A nova presidente da Petrobrás, senhora Foster, em seus ataques, no último dia 25, à gestão da empresa entre 2003 e 2011, ao apresentar para “investidores” o “Plano de Negócios 2012-2016”, esqueceu que os Planos anteriores (segundo ela, “irrealistas”) foram aprovados por um Conselho de Administração que tinha uma presidenta de nome Dilma Vana Rousseff. Somente o de 2011 foi aprovado por Mantega, que substituiu Dilma na presidência do Conselho em março de 2010.
Naturalmente, a mídia que sempre foi a favor de torrar a Petrobrás na bacia das almas, fez a festa com os ataques da senhora Foster – e ainda está festejando. E não é para menos: o que a senhora Foster fez foi atacar o presidente Lula, que, entre 2003 e 2010, levantou a Petrobrás, com a colaboração imprescindível da atual presidenta da República.
Pois, o que a senhora Foster chamou de “irrealista”, e outras coisas, foi uma gestão que conquistou a autossuficiência petrolífera (2006); fez a Petrobrás passar de 20º lugar para segundo entre as companhias de petróleo (2010); tornou-a terceira companhia mais lucrativa das Américas; levou-a a superar duas vezes (2003 e 2007) o seu próprio recorde de profundidade na exploração de petróleo no mar – e descobriu a maior reserva petrolífera do mundo, na camada pré-sal.
No entanto, a mediocridade não consegue enxergar o seu próprio tamanho. No dia seguinte, a senhora Foster viajou a Nova Iorque para reunir-se, no dia 27, com 50 “investidores” norte-americanos (Soros Fund Management, Jet Investment & outros pistoleiros). Repetiu a mesma arenga, para gáudio dos presentes. Um deles declarou à imprensa que “levará muito tempo para a Petrobrás recuperar a credibilidade perdida; aplaudo o mea culpa que a Petrobras fez hoje aqui” (sic).
Deve ser porque a Petrobrás não tem “credibilidade” que o sr. Soros, desde maio do ano passado, duplicou a sua compra de ações da Petrobrás (v. Exame, 21/05/2011). Ele adora perder dinheiro…
Não faremos maiores comentários sobre a presidente da maior empresa nacional, pertencente ao povo brasileiro, viajar a Nova Iorque para apresentar o “Plano” a especuladores norte-americanos, porque é evidente por si mesmo. Nem Juracy Magalhães (autor da frase “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”), quando presidente da Petrobrás, ousou pensar em semelhante convescote.
Nas duas reuniões, a senhora Foster pregou a “paridade” entre os preços dos derivados de petróleo no Brasil com os preços “internacionais”. O que significa deixar os preços internos da gasolina e óleo diesel à mercê da especulação externa. Ou, para ser exato, deixar a ExxonMobil, a Chevron, a Shell e a BP determinarem, com sua sanha de lucros, os preços dentro do Brasil. Uma das razões (e das principais) para fundar a Petrobrás foi, precisamente, impedir que isso continuasse a acontecer.
A senhora Foster, na apresentação do “Plano”, em seção intitulada “Historicamente, a Petrobrás não cumpre suas metas de produção…”, afirmou que os planos de negócios de 2003 a 2011 foram uma coleção de “Metas de Produção Não Cumpridas”. Em letras garrafais: “Planejamento do E&P [Exploração e Produção] fundamentado em ‘Metas Ousadas’, (…) se mostraram, ano a ano, não realistas”.
A Petrobrás, nesse período, tinha, como diretor de E&P, talvez a maior autoridade mundial no assunto, o geólogo Guilherme Estrella. No entanto, nem todo mundo tem certos limites – a capacidade de reconhecer que outros são mais capazes – que são tão óbvios para os humanos em geral.
A senhora Foster exibiu uma tabela, organizada cavilosissimamente: quem olhar para ela e não fizer as contas, vai ter a impressão que a Petrobrás não cumpre meta nenhuma – seu sucesso, portanto, foi um milagre de São Serapião. Publicamos nesta página uma tabela com os mesmos números da senhora Foster – e com a diferença entre as metas do ano (a senhora Foster mistura as metas do ano com a perspectiva, entrevista até cinco anos antes) e a produção de petróleo efetivamente realizada.
Como o leitor verá, a diferença média entre meta e produção, no período que a senhora Foster disse que as metas foram “não realistas”, foi de 5,02% – e, em seis desses nove anos, ficou abaixo da média.
Que outra grande empresa, no capitalismo, teve, no mesmo período, uma diferença de 5% entre a meta e a produção? Que empresa cumpriu 95% da meta, na maioria dos anos até mais que isso?
Nós sabemos a resposta, leitor: nenhuma. Só a Petrobrás. Se a senhora Foster tiver alguma dúvida, pode perguntar ao sr. Colin Vaughan Foster, que tem longo relacionamento com as petroleiras externas. Por falar nisso, ele colocou no site de sua empresa, a C. Foster, que “nossa meta para o ano de 2011 é a de nos tornarmos um ‘Prime Vendor’ (fornecedor de pacotes) de equipamentos para a construção ou reforma de navios, rebocadores, plataformas de perfuração e FPSO’s [navios para a produção, armazenamento e escoamento de petróleo]. Não sabemos se o sr. Foster atingiu a sua meta, nem se, em caso negativo, foi admoestado severamente por sua esposa.
Em seguida, na apresentação, vem outro título: “Historicamente, os projetos da Petrobras atrasam…”; na página seguinte: “Prazos não Cumpridos, com Elevação dos Custos” e uma tabela sobre a Refinaria Abreu e Lima, sociedade da PDVSA, da Venezuela, com a Petrobrás, e os dizeres: “com 3 anos de atraso” e “9 vezes o custo inicial”.
Até a mídia noticiou que o BNDES está dificultando o financiamento à PDVSA, exigindo garantias bancárias (isto é, que um grande banco, certamente “internacional”, seja fiador do empréstimo) para uma companhia que é a terceira maior empresa da América Latina, com faturamento de US$ 63,2 bilhões e uma extração de 5,8 milhões de barris/dia – mais que o dobro, hoje, da Petrobrás.
Naturalmente, não serão os bancos norte-americanos que irão “garantir” a PDVSA. Esta apresentou como fiador o Banco Espírito Santo (BES), mas o BNDES recusou que o BES avalizasse o total dos US$ 4 bilhões de financiamento, porque a Moody’s – um desses antros supostamente de “rating” – rebaixou a “avaliação de risco” desse banco português. A PDVSA, então, apresentou o Banco de Desenvolvimento da China, como fiador de 50% do financiamento. Do total de garantias exigidas, o BNDES está recusando, no momento, as “garantias bancárias” sobre 25% do financiamento. Resta saber se o BNDES exige isso do sr. Eike Batista, dono de empresas inexistentes (aliás, “pré-operacionais”), fartamente regadas por seus financiamentos.
Mas, convenhamos, culpar a gestão anterior da Petrobrás pelo servilismo da atual diretoria do BNDES é tão absurdo quanto culpar a senhora Foster pelo sucesso da empresa.
Não cansaremos o leitor com toda a apresentação da senhora Foster, e sua sobrenatural falta de senso do ridículo. Como já publicamos (HP, 29/06/2012), ela faz uma lista dos fornecedores de “conteúdo local” que fazem a sua alegria. São os seguintes: GE (EUA), Rolls-Royce (Inglaterra), NKT Flexibles (Dinamarca), Technip (França), Wellstream (Inglaterra), Prysmian (Itália), Butting (Alemanha), Duco (Inglaterra), Nexans (Noruega), Oceaneering (EUA), Aker (Noruega), FMC (EUA), Cameron (EUA), Dresser-Rand (EUA), MEP Pellegrini (Itália), V&M (França), Emerson (EUA). Nessa lista de “fornecedores locais” estão duas empresas nacionais (MFX e Metasa) e a privatizada Usiminas, que tem como principais acionistas a Nippon Steel (Japão) e a Vale.
Por último, segundo a senhora Foster, o critério da Petrobrás deve ser as “Curvas S como referência única de gestão”. Parece muito complexo, não é, leitor?
Porém, a “curva S” é apenas uma representação gráfica da aplicação de recursos (materiais, humanos, financeiros) no tempo. Por exemplo, na construção de uma casa, é óbvio que a aplicação dos recursos necessários diminuirá à medida que a casa vai sendo construída, ao mesmo tempo que os recursos acumulados (ou seja, já aplicados) tendem a aumentar. A “curva S” é somente a transformação em gráfico de uma tabela com os valores desses recursos, vis-à-vis o tempo decorrido.
Tal expediente matemático pode ser útil na administração de uma empresa. O problema é que os neoliberais fizeram da “curva S” um fetiche, como se existisse uma “curva S” ideal, fora das circunstâncias, das necessidades e dos interesses – o que significa: exceto os dos monopólios e cartéis.
A Petrobrás, evidentemente, só existe em função dos interesses do Brasil e da necessidade do povo brasileiro de ter o seu petróleo sob controle nacional. Se não fosse isso – e não é pouca coisa – a Petrobrás seria dispensável, o que era a tese tucana do infame Reichstul e sua Petrobrax.
A senhora Foster descobriu que a “referência única de gestão” (única!) da Petrobrás deve ser a “curva S”. E que se danem os interesses nacionais, as carências do povo – e a própria Petrobrás, que não existe se não for por causa desses interesses e carências.
CARLOS LOPES