, assinalou e, na segunda-feira (6), informaram que Leiva saiu do país e buscará asilo na Costa Rica.
O secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Paulo Abrão, confirmou a saída do ativista e de uma equipe da ANPDH através de suas redes sociais.
“Coincidente encontro no aeroporto de Honduras. Álvaro Leiva e equipe da ANPDH em trânsito para Costa Rica. Confesso que nunca imaginei presenciar um auto-exílio em seu exato instante. Chorando, eles diziam que, apesar do custo, tinha valido a pena defender os direitos humanos na Nicarágua”, indicou Abrão pelo Twitter.
Em informe, a CIDH sublinhou que 90% das vítimas confirmadas até a data, morreram por feridas de bala no peito, cabeça, abdômen ou costas, referindo-se aos dados recopilados entre 18 de abril e 30 de julho, em nível nacional.
A ANPDH ajudou a gerenciar, junto com a Igreja católica, a libertação de detidos ilegais, e destacou a existência de cerca de 600 desaparecidos.
E as manifestações não param. Centenas de médicos, enfermeiros e trabalhadores da saúde, participaram no último sábado de uma marcha a favor de seus colegas, especialistas com mais de 30 anos de experiência, responsáveis por diferentes programas da saúde, demitidos pelo governo, acusados de prestar cuidados médicos a feridos que protestaram contra o presidente Daniel Ortega e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo.
“Estamos nos solidarizando com nossos colegas (…) já que foram médicos que por prestar a assistência que sempre prestaram com pagamento ou sem pagamento, dentro ou fora da instituição, foram mandados embora”, disse à Agência Efe a especialista em ginecologia e obstetrícia, Lucía Ramírez, durante o protesto em Manágua, que teve a participação de milhares de pessoas.
“Aplicam um artigo do Código do Trabalho e simplesmente te dizem: ‘já não requeremos mais seus serviços’. Porém, por trás disso há algo em comum que todos sabem, já que coincide que todas as pessoas que são mandadas embora são as que não apóiam o regime Ortega/ Murillo”, esclareceu Ramírez.
Os médicos que participaram na marcha afirmaram que seus colegas destituídos atenderam a manifestantes feridos em cidades como León ou Masaya, tanto em hospitais como em igrejas.
Surgem também denúncias de paramilitares que entram nas casas da população sem nenhuma ordem judicial, capturam pessoas, torturam e matam impunemente. “É um exército paralelo e ilegal que Ortega primeiro negou que fosse do governo, acusou à direita e à CIA, e aos movimentos de oposição, depois, contra a parede, diante das evidências documentadas e filmadas, afirmou que eram ‘policiais voluntários’”, manifestou o doutor em Sociologia, William H. Gómez.
“O Sistema Penitenciário Nacional funciona como centro de tortura. De acordo com a informação que tem em seu poder a Comissão Permanente de Direitos Humanos da Nicarágua, CPDH, nesse lugar se acorrenta de pés e mãos aos detidos, lhes raspam a cabeça e os golpeiam”, denunciaram membros da entidade.
SUSANA SANTOS