O heroi da libertação dos escravos, Luiz Gama, completou no domingo, 21 de junho, 190 anos em que brindou o Brasil, o mundo e a humanidade com sua presença entre nós.
Em sua homenagem, registramos os depoimentos da professora da UNIFESP, Ligia Fonseca Ferreira, e Benemar França, tataraneto de Luiz Gama.
O “libertador dos escravos” nasceu em Salvador, Bahia, no dia 21 de junho de 1830. E entrou para a história com seu exemplo de luta e de vida, iniciado com sua escandalosa venda como escravo aos 10 anos de idade, por seu pai, e transportado para São Paulo.
O Patrono da Abolição (Lei nº 13.629 de 16/01/2018, do deputado Orlando Silva/PCdoB-SP) superou todas as adversidades com galhardia, coragem e combatividade. Não ficou em lamentos.
Só se alfabetizou por volta dos 17 anos. Autodidata, tornou-se jornalista e advogado e dedicou sua vida à defesa dos mais vulneráveis da sociedade da época, os escravos. Libertou mais de 500 deles (o número varia, para alguns, mais de 600) com sua brilhante atuação como advogado. “… aquele negro que mata alguém que deseja mantê-lo escravo, seja em qualquer circunstância for, mata em legítima defesa”, disse certa vez defendendo um escravo.
“Luiz Gama foi a figura mais avançada da luta abolicionista”, afirma Carlos Lopes, autor de vários ensaios abordando o seu papel na história do país (Ver A revolta dos escravos e o fim do Império e O 13 de Maio foi a vitória da luta de Zumbi dos Palmares).
Luiz Gama não chegou a ver a oficialização daquilo pelo qual lutou a vida inteira: o 13 de Maio de 1888, data da abolição da escravatura no país. O filho de Luiza Mahin, uma das líderes da revolta dos malês (Salvador, 1835), faleceu no dia 24 de agosto de 1882, seis anos antes.
CORRUPÇÃO
A professora Ligia Ferreira acredita que Luiz Gama continua “jovem e atualíssimo”.
Ligia é professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com bacharelado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Fez doutorado na Universidade de Paris 3/Sorbonne. Ela é especialista em Luiz Gama, organizadora de Primeiras Trovas Burlescas e outros poemas de Luiz Gama (Martins Fontes, 2000) e de Com a palavra Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas(Imprensa Oficial, 2011, 2018, 2019). E acaba de lançar Lições de resistência. Artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro (Edições do SESC, 2020, por ora em e-book).
Para ela, as arbitrariedades que o poeta e jornalista abolicionista criticava na sua época, a corrupção no seio das instituições, na política e na sociedade escravocrata, reproduzem-se em outras proporções, no Brasil de hoje em que é preciso defender a democracia.
“A maneira como ele apontava e criticava a conduta dos senhores e da classe política, recorrendo a meios ilícitos, com a conivência dos ‘doutores’ (juízes, advogados) para manter a escravidão, eram alguns dos argumentos empregados por Luiz Gama em defesa do que ele chamava de ‘pessoas ilegalmente escravizadas’”.
A professora Ligia ainda destacou que “ele lutava contra as opressões e, além de abolicionista, é preciso recordar que, vivendo sob regime monárquico, foi também um pioneiro das ideias republicanas”.
E pensar que hoje, na direção da Fundação Cultural Palmares, criada para valorizar e criar políticas públicas em defesa da cultura negra, está Sérgio Camargo, adorador da monarquia, que nega o racismo e renega os negros… Se fosse na sua época, Luiz Gama não ia gostar nada disso.
No domingo (21), data de aniversário de Luiz Gama, a professora Ligia Ferreira foi a entrevistada de uma live em comemoração ao evento, promovida pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (Cojira-SP), com apoio do Alma Preta e dos Jornalistas Livres. A apresentação coube à jornalista Claudinha Alexandre.
O nosso heroi desmontava a sociedade “e os pilares da sociedade escravista”, mostrando que a “riqueza se dava pelas mãos dos escravos”, enfatizou Ligia Ferreira.
“Por isso ele é atual. A atualidade de Luiz Gama está nos seus escritos, na sua obra, na maneira como questionava as instituições e as mazelas políticas, por isso é necessário conhecê-lo, ler sua obra diretamente na fonte, objetivo de meus livros”, disse Ligia Ferreira. “Os valores que ele abraçava e advogava, o fim da escravidão e o republicanismo”. Segundo a professora da UNIFESP, os dois temas não podem ser desvinculados: “a abolição e os ideais republicanos”.
Ao contatarmos a professora Ligia Ferreira para a entrevista, ela observou que “são tantas as ficções…” sobre a figura de Luiz Gama que o deturpam, apresentando-o como se fosse um mero personagem de ficção.
“Que bom! espero que possa passar informações fidedignas”, exclamou a professora ao explicarmos o objetivo da entrevista, expressando sua preocupação em retratar Luiz Gama fielmente. Isto explica porquê ao iniciarmos a conversa, ela cobrou o que já havíamos lido sobre Luiz Gama.
“Por isso estou implorando para que leiam Luiz Gama. Ele era uma figura única”, completou.
BENEMAR
Benemar França se declara honrado por sua descendência do líder abolicionista. “Luiz Gama tem muita história. Como tetraneto, só posso me sentir honrado”, afirmou.
“Bom, tenho 73 anos e quando estava na 2ª série do Colegial tive de fazer a minha árvore genealógica. Aí descobri que era tataraneto de Luiz Gama. A partir daí passei a pesquisar e acompanhar a história. Confesso que foi maravilhoso, ele era, foi de tudo, escravo, estudou, livre e passou a trabalhar, foi rábula (Advogado sem diploma, reconhecido e em 2015 recebeu o título da OAB de advogado)”, relata Benemar.
“Foi um tremendo orador, jornalista, libertou mais de 500 escravos, de forma jurídica. Escreveu um livro (Primeiras Trovas Burlescas de Getúlio, de 1859) e é considerado o primeiro escritor satírico brasileiro”, fala com orgulho.
“Ele foi Maçom e hoje sou da Loja Maçônica Luiz Gama, nosso patrono (eu sou o atual presidente)”, conclui.
A. S.